O presidente já usou as palavras histeria e fantasia para classificar a reação da população e da mídia à doença
Desde
o início da disseminação do novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro (sem
partido) tem falado e agido em confronto com as medidas de proteção, em
especial a política de isolamento da população.
O
presidente já usou as palavras histeria e fantasia para classificar a reação da
população e da mídia à doença .
Além
dos discursos, o presidente assinou decretos para driblar decisões estaduais e
municipais, manteve contato com pessoas na rua e vetou o uso obrigatório de
máscaras em escolas, igrejas e presídios-medida que acabou derrubada pelo
Congresso.
Mais
recentemente, entrou em uma "guerra da vacina" com o governador de
São Paulo, João Doria (PSDB).
Em
outubro, desautorizou o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, que havia
anunciado acordo com o estado de São Paulo para a compra de 46 milhões de doses
da Coronavac, vacina da farmacêutica chinesa Sinovac que será produzida no
Brasil pelo Instituto Butantan, ligado ao governo paulista.
Ao
responder ao comentário de um internauta que pediu que a vacina não fosse
comprada porque ele tem 17 anos e disse querer ter "um futuro, mas sem
interferência da ditadura chinesa", Bolsonaro negou a compra.
"NÃO SERÁ COMPRADA", escreveu em letras maiúsculas.
Agora,
no entanto, a vacina é apontada como peça fundamental no programa de imunização
brasileiro.
Protestos de março
Contradizendo
o que ele mesmo havia falado em pronunciamento, Bolsonaro participou de
protestos pró-governo no dia 15 de março, quando o Brasil tinha 200 casos
confirmados de pessoas com Covid-19 e 1.917 suspeitos.
Naquele
dia, o presidente primeiro incentivou os protestos com postagens em suas redes
sociais. Depois, sem máscara, participou das manifestações em Brasília, tocando
simpatizantes e manuseando o celular de alguns apoiadores para fazer selfies.
"Isso não tem preço", disse, durante transmissão ao vivo.
Pronunciamento
Em
pronunciamento do dia 24 de março, Bolsonaro atacou governadores, culpou a
imprensa pelo agravamento da crise de saúde e criticou o fechamento de escolas.
"O
que se passa no mundo mostra que o grupo de risco é de pessoas acima de 60
anos. Então, por que fechar escolas?", questionou o presidente.
"Raros são os casos fatais, de pessoas sãs, com menos de 40 anos de
idade."
Bolsonaro
concluiu dizendo que, se ele fosse infectado, por seu "histórico de
atleta", não deveria temer a doença.
Atividades religiosas
No dia
26 de março, Bolsonaro atualizou decreto que lista atividades essenciais que
não podem ser interrompidas durante os esforços de combate ao novo coronavírus.
Ele acrescentou atividades religiosas e casas lotéricas.
"Muita
gente, para dar satisfação ao seu eleitorado, toma providências absurdas.
Fechando shopping, tem gente que quer fechar igreja, [que] é o último refúgio
das pessoas", afirmou o presidente.
Um dia
depois da atualização, a Justiça Federal suspendeu a validade do decreto e
proibiu o governo de adotar medidas contrárias ao isolamento social.
'Isolamento vertical'
Bolsonaro
defendeu o que chama de "isolamento vertical", que consistiria em
isolar apenas aqueles que estiverem em grupos de risco, como idosos e
portadores de doenças como hipertensão e diabetes sem controle.
Em
reuniões com secretários, porém, os presentes relataram que a medida foi
apresentada como um princípio e que nenhum estudo técnico embasou a proposta.
Campanha oficial
Um
vídeo de divulgação institucional da Presidência da República resumiu e
comunicou oficialmente as propostas do governo para a pandemia. O
compartilhamento da peça ficou por conta do filho mais velho do presidente, o
senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), e logo tomou as redes
bolsonaristas.
O
vídeo, divulgado no dia 27 de março, mostrava categorias como a dos autônomos e
mesmo a dos profissionais da saúde como desejosas de voltar ao regime normal de
trabalho.
"O
Brasil não pode parar", encerrava cada trecho do vídeo, inclusive para os
"brasileiros contaminados pelo coronavírus".
No dia
28 de março, a Justiça Federal no Rio de Janeiro impediu a divulgação da
campanha por rádio, TV, jornais, revistas, sites ou qualquer outro meio, físico
ou digital.
Tuíte da carreata
No
mesmo dia em que Flávio Bolsonaro divulgou a peça de campanha
#BrasilNaoPodeParar, do Palácio do Planalto, o próprio presidente postou em sua
conta em rede social o vídeo de uma carreata realizada em Balneário Camboriú
(SC).
A
manifestação pedia a volta do comércio e era contrária ao isolamento social
recomendado pela OMS e pela maioria dos governos que lidam com a pandemia.
Saidinha pelas ruas
Em 29
de março, o presidente saiu pelas ruas de Brasília defendendo a volta da
população ao trabalho.
O giro
ocorreu um dia depois de o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta,
afirmar que o chamado "isolamento vertical" (restrito a grupos de
risco) estava descartado como forma de enfrentar o vírus. Em 9 de abril,
Bolsonaro voltou a circular, dessa vez para ir a uma padaria. No dia seguinte,
visitou o Hospital das Forças Armadas, e foi a uma farmácia no Sudoeste, em
Brasília.
Decreto
Em 30
de março, Bolsonaro disse que estava pensando em editar um decreto para a
população poder trabalhar.
A fala
ocorreu após semana em que oscilaram embates e aparentes entendimentos em
reuniões com governadores.
Aliados
afirmaram que Bolsonaro ficou irritado por ter saído da conversa como se
tivesse sido domado pelos ministros.
No dia
2 de abril, Bolsonaro voltou a dizer que poderia tomar a decisão em uma
canetada. "Se tiver que chegar a esse momento [de determinar a volta], eu
vou assinar essa medida provisória (...)". Em 15 de abril, o STF (Supremo
Tribunal Federal) decidiu por unanimidade que estados e municípios têm
autonomia para determinar o isolamento social em meio à pandemia.
Também
em abril, antes da decisão do Supremo, a AGU (Advocacia-Geral da União)
divulgou nota afirmando que, diante das medidas restritivas "de direitos
fundamentais" adotadas pelas outras esferas de governo, pretendia ajuizar
ações contra elas para "garantir a ordem democrática e a uniformidade das
medidas de prevenção à Covid-19".
Aglomeração e obra atrasada
Em 11
de abril, ao visitar obra de um hospital de campanha em Águas Lindas de Goiás
(GO), Bolsonaro voltou a provocar aglomerações, o que se repetiria ao longo do
ano. O espaço foi inaugurado em 5 de junho, após sofrer com a burocracia
imposta pelo próprio governo federal.
Assim
que desceu do helicóptero, o presidente subiu em um barranco e foi até um grupo
próximo a um cordão de isolamento. Em seguida, aproximou-se do governador de
Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), e brincou com o político, que estendeu um pote de
álcool em gel ao presidente.
Depois
da visita, à qual a imprensa não teve acesso, Bolsonaro foi até outros focos de
aglomeração e retirou a máscara enquanto cumprimentava os simpatizantes. Guerra
política
No
início de maio, o presidente conclamou um grupo de empresários de peso a pressionar
governadores pela reabertura do comércio. Ele disse que "é guerra" e
que o setor empresarial precisa "jogar pesado" com os chefes de
governo nos estados.
Contrário
ao isolamento, Bolsonaro criticava, principalmente, o governador de São Paulo,
João Doria (PSDB), e o hoje governador afastado do Rio, Wilson Witzel (PSC). O
presidente se queixou, em diversas ocasiões, de que os governadores ignoravam
um decreto presidencial que ampliou o número de atividades consideradas
essenciais. Para Bolsonaro, tratava-se de um ato de "desobediência
civil".
Em
outro momento de fortes ataques aos chefes de Executivo nos estados, o
presidente afirmou que, ao que parece, existe no Brasil uma "questão
política", com o objetivo de "quebrar a economia para atingir o
governo".
Dados maquiados
No dia
6 de junho, o governo restringiu a divulgação de dados sobre o impacto do novo
coronavírus no país. O portal do Ministério da Saúde com as informações
consolidadas havia saído do ar na noite anterior e retornou mostrando somente
os números registrados no último dia.
Na
segunda-feira (8) seguinte, a pasta recuou e anunciou que manteria disponíveis
os números acumulados de mortes e de casos confirmados de Covid-19. No entanto,
a Saúde confirmou que promoveria uma mudança na divulgação, dando destaque para
os dados efetivamente registrados nas últimas 24 horas.
A
pasta informou que adotaria um modelo de divulgação com dados com base na data
de ocorrência dos óbitos –e não pela data de notificação, como vinha
acontecendo desde o início da pandemia. Esse último formato é usado por
praticamente todos os países.
Com o
método, os números de mortes ficam menos impactantes. Isso porque o compilado
dos óbitos pela data da notificação considerava não apenas os casos das últimas
24 horas, mas também as mortes anteriores, mas que ainda aguardavam a
confirmação da infecção pelo novo coronavírus.
Em
resposta à decisão do governo de restringir o acesso a dados sobre a pandemia
de Covid-19, os veículos O Estado de S. Paulo, Extra, Folha de S.Paulo, O Globo,
G1 e UOL decidiram formar uma parceria e trabalhar de forma colaborativa para
buscar as informações necessárias nos 26 estados e no Distrito Federal.
Invasão a hospitais
Em 11
de junho, Bolsonaro pediu aos seus seguidores nas redes sociais que filmassem o
interior de hospitais públicos e de campanha para averiguar se os leitos de
emergência estavam livres ou ocupados.
Em
live nas redes sociais, o presidente defendeu que, caso as imagens
demonstrassem alguma anormalidade, fossem enviadas ao governo federal, que as
repassaria para a Polícia Federal ou para a Abin (Agência Brasileira de
Inteligência) para que fossem investigadas. A entrada em unidades de saúde sem
autorização não é permitida.
"[Se]
Tem hospital de campanha perto de você, hospital público, arranja uma maneira
de entrar e filmar. Muita gente está fazendo isso e mais gente tem que fazer
para mostrar se os leitos estão ocupados ou não. Se os gastos são compatíveis
ou não. Isso nos ajuda", disse o presidente.
No dia
seguinte, o ministro Gilmar Mendes, do STF, disse, no Twitter, que estimular a
invasão de hospitais é crime e afirmou que o Ministério Público deveria atuar
contra quem defende essa prática.
"Invadir
hospitais é crime –estimular também. O Ministério Público (a PGR e os MPs
Estaduais) devem atuar imediatamente. É vergonhoso –para não dizer ridículo–
que agentes públicos se prestem a alimentar teorias da conspiração, colocando
em risco a saúde pública", escreveu.
Investidas contra vacinas
A
Coronavac tem sido alvo de atrito entre o governo estadual paulista e a gestão
Bolsonaro. O presidente já minimizou o imunizante feito pela chinesa Sinovac,
dizendo que não gerava confiança por causa do seu país de origem, e esvaziou o
plano de aquisição futura das doses feito em outubro por Pazuello, chefe da
Saúde.
A
Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) acabou envolvida na disputa
entre Bolsonaro e Doria. No começo de novembro, a agência pausou os testes com
a Coronavac após a morte de um voluntário da fase 3 do estudo da vacina. A
causa do óbito, porém, foi suicídio. No dia seguinte, após fortes críticas do
governo paulista à ação, os testes foram liberados de novo.
Neste
mês, o presidente mudou diversas vezes o tom sobre vacinas de um modo geral. No
dia 19, por exemplo, apesar de recente alta de casos e mortes, disse:
"(...) Pressa para a vacina não se justifica, porque você mexe com a vida
das pessoas". O Brasil contabiliza mais de 190 mil óbitos.
Já
neste domingo (27) escreveu em uma rede social que o governo tem "pressa
para obter uma vacina segura, eficaz e com qualidade (...)".
Com Informações Notícias ao Minuto