Vale e ex-funcionário brigam na Justiça por invenção estimada em R$ 26 bilhões

José Carlos Olindino espera ser reconhecido como inventor. Crédito: Carlos Alberto Silva

A criação de um sistema capaz de reduzir o tempo da operação nas usinas da Vale e aumentar a segurança da atividade está na pauta da Justiça há 15 anos. O equipamento foi patenteado pela empresa, mas, embora o mecânico industrial José Carlos Olindino esteja no registro do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) como o inventor, não teria sido remunerado.

A perícia judicial apontou que, pelos lucros obtidos pela mineradora após a implantação do sistema, o valor devido chegaria a US$ 5,5 bilhões, o que, na conversão atual câmbio, representaria cerca de R$ 26 bilhões. Contudo, a Vale questiona a capacidade técnica do perito e quer nova avaliação.

Em sessão virtual da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça no dia 14 deste mês, a relatora do embargo apresentado pela empresa, desembargadora Marianne Judice de Mattos, considerou a necessidade de realização de uma nova perícia, entre outros motivos, por avaliar que o valor indicado pelo perito se mostrou "irrazoável, colocando em questionamento toda legitimidade da prova produzida."

Mas, na sequência da votação, o desembargador Arthur Neiva pediu vistas do processo e não foi definida nova data para o processo entrar em pauta.

O que a Justiça aprecia no momento ainda não é o processo principal. Trata-se de uma instrumento legal chamado Produção Antecipada de Provas, que visa preservar documentos e outros elementos comprobatórios ao longo do tempo.

Nesse contexto, segundo o processo, a intenção da defesa de Olindino era demonstrar que o sistema criado estava sendo utilizado pela Vale e que a empresa estava lucrando sem repassar nenhuma remuneração ao ex-funcionário, como previsto em um ato normativo da própria mineradora, que estabelecia o pagamento de 50% dos ganhos financeiros para o inventor. Esse dispositivo não existe mais na empresa.

A ação, que começou na primeira instância e agora está na fase de recursos no TJES, já tramita há 15 anos. Somente após a definição relacionada à perícia, a defesa de Olindino deverá abrir o processo para solicitar o pagamento que considerar devido ao mecânico industrial.

Aos 67 anos, o ex-funcionário da Vale teme que o julgamento se arraste ainda por muito tempo e não seja recompensado por sua invenção. "Eu só quero ser respeitado como inventor", ressalta, ao ser questionado sobre o que espera da Justiça.

A INVENÇÃO

Olindino conta que o sistema original utilizado nas comportas para retirada e instalação dos carros de grelha (usados para o transporte do minério de ferro) nas usinas de pelotização da Vale precisava de dois funcionários de cada lado, sendo que o peso da comporta a ser levantada pelos trabalhadores era de 400 quilos.

Nesse modelo, o mecânico industrial afirma que os acidentes de trabalho e afastamentos eram recorrentes. O ano era de 1985 e ele decidiu estudar uma maneira para melhorar a operação.

Após três anos, Olindino apresentou seu projeto, com acionamento hidráulico, sistema que, conforme consta no processo, reduziu à metade o número de funcionários na operação, e de 14 minutos para três, em média, o tempo para abertura das comportas, retirada e instalação dos carros de grelha. Essas mudanças teriam favorecido à Vale.

O mecânico industrial encomendou a produção de um vídeo para explicar a operação, antes e depois do invento, e o material foi incluído no processo. Veja abaixo trechos do vídeo:

O sistema foi registrado no INPI em janeiro de 1991 e, no final daquele ano, o mecânico industrial deixou a empresa em um plano de demissão incentivada no processo de privatização da Vale. Olindino afirma que tentou negociar o valor mínimo que se pagava na época ao empregado inventor como uma forma de incentivo, mas não conseguiu receber. Seriam, segundo ele, US$ 10 mil.

Passados alguns anos, Olindino voltou a trabalhar para a Vale ao ser contratado como prestador de serviços. E foi então que, em 2007, descobriu que seu invento estava montado e em operação, não apenas em uma usina, mas em todas. "Descobri que tinham feito, mas não tinha montado como devia. Eu corrigi a falha de todas as usinas. Fui contratado como gestor de montagem da usina 8, a última delas, e fui fiscal de montagem do meu próprio invento", aponta.

O mecânico industrial garante que não ficou com raiva, mas orgulhoso pelo fato de o sistema que havia inventado estar sendo útil. No entanto, novamente não teria conseguido negociar e decidiu recorrer à Justiça.

Desta vez, não reivindicando o valor inicial de incentivo dado ao trabalhador inventor, que eram US$ 10 mil, mas 50% dos lucros obtidos pela empresa desde a implantação do sistema, conforme previsto em ato normativo. E é esse percentual que, segundo a perícia, resultaria em US$ 5,5 bilhões até 2016, quando foi entregue o laudo.

Hoje, mesmo longe de suas atividades profissionais, Olindino continua com a cabeça fervilhando de ideias. Diz que tem dois projetos para a área de portos, que poderia apresentar à própria Vale se a empresa quiser, e também inventa coisas para sua casa. O mecânico industrial não gosta do termo aposentado, pois acredita que passa a ideia de uma pessoa encostada, inútil, e ele permanece ativo. Está cursando engenharia, mas não pensa em atuar na área; a ideia é se manter atualizado, estudando.

Apesar da disposição, Olindino tem 67 anos e, diante da idade, é questionado sobre o risco de não ver o processo ser concluído. "Eu tenho fé que será resolvido. Não acredito que vão ficar mais 31 anos - contados a partir da patente - mas, se forem continuar desse jeito, posso propor que tirem o meu invento de lá. Não é o que eu quero, não estou brigando por isso."

"Não estou brigando, estou reivindicando o direito de ser respeitado como inventor. É o que espero", diz José Carlos Olindino, mecânico industrial aposentado.

O QUE DIZ A EMPRESA

A Vale foi procurada para falar sobre o processo e, em nota, informa que "trata-se de uma ação cautelar de provas que tem por objeto exclusivamente a elaboração de laudo pericial, ainda em fase de recurso e sem decisão definitiva. A Vale esclarece que não há mérito nas alegações feitas pelo autor e que se manifestará sobre o tema em juízo."

Fonte: A Gazeta


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