Sergio Moro se filia ao Podemos, critica Bolsonaro e Lula e abre caminho para ser candidato à Presidência: 'Não fugirei dessa luta'

Em Brasília, ex-ministro Sergio Moro se filia ao Podemos e abre caminho para sua pré-candidatura à Presidência em 2022. Foto: Cristiano Mariz / Agência O Globo

O ex-ministro Sergio Moro, que esteve à frente como juiz na operação Lava-Jato, se filiou nesta quarta-feira ao Podemos. O evento, que aconteceu no Centro de Convenção Ulysses Guimarães, em Brasília, abre caminho para sua pré-candidatura a presidente. Com rejeição de bolsonaristas e lulistas, Moro é uma das apostas de centro-direita como uma opção de terceira via na disputa hoje polarizada entre o presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Lula (PT). Em discurso, Moro admitiu que pode vir a disputar a presidência.

— Se para tanto, for necessário assumir a liderança nesse projeto, meu nome sempre estará à disposição do povo brasileiro. Não fugirei dessa luta, embora saiba que será difícil. Há outros bons nomes que têm se apresentado para que o País possa escapar dos extremos da mentira, da corrupção e do retrocesso — disse Moro, que também afirmou: — Precisamos nos unir em torno de um projeto que tenha as seguintes linhas: combater a corrupção; reduzir a pobreza; reduzir a inflação; gerar empregos; proteger a família e respeitar o próximo, o diferente.
No discurso de filiação, Moro fez críticas tanto a gestão petista no governo federal como a de Bolsonaro. O ex-juiz citou casos de corrupção durante os mandatos dos ex-presidentes Lula e Dilma, como mensalão e desvios na Petrobras. Sobre Bolsonaro, disse que deixou o governo por não ter recebido apoio no combate à corrupção.

Moro subiu ao palco às 10h40. Antes, foi exibido um vídeo em que o ex-juiz aparece caminhando diante do Palácio do Planalto. O ingresso dele no partido contraria declarações de Moro, que diversas vezes disse que não entraria na política.

O ex-ministro iniciou seu discurso citando as críticas que recebe por sua voz. Ele justificou que "não é político" e que "não está acostumado a discursos".

— O Brasil não precisa de líderes que tenham voz bonita. O Brasil precisa de líderes que ouçam e atendam a voz do povo brasileiro – disse Moro, que passou por uma acompanhamento com um fonoaudiólogo para melhorar sua dicção.
O ex-juiz fez a defesa de sua atuação na operação Lava-Jato e, sem citar o presidente Jair Bolsonaro, falou de sua atuação no governo.

— Eu sempre fui considerado um juiz firme e fiz justiça na forma da Lei. Na época, todos diziam que era impossível fazer isso, mas nós fizemos. Claro, com grande apoio da população brasileira. Juntos, eu, você, nós, mostramos que a Lei se aplica a todos. Em 2018, recebi um convite do presidente eleito para ser ministro da Justiça. Como todo bom brasileiro, eu tinha, em 2018, esperança por dias melhores. Como todo brasileiro, eu pensava no que havíamos presenciado nos últimos anos: os grandes casos de corrupção sendo revelados dia após dia, os pixulecos, as contas na Suíça e milhões de reais ou dólares roubados — disse.

O ex-ministro justificou que tinha o "dever de ajudar":

— Era um momento que exigia mudança. Eu, como juiz da Lava-Jato me sentia no dever de ajudar. Havia pelo menos uma chance de dar certo e eu não podia me omitir: aceitei o convite e ingressei no governo. O meu objetivo era melhorar a vida das pessoas por meio de um trabalho técnico, principalmente, reduzindo a corrupção e outros crime.

Moro disse que deixou o governo porque foi boicotado. Na época, o ex-ministro alegou que Bolsonaro tentava interferir na Polícia Federal — o que fez com que um inquérito contra o presidente fosse aberto.

— O meu desejo era continuar atuando, como ministro, em favor dos brasileiros. Infelizmente, não pude prosseguir no governo. Quando aceitei o cargo, não o fiz por poder ou prestígio. Eu acreditava em uma missão. Queria combater a corrupção, mas, para isso, eu precisava do apoio do governo e esse apoio me foi negado. Quando vi meu trabalho boicotado e quando foi quebrada a promessa de que o governo combateria a corrupção, sem proteger quem quer que seja, continuar como ministro seria apenas uma farsa. Nunca renunciarei aos meus princípios e ao compromisso com o povo brasileiro. Nenhum cargo vale a sua alma.

Corrupção

O ex-ministro disse também que é uma "mentira" que acabou a corrupção no país — o que é repetido por Bolsonaro frequentemente. Para ele, o país está no rumo errado.

— Os avanços no combate à corrupção perderam a força. Foram aprovadas medidas que dificultam o trabalho da polícia, de juízes e de procuradores. É um engano dizer que acabou a corrupção quando na verdade enfraqueceram as ferramentas para combatê-la — disse.

Moro disse que esperava que o sistema político corrigisse após a Lava-Jato. Mas que, com a continuidade da corrupção, após um ano morando fora, resolveu entrar na política.

— Não podia ficar quieto, sem falar o que penso, sem pelo menos tentar mais uma vez, com você, ajudar o país. Então resolvi fazer do jeito que me restava: entrando para a política, corrigindo isso de dentro para fora — falou.

O ex-ministro completou afirmando não ter "um projeto só para si mesmo" e justificou a escolha do Podemos por ser um partido ligado à pauta anticorrupção:

— Para isso, resolvi entrar na vida política e filiar-me ao Podemos, um partido que apoia as pautas da Lava-Jato. Mas esse não é o projeto somente de um partido, é um projeto de país aberto para adesão por todos os demais partidos, pela sociedade brasileira, do empresário ao trabalhador, por todo cidadão e cidadã brasileiros. É o seu projeto, que estava aí, aguardando o momento certo. Chegou a hora.

Em seu discurso, Moro tentou se contrapor à polarização e disse que seu projeto é forte, mas sem agressão. O ex-ministro ainda condenou a agressão a jornalistas e criticou as tentativas de controle da mídia, já citado pelo ex-presidente Lula.

— Nossas únicas armas serão a verdade, a ciência e a justiça. Trataremos a todos com caridade e sem malícia. Respeitaremos aqueles que gostam e aqueles que não gostam de nós. O Brasil é de todos os brasileiros e nosso caminho jamais será o da mentira, das verdades alternativas ou de fomentar divisões ou agressões de brasileiro contra brasileiro — disse.

Rachadinha

No discurso Moro fez referência direta ao esquema de corrupção que tem o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, como um dos investigados.

— Combater a corrupção não é um projeto de vingança ou de punição. É um projeto de justiça na forma da lei. É impedir que as estruturas de poder sejam capturadas e dessa forma viabilizar as reformas necessárias para melhorar a vida das pessoas — disse, acrescentando: — É um projeto para termos um governo de leis que age em benefício de todos e não apenas de alguns. Chega de corrupção, chega de mensalão, chega de petrolão, chega de rachadinha. Chega de querer levar vantagem em tudo e enganar a população.

Auxílio Brasil

O ex-ministro criticou que a criação do Auxílio Brasil venha acompanhada de uma PEC que adia o pagamento dos precatórios e flexibiliza o teto de gastos.

— Ao olharmos para as reformas que estão sendo aprovadas, o que a gente percebe é que ninguém está pensando nas pessoas. Mesmo quando se quer uma coisa boa, como esse aumento do Auxílio Brasil ou do Bolsa Família, que são importantes para combater a pobreza, vem alguma coisa ruim junto, como o calote de dívidas, o furo no teto de gastos e o aumento de recursos para outras coisas que não são prioridades — disse Moro.

Com o slogan "Por Um Brasil Justo Para Todos" , Moro quer usar o evento para começar a trabalhar a imagem de que está preparado para atuar além do combate à corrupção, que lhe deu fama. O auditório do centro de convenção foi decorado com faixas que destacam pautas como "segurança", "educação", "saúde", "trabalho", "sustentabilidade" e "comida no prato".
Propostas

No ato de filiação, Moro apresentou a proposta de sua pré-candidatura, defendeu o "livre mercado, a livre empresa e a livre iniciativa, sem que o governo tenha que interferir em todos os aspectos da vida das pessoas."

— Precisamos reformar nosso sistema confuso de impostos. Há quanto tempo falamos nisso sem fazer? Precisamos privatizar estatais ineficientes. Precisamos abrir e modernizar nossa economia buscando mercados externos. O tempo é de inovação e não podemos ficar para trás nesse mundo cada vez mais dinâmico e competitivo — disse.
Moro apresentou ainda uma série de propostas que prometeu defender se for eleito: o fim da reeleição para presidente; fim do foro privilegiado para autoridades processadas e a instituição da prisão em segunda instância como regra.

Moro falou que a prioridade do seu governo será a criação de uma "força-tarefa de erradicação da pobreza".

A cerimônia de filiação tem a presença de ex-bolsonaristas como os deputados Joice Hasselman (PSL-SP), Kim Kataguiri (DEM-SP) e Luís Miranda (DEM-DF); general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-ministro da Secretaria de Governo, e o empresário Paulo Marinho, cuja casa no Rio de Janeiro serviu em 2018 como "QG" da campanha de Bolsonaro.

O governador de São Paulo, João Doria, que disputa as prévias do PSDB, foi convidado para participar do evento. Na segunda-feira, porém, em telefonema a Moro, ele comunicou que não poderia estar presente porque tinha agenda marcada com empresários da Fórmula-1.

O ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), também pré-candidato à Presidência, compareceu ao evento. Nos bastidores, os presidenciáveis do centro-direita conversam sobre uma possibilidade de uma composição para a disputa eleitoral.

O senador Álvaro Dias (Podemos-PR), entusiasta da candidatura Moro, disse que o ex-juiz na política vai "institucionalizar" a Operação Lava-Jato. O parlamentar afirmou que Moro está pronto para "combater" a extrema-direita e extrema-esquerda.

— Sergio Moro presidente, o Brasil de volta — disse o senador, em tom de lançamento.

Fonte: O GLOBO


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