BARBÁRIE: Violação de sepulturas e vilipêndio de cadáveres em Nova Venécia

(Matéria exclusiva Correio9)

Local no Cemitério São Marcos onde a máquina retirou restos mortais de túmulos antigos. Ação chegou a ser realizada na calada da noite. Nesta última quarta-feira (08) foram encontrados ossos humanos na terra.

Histórias de cemitério envolvem lendas e folclore, como aquela do hilariante personagem fictício, Odorico Paraguaçu, criado por Dias Gomes e encarnado pelo ator Paulo Gracindo, na novela O Bem-Amado. Mas, o que aconteceu em Nova Venécia não é ficção, é pura realidade!

Na véspera do Dia de Finados, no dia 1º de novembro de 2021, um morador de Nova Venécia foi ao Cemitério São Marcos visitar e limpar o túmulo dos pais.

Enquanto caminhava em uma das ruas do local, ele pisou em algo que parecia uma pedra. Ao olhar, notou que era uma “pedra” diferente, uniforme e lisa. Ele, muito curioso, se agachou para conferir melhor.

Ao limpar o objeto e observá-lo mais de perto, ele ficou estarrecido diante do que tinha em suas mãos: um crânio humano! Ele procurou explicações sobre o assunto e descobriu que não se tratava de uma ocasionalidade, mas de algo muito maior. O crânio era apenas a ponta do iceberg!

A descoberta do morador se cruzou, alguns dias depois, com a pauta do Correio9, que estava sendo elaborada em outubro sobre o assunto, porém, não havia muitos detalhes. A partir de então, a equipe do jornal passou a contar com elementos mais consistentes, a investigação evoluiu e acabou encontrando fragmentos de ossos espalhados pelo chão no Cemitério São Marcos e pedaços de roupinhas infantis e ossos também no Cemitério do Bonfim.

No cemitério Bonfim, covas de crianças foram destruídas e pedaços de roupas ainda são visíveis no chão. O objetivo era utilizar a área para construir jazigo para “figurões” da cidade.

Qual a razão desses materiais estarem onde foram encontrados? Os relatos são de que a história macabra começou no Bonfim, onde túmulos de crianças foram destruídos a mando de um (ou mais) funcionário (os) da Prefeitura de Nova Venécia, que supostamente estaria beneficiando alguém ou vendendo o terreno público dentro do cemitério, conforme confidências de entrevistados pelo jornal. Segundo informações obtidas pela reportagem, a negociata beneficiaria “pessoas importantes” da cidade para a construção de túmulos ou jazigos particulares em áreas públicas já ocupadas, em locais privilegiados dentro dos cemitérios, em detrimento de outros lugares mais afastados.

No Cemitério do Bonfim

Escavações em uma área de covas infantis foram realizadas no Cemitério do Bonfim. No entanto, parece que o esquema começou a ser descoberto e as obras foram paralisadas. Depois disso, os buracos foram recobertos com a terra retirada dos túmulos.

No Bonfim fizeram a ‘sujeira’ e não tiveram nem a preocupação de esconder roupas e restos mortais das criancinhas.

Com isso, os restos mortais de crianças ficaram misturados à terra, com fragmentos espalhados pela superfície.

Nesta quarta-feira, 08, a reportagem do Correio9 esteve nos dois cemitérios. No Bonfim, foram encontrados fragmentos de roupas e pedacinhos de ossos na superfície, alguns pedaços de tecido azul e uma blusinha inteira de cor clara.

A vestimenta está conservada e é possível perceber os detalhes: ela possui um pequeno botão na altura do tórax e se assemelha a um “macacãozinho”; quem a vestiu ainda era uma criança bem pequena.

No Bonfim fizeram a ‘sujeira’ e não tiveram nem a preocupação de esconder roupas e restos mortais das criancinhas.

No Cemitério São Marcos

Mas, depois de ‘enterrarem’ o assunto no Bonfim, os cidadãos não desistiram e decidiram continuar a operação nefasta, mas agora no Cemitério São Marcos.

Em uma área próxima ao muro ao lado esquerdo da entrada, em um local de terra fofa, vários fragmentos de ossos estão sobre os montes de terra.

De acordo com o que a reportagem apurou, lá se repetiu o que haviam tentado no Bonfim. Desta vez, uma máquina (retroescavadeira pequena) foi usada na escavação; as sepulturas que estavam ali foram destruídas e, novamente, um buraco foi aberto e com isso os ossos ficaram espalhados. Parte da ação foi realizada na calada da noite!

Morador de Nova Venécia registra o momento de quando encontrou uma “pedra” diferente no cemitério. Ao limpar o objeto e observá-lo mais de perto, ele ficou estarrecido diante do que tinha em suas mãos: um crânio humano!


E a falcatrua quase deu certa no Cemitério São Marcos. Lá, a construção do túmulo chegou a ser iniciada ao lado dos montes de terra retirada das antigas sepulturas.

Porém, mais uma vez a coisa não deu certa e foi ordenada a demolição do sepulcro e o fechamento da cova. E o assunto parece ter sido ‘sepultado’. Mas, não foi informado à nossa reportagem quem teria embargado o negócio e, tampouco, quais medidas legais foram tomadas.

Depoimento

“Eu chorei quando vi os ossos e quando descobri o que estava acontecendo. Em resumo, passaram o ‘tratoraço’ nas covas, sem nenhuma autorização judicial, ou de familiares, com total desprezo e falta de sensibilidade à memória dos mortos. Os cemitérios são locais onde vamos procurar paz, levar flores, acender velas e orar por nossos entes queridos. Há boas energias que buscamos ali e, quando nos deparamos com essas aberrações, bate um sentimento de tristeza muito grande em saber que isso aconteceu em Nova Venécia”, disse o informante do Correio9 (o mesmo que encontrou o crânio humano).

Como começou?

As informações, colhidas com as poucas fontes que aceitaram a falar sobre o assunto, indicam que o caso aconteceu entre março e abril de 2021.

Todas as fontes afirmaram que quem estava no comando, ordenando as destruições das sepulturas, era um servidor municipal, cujo nome não quiseram revelar.

Depois de descoberto o caso, parece que ele foi removido para outro setor da Prefeitura Municipal.

Crimes cometidos

Os atos praticados podem ser qualificados como falta de respeito e de falta ética social. No entanto, a lei garante a inviolabilidade do direito dos mortos.

Neste caso, especialistas ouvidos pela reportagem alertaram que vários crimes foram cometidos: violação de sepultura; vilipêndio de cadáver, [suposta] venda de terreno público, e outros. O município de Nova Venécia também pode ser responsabilizado, pois administra os cemitérios. Pode haver consequências jurídicas nos campos da responsabilidade civil (patrimonial), administrativa e criminal dos envolvidos diretamente nos fatos, sejam eles servidores do setor que mandaram executar e também “as pessoas importantes” da sociedade que seriam beneficiadas.

O crime de violação de sepultura é denegrir, atingir, destruir, invadir túmulos ou urnas funerárias. As urnas também podem ser ossarias, que guardam os ossos do morto.

Vilipendiar significa ferir a dignidade dos mortos: agir com desprezo, aviltar e ultrajar. O vilipêndio pode ser praticado por diversas maneiras como, atirar excrementos no cadáver, falar palavrões; despir cadáver; prática de atos de necrofilia (psicose que se caracteriza por atração sexual pelos cadáveres); despejar líquidos sobre as cinzas, entre outros.

Em Nova Venécia e região o vilipêndio de cadáver é comum em acidentes com mortes. Ansiosas por serem as primeiras a compartilhar, pessoas tiram fotos de cadáveres caídos na pista, presos em ferragens de veículos.

Quase sempre, são cenas chocantes! Isso é crime previsto no Art. 212 do Código de Processo Penal.

O art.163 do Código de Processo Penal autoriza a exumação para exame cadavérico. O que só pode ser feito sob autorização ou determinação da Justiça.

Violação de sepultura e vilipêndio de cadáver são crimes previstos em lei nos artigos 210, 211 e 212. Veja Abaixo:

Art. 210 – Violação de sepultura
Violar ou profanar sepultura ou urna funerária:
Pena – reclusão, de um a três anos, e multa.

Art. 211 – Destruição, subtração ou ocultação de cadáver
Destruir, subtrair ou ocultar cadáver ou parte dele:
Pena – reclusão, de um a três anos, e multa.

Art. 212 – Vilipêndio a cadáver
Vilipendiar cadáver ou suas cinzas:
Pena – detenção, de um a três anos, e multa.

Fragmentos de ossos encontrados pela reportagem do Correio9 no Cemitério São Marcos.


Gestão Funerária

A Prefeitura de Nova Venécia não possui uma gestão funerária; não há um setor próprio, organizado para administrar adequadamente os cemitérios, nem a Capela Mortuária. Os fatos contidos nesta reportagem servem de alerta para os venecianos e, sobretudo, para as autoridades.

É sugestiva a criação de uma gestão para a área, que possa, além da administração, preservar os registros de óbitos e, com isso, ajudar a conservar a história e memória de Nova Venécia, algo necessário e urgente que nenhuma administração passada se preocupou em fazer ou melhorar.

Uma boa gestão funerária no município contemplaria os cemitérios da cidade e do interior e poderia ser informatizada (para catalogar todas as informações dos falecidos, como quadra e localização exata de onde estão sepultados). Hoje, não há um efetivo controle destes dados.

Novos empregos também poderiam ser criados com o intuito de melhorar o ambiente nos cemitérios.

Atualmente, coveiros agem como jardineiros, capinadores e realizam muitos outros serviços braçais nos locais.

Há ainda a falta de vigias nos cemitérios de Nova Venécia e isso tem acarretado em muitos furtos de túmulos, principalmente de placas de bronze, além de transformar o local em ambientes de uso de drogas.

A Prefeitura de Nova Venécia pode e deve aprimorar estes serviços. Alguns cemitérios modernos também rompem com a imagem tradicional das necrópoles com jazigos e monumentos de mármore, substituindo-os por parques arborizados (memorial parks), onde simples chapas de metal assinalam o local da sepultura.

Outra prática comum, pela questão espacial, é a verticalização dos cemitérios, onde os túmulos são dispostos uns sobre os outros e em andares para as visitações.

Se pouca coisa foi feita nas administrações passadas, o presente e o futuro podem ser melhores e talvez fatos abomináveis como esses expostos nesta reportagem nunca mais voltem a acontecer.

Fonte: Correio9


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