Massaria Social, criada por Ricardo Frugolli, alimenta 45 mil pessoas por mês e também gera trabalho; antigos sem-teto, que já comeram o pão do projeto na rua, trabalham atualmente na padaria.
“Beijo por beijo, sonho por sonho”, canta uma pessoa em situação de rua enquanto aguarda na fila sua vez de receber o típico bolinho doce recheado com creme. A fila de distribuição é formada ao lado de uma Kombi em que se lê "Massaria Social" e que foi carregada com três bandejas de sonho.
A cena aconteceu na Praça Princesa Isabel, na região central da capital paulista, na terça-feira (14). O local se tornou um acampamento a céu aberto de pessoas sem teto.
A cidade de São Paulo viu nos últimos 28 anos a população em situação de rua saltar de quase 4 mil para 24.344 pessoas —um crescimento superior a 500%, segundo dados da prefeitura.
Pelo último censo do município, de 2019, 11.693 pessoas estavam acolhidas em albergues públicos e outras 12.651, dormiam nas ruas. Com a Covid, este número cresceu, segundo pessoas que atuam com este público, mas a prefeitura ainda não tem dados atualizados.
A música da dupla sertaneja Leandro e Leonardo cantada na fila é a metáfora perfeita para dois bolsistas da Massaria Social, o projeto que alimenta 1,5 mil pessoas por dia com pão, sopa e sonho, além de acolher e recuperar pessoas em situação de rua.
Um deles, William dos Santos, de 27 anos, já esteve naquela fila. Ex-presidiário, ex-morador de rua e ex-usuário de crack, ele comia o pão da Massaria Social nas ruas até fevereiro deste ano.
“Um dia cheguei para comer o pão no ponto de distribuição e tinha acabado, eles iam parar em outro lugar para distribuir. Perguntei onde era e fui correndo até lá”, relembra.
William, que pratica corrida para ficar longe das drogas, foi literalmente correndo até a próxima parada da Kombi. O fato chamou a atenção de Ricardo Frugolli, idealizador e fundador da iniciativa, e ele convidou William a participar do projeto como bolsista.
A Massaria Social começou em março do ano passado, com a pandemia de Covid-19.
“Quando começou a pandemia, em março do ano passado, percebi que aquelas pessoas que até um tempo atrás pegavam reciclados para vender estavam avançando no lixo para comer. Isso me doeu muito e me fez pensar na minha função social”, relembra.
Frugolli, que é gastrólogo e primeiro doutor em hospitalidade do Brasil, começou a mobilizar voluntários e a distribuir marmitas para 100 pessoas por dia no seu “quadrado”, ou seja, nas proximidades da casa dele, que incluía a Avenida Nove de Julho, a Rua Augusta e a Rua da Consolação.
Em outubro, Frugolli recebeu uma doação de equipamentos de cozinha e resolveu abrir uma espécie de padaria que chamou de Massaria Social, no Bom Retiro, região central de São Paulo.
Desde então, a iniciativa cresceu. São 900 pãezinhos e de 700 a 800 pratos de sopa produzidos e distribuídos por dia. Frugolli calcula que atende 1,5 mil pessoas por dia, 45 mil por mês, além de servir e doar para outros projetos 1,2 milhão de pães por ano.
O pão foi pensado para alimentar e sustentar a população de rua. É composto por farinha integral, farinha tipo 1, açúcar mascavo, chocolate e manteiga.
Para dar conta do trabalho, o projeto tem 25 funcionários, sendo 19 bolsistas.
O custo da iniciativa, segundo ele, é de R$ 110 mil mensais. Uma fundação suíça contribui com R$ 20 mil mensais e o restante vem de doações.
“São números grandes que lidamos sem apoio e precisamos de apoio. A gente quer sair da doação. Temos que tornar o projeto sustentável e para isso estamos fazendo o sonho. Nós queremos ter um dos melhores sonhos da cidade, para que você possa comprar esse sonho e manter o projeto”, afirma.
Quem cuida do sonho na padaria é Cristóvam João Rafael, de 38 anos. Há cinco meses, ele morava nas ruas e era dependente de crack. Para sobreviver, catava resíduos de reciclagem para vender e sobrevivia com doações, inclusive do pão que a Massaria distribuía.
“Pandemia estava em alta ainda, estava bem difícil. O professor Ricardo me convidou a fazer parte do projeto porque antes eu estava na fila lá né. Eu comia todo dia esse mesmo pão que eu estou fazendo agora”, conta ele, com a mão na massa.
A Massaria Social tem atualmente 19 acolhidos que estavam em situação de rua e hoje trabalham no local. Desses, 16 estão alojados nas proximidades. A bolsa inclui salário inicial de R$ 900 e moradia, além do atendimento jurídico, psicológico e psiquiátrico de acordo com Frugolli.
“Eles chegam aqui sem documento e muitos deles somente com a roupa do corpo, a barba mal feita, o cabelo sujo. [O atendimento] começa desde cortar o cabelo, a barba, conseguir uma roupa emergencialmente até que eles começam a ser independentes."
“Quando eles chegam eles querem trabalhar sábado, domingo, todos os dias, porque eles querem se livrar de um peso que é a droga. Mas depois que começa a se estabilizar eles começam a refazer o contato com a família que já tinha sido perdido. A gente vê todo dia eles se conectando com a família porque estão limpos, prontos, apresentáveis. A gente tem de furar a bolha e mostrar que é um projeto muito legal.”
Fonte: G1