ES | Tatuadores voluntários cobrem cicatrizes de mulheres vítimas de violência doméstica


Projeto que já reconstruiu mamilos de mais de 320 mulheres marcadas pelo câncer de mama agora ajuda a amenizar com arte as lembranças da violência doméstica.

Márcia carrega a cicatriz do corte de vidro que abriu o pulso dela em um episódio de violência doméstica — Foto: Reprodução/TV Gazeta

A cicatriz, a dor e o sofrimento não vão ser apagados da história e da cabeça da esteticista Márcia Freitas de Carvalho. Aos 53 anos, ela levou 18 pontos depois de sofrer violência doméstica do ex-companheiro.

"Quando eu vi meu pulso aberto, eu segurando e a casa, assim, alagada de sangue... ali eu tive medo. Ele fechou o portão de vidro e ficou com a chave, levou a chave, levou tudo, me deixou presa dentro de casa. Eu comecei a socar pra ele abrir e ele não abria e aquilo foi dando desespero. Aí o vidro já estava sendo quebrado e eu não estava vendo, eu só queria sair. Foi quando o vidro veio no meu pulso e cortou", relembrou ela.

Mesmo depois de quase morrer, ela não conseguiu denunciar. A separação só veio anos depois, na segunda agressão.

"Ele deu um murro na boca da minha filha e saiu sangue e tentou me enforcar com os pés. Ali que vi que aquele cara, com aquela cara de santo, era um monstro", contou.

E já se vão quase 10 anos de lembranças. Toda vez que Márcia olha pro pulso, na memória vem a imagem da agressão.

Muitas mulheres vítimas de violência carregam na memória e também no corpo as marcas do que sofreram. Mas um projeto que já atendeu mais de 300 mulheres vítimas do câncer de mama no Espírito Santo, tatuando as cicatrizes deixadas pela doença, agora também está atendendo outra demanda. Mulheres vítimas de violência doméstica que querem esconder as marcas das agressões.

A ação é de tatuadores voluntários capixabas que usam a arte como uma forma de amenizar um pouco lembranças tão doloridas.

A tatuadora Flavinha, responsável por esse trabalho, também carrega um trauma violência doméstica desde a infância.

"A gente sente a dor delas na hora que elas estão contando e é impossível não se emocionar. Só quem vivenciou, um filho que presenciou ou uma mulher que sofreu isso sabe o quanto dói", afirmou Flavinha.

Tatuadores voluntários cobrem cicatrizes de mulheres vítimas de violência no ES — Foto: Reprodução/TV Gazeta

Segundo a tatuadora, quando uma mulher tem uma cicatriz à mostra, é normal que outras pessoas perguntem a razão delas

Flavinha disse que sente um prazer e uma honra em fazer parte da vida dessas mulheres e, em muitos momentos, ser uma fonte de apoio e escuta.

"As vezes eu estou tatuando, fazendo uma outra arte, e aí eu vejo uma marca, logo me desperta. E aí eu pergunto 'o que foi que aconteceu?'. Em algumas foi um acidente, outras relatam o fato [a violência]. Foi o que aconteceu com a Márcia. Elas sentem muita vontade de conversar mulher com mulher e contar", disse.

Tatuadores voluntários cobrem cicatrizes de mulheres vítimas de violência no ES — Foto: Reprodução/TV Gazeta

As tatuagens costumam ser cheias de significados e buscam sempre representar o renascimento das vítimas.

"Ameniza porque eu não vou mais ver tão nítida essa imagem. É algo tão bonito o que ela [Flavinha] está fazendo... Vai representar, pra mim, Deus, natureza... vai me dar meu lado espiritual, vai falar muito comigo", explicou.

Flavinha e o marido, o tatuador Kiko, já tatuaram mais de 320 mulheres em um trabalho de reconstrução de mamilos após o tratamento do câncer de mama, e eles pretendem atender muitas outras mulheres nessa nova ação.

"É claro que a marca da alma não tem como apagar, mas minimiza um pouco a dor, acredito", disse a tatuadora.

Tatuadores capixabas cobrem cicatrizes de mulheres vítimas de violência doméstica — Foto: Reprodução/TV Gazeta

Fonte: G1 ES




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