Tente
negociar com o dono do supermercado perto de sua casa para que ele pare de
aumentar os preços de todos os produtos por um ano inteiro, mas deixe claro que
no fim de dezembro você "compensará as perdas" da inflação, pagando a
partir de então os valores corrigidos pelo índice apurado pelo IBGE.
Parece
um absurdo e certamente é, mas essa mesma lógica é utilizada na atualização
anual do valor do salário mínimo. E ninguém a contesta.
Considerando
a inflação mês a mês de 2019, o brasileiro que depende de um salário mínimo foi
obrigado a tirar do bolso exatos de R$ 327,75 que jamais serão repostos. A
conta fica bem maior de acordo com o holerite do trabalhador. Quem ganha três
salários mínimos, perdeu quase R$ 1.000.
A
mesma lógica, da recomposição da inflação após 12 meses, é aplicada nos
dissídios das categorias profissionais, que levam em conta os aumentos de
preços registrados no passado.
"Como
os valores só são repostos após o cálculo da inflação, fica claro que o
trabalhador precisa pôr a mão no bolso para manter o poder de compra", diz
o advogado perito em cálculos previdenciários do escritório de advocacia Aith,
Badari e Luchin, Giovanni Guimarães.
Se
essa regra de correção tornou-se corriqueira e aceita, não é utilizada, por
exemplo, no cálculo de quanto cada morador deve pagar pelo condomínio de seu
prédio. E por uma questão muito simples: se faltar verba para quitar as
despesas do mês que está começando, alguém vai ficar sem dinheiro.
Teoria do tanque cheio
Para
entender melhor a questão, imagine que para cumprir todas suas funções em 30
dias um motorista gaste exatamente um tanque cheio de gasolina. No mês
seguinte, no entanto, com o desgaste do veículo, o carro passa a consumir mais
e, para evitar uma pane seca, esse sujeito se vê obrigado a acrescentar cada
vez mais combustível.
O
desgaste do veículo que faz o carro consumir mais é similar à inflação, e esse
gasto extra do motorista no posto de gasolina é o que ninguém jamais calcula e
nunca é reposto pelos ajustes anuais do salário mínimo do governo federal, que,
mantendo a metáfora, apenas corrige o desgaste do automóvel.
No
início deste ano, o governo Bolsonaro anunciou com estardalhaço que corrigiria
o salário mínimo em 4,71%, acima do índice apurado pelo INPC (Índice Nacional
de Preços ao Consumidor) de 2019: R$ 4,48%. O valor passou de R$ 998 para R$
1.039 em 1º de janeiro, e R$ 1.045 a partir de fevereiro.
Sim, é
um aumento a ser comemorado, observa Guimarães, mas é ilusória a ideia de que
ele repõe o poder de compra dos brasileiros.
Informações do Portal R7