Pesquisa promissora do Instituto Butantan desenvolveu soro anti-Covid para tratamento de pacientes nos hospitais; testes clínicos começaram no final de outubro
Indispensáveis para as atividades no campo, os cavalos, para surpresa de alguns, também são aliados da saúde dos seres humanos. Uma pesquisa multidisciplinar em andamento do Instituto Butantan utiliza o plasma dos equinos como matéria-prima para a produção de um soro anti-Covid, a ser utilizado em pacientes nos hospitais para reduzir a gravidade dos casos e evitar óbitos, diferente das vacinas, que são preventivas.
A tecnologia figura entre as mais promissoras para o tratamento da Covid-19 no mundo, graças ao trabalho de cientistas paulistas.
Soro anti-Covid desenvolvido pelo Instituto Butantan - Foto: Divulgação/Instituto Butantan
Depois da fase de cultivo, purificação e inativação do vírus da Covid-19, além de diversos testes em laboratório, é que teve início o trabalho com os cavalos, essenciais para a produção de qualquer soro hiperimune. Inicialmente, foram utilizados 10 equinos no estudo. Através da aplicação no animal do antígeno, substância estranha ao organismo que desencadeia a produção de anticorpos, é possível obter um soro capaz de combater a doença.
O plasma do animal, rico em anticorpos, é coletado por um sistema automatizado, e passa por várias etapas dentro da unidade industrial certificada com Boas Práticas de Fabricação. Por meio de processos físicos e químicos, os anticorpos são separados, fragmentados (quando a molécula da imunoglobulina, que é o anticorpo, é quebrada) e purificados, para que resulte nos frascos-ampola dos soros a serem aplicados em pessoas infectadas.
“A gente faz todos os testes de controle para termos certeza que esse vírus está inativo, então não tem nenhum risco para os animais, nem para os operadores ou para a população que venha a precisar desse soro”, diz o diretor de produção do Butantan, Ricardo Oliveira.
É na Fazenda São Joaquim, localizada em Araçariguama (SP), que quase mil cavalos em 1.210 hectares atuam como aliados na saúde dos humanos e não só no soro anti-Covid, já que o plasma dos animais também serve de insumo para a produção de soros antiofídicos (contra veneno de cobra), antiescorpiônico (escorpião), antiaracnídico (aranhas e escorpião), antilonômico (lagarta), antidiftérico (difteria), antitetânico (tétano), antibotulínico (botulismo), antirrábico (raiva) e outros.
Os animais recebem cuidados diários de uma equipe de nove veterinários no local e de diversos profissionais de apoio que se preocupam com cada animal. “Um dos pontos de maior atenção é o bem estar animal. Se a gente não tiver esses cavalos em boa condição de saúde, a gente não tem produção. Temos veterinários para os principais cuidados deles”, explica Camila Bianconi, veterinária e coordenadora de produção na fazenda do Instituto Butantan.
Camila explica ainda que, durante a coleta automatizada do plasma dos cavalos, não há qualquer incômodo para os animais. Além disso, os espaços em que os cavalos ficam também têm cuidados especiais para o máximo conforto. A coleta do plasma também segue um cronograma para que nenhum animal seja exigido ao extremo, com um tempo de descanso de até 60 dias até voltarem para a extração.
“Diferente das pessoas que doam o sangue em si, os cavalos não fazem uma doação total, retiramos somente o plasma e essa série vermelha é devolvida para que eles não saiam com nenhum tipo de anemia ou desidratação. A coleta é sempre muito tranquila”, afirma Camila.
Logo após o início da pandemia da Covid-19, cientistas de todo o mundo iniciaram uma corrida em busca de tratamentos a fim de mitigar os devastadores efeitos causados pelo vírus. No Brasil, isso não foi diferente. As vacinas contra o vírus, por exemplo, foram desenvolvidas em tempo recorde, menos de doze meses, período jamais visto antes na história da sociedade.
A CoronaVac, desenvolvida em parceria pelo Butantan, por exemplo, teve a 1ª dose aplicada no Brasil na segunda metade de janeiro de 2021, menos de um ano depois de a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretar o coronavírus como pandemia. O instituto ainda trabalha nos ensaios da ButanVac, produzida totalmente em solo brasileiro a partir da inoculação do vetor viral em ovos embrionados de galinhas.
“Pouco tempo depois do início da pandemia, todos ficaram na expectativa se o instituto iria produzir esse plasma anti-Covid, até mesmo nossos colaboradores na fazenda. E quando veio a notícia, todos ficamos entusiasmados, não teve como não ficar. Enquanto parte do Brasil estava parado, a gente trabalhou normalmente e até mais para que tudo isso desse certo”, conta Camila.
Por que os cavalos?
O Instituto Butantan trabalha há mais de 100 anos com a produção de soros. Quando essa descoberta foi possível, no final da década de 1890, teve aplicação inicial para o tratamento da difteria. Por conta da larga escala de produção, sentiu-se a necessidade de utilizar animais mais robustos para o processo e é aí que veio o cavalo, por terem um sistema imune parecido entre si, capacidade maior de produzir anticorpos e por serem resistentes.
Quanto mais sangue o animal tem, mais plasma também, que é parte do sangue em que ficam os anticorpos. Portanto, maior é a produção de soro para que possam ser aplicados nos doentes.
“O cavalo é um animal grande, então nos proporciona um volume alto de plasma. É ainda um animal que é dócil e de fácil manejo, além de ter uma veia jugular de fácil acesso. Por esses e outros motivos, o cavalo foi escolhido. Outros animais possíveis são os bovinos, mas eles não são tão fáceis de manejo e dóceis como os equinos”, considera Camila.
Testes clínicos em andamento
Depois dos animais, os testes do soro anti-Covid do Butantan passaram a ser realizados em seres humanos, a partir da última quinzena de outubro deste ano de 2021, com três mil frascos, após autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O Hospital do Rim e o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), em São Paulo (SP), receberam as primeiras doses do soro intravenoso.
“Os estudos animais feitos com o que a gente chama de ‘teste de desafio’ mostraram que esse soro é extremamente efetivo”, destaca o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas. “Esperamos que a mesma efetividade seja demonstrada agora nesses estudos clínicos que poderão ser autorizados para ter início na próxima semana”, reitera.
As duas primeiras fases dos testes são feitas no modelo randomizado, multicêntrico, e divididas em três etapas – A, B e C. O objetivo é avaliar a segurança farmacocinética e a eficácia do soro anti-Covid, além de escalonar a dose. Podem participar dos testes voluntários acima de 30 anos com confirmação do vírus em teste PCR há no máximo cinco dias.
Na fase 1, que foca na segurança do produto e definição de dose, o estudo vai envolver 30 pessoas transplantadas de rim no Hospital do Rim (etapa A); e 30 pacientes oncológicos do Hospital das Clínicas, com câncer de órgão sólido (etapa B). Os imunossuprimidos não podem tomar vacinas e são mais suscetíveis ao vírus. Na fase 2, participarão 558 pessoas, entre transplantados de órgãos sólidos e pacientes oncológicos, todos fazendo terapia imunossupressora (etapa C).
“Está todo mundo na expectativa para saber os primeiros resultados e a expectativa é positiva porque o Butantan já é pioneiro na produção de plasma e do Covid-19 não será diferente”, ressalta Camila. O instituto tem experiência de 120 anos na elaboração de soros, sendo responsável por 100% da produção no país, mas ainda não tinha o histórico de realização de ensaios clínicos desde a etapa de pesquisa do produto.
Fonte: Notícias Agrícolas / por: Jhonatas Simião