'Ranço histórico', desabafa estudante parda desclassificada para medicina

Williane Débora Dias Muniz questiona o sistema de avaliação das cotas raciais da UFPE — Foto: Reprodução/WhatsApp

Uma estudante de 21 anos autodeclarada parda foi desclassificada durante a avaliação prévia de cotistas na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e ingressou com uma manifestação no Ministério Público Federal (MPF). Williane Débora Dias Muniz questiona o sistema de avaliação das cotas raciais. "O sentimento é de impotência", disse..

A jovem relatou que entrou duas vezes com recursos, mas ambos foram indeferidos pela Comissão de Heteroidentificação da UFPE. Essa comissão é responsável pela validação da autodeclaração prestada por candidatos inscritos no sistema de cotas para pretos e pardos no Sistema de Seleção Unificada (Sisu), em processos seletivos e concursos públicos na universidade.

Por meio de nota, a UFPE disse que as análises são realizadas após as autodeclarações para evitar que as vagas reservadas sejam ocupadas por quem não faz jus à política de cotas.

Ao indeferir os pedidos de Williane, a comissão justificou que a candidata "apresenta cabelos lisos, com lábios, nariz e traços finos, não apresentando fenótipo que atenda às exigências para obtenção de cota. Sem traços físicos negroides".

A estudante contou que tenta passar em medicina há cinco anos, mas essa foi a primeira vez que conseguiu. A realização do sonho dela foi frustrada pela negativa da comissão.

"Quando negaram da primeira vez, eu reenviei fotos, documentos, gravei outro vídeo, consegui documentos em que constam a minha raça e, ainda assim, eles indeferiram. Já tentei de todas as formas administrativas, só falta no âmbito jurídico", declarou a jovem.

Williane também afirmou que já foi vítima de preconceito racial e que se sentiu "péssima" quando o seu ingresso no curso foi negado.

"É um ranço histórico que a minha etnia carrega em vários aspectos e, no acesso ao ensino superior, que já é difícil para pessoas de baixa renda, de certa forma é endossado para pessoas que são pretas e pardas, como é o meu caso", disse Williane.

A UFPE não se pronunciou especificamente sobre o caso de Williane e, por meio da nota, limitou-se a explicar, "sem personalizar", o trabalho da Comissão de Heteroidentificação da universidade.

"Trata-se de um órgão colegiado – instituído especificamente para essa finalidade –, responsável por realizar o procedimento de heteroidentificação, deliberando sobre a veracidade da autodeclaração racial", afirmou a UFPE no texto.

Apesar de ter sido questionada pelo g1, a UFPE não detalhou qual a formação atual dessa comissão. Segundo a universidade, ela pode ser composta por três a cinco participantes escolhidos por meio de uma seleção simplificada e considerando diversidade de gênero, étnico-racial e geracional, além de integrantes da comunidade universitária.

Também podem participar pessoas que foram treinadas e, preferencialmente, tenham experiência na temática da promoção da igualdade racial e do enfrentamento ao racismo, ainda de acordo com a UFPE.

UFPE não se pronunciou sobre o caso de Williane Muniz — Foto: Reprodução/TV Globo

A universidade contou que, durante a análise, a comissão considera características fenotípicas, como coloração da pele, formato do nariz, formato da boca e tipo de cabelo. Por isso, é proibido o uso de maquiagem e adereços.

"Os critérios fenotípicos descritos são os que possibilitam, nas relações sociais estabelecidas, o mútuo reconhecimento [candidato(a)/Comissão de Heteroidentificação] da pessoa preta ou parda", informou a UFPE, na nota.

Na validação da autodeclaração, não é considerada a composição genética do candidato ou o fator fenotípico dos pais. A comissão também não leva em consideração registros ou documentos, incluindo certidões.

A reportagem procurou o Ministério Público Federal para saber quais providências serão tomadas a partir da manifestação da estudante. Por nota, o MPF disse que a manifestação foi recebida pela Sala de Atendimento ao Cidadão, mas não havia sido distribuída entre os procuradores da República até a última atualização desta reportagem.

Problema reincidente

No ano letivo de 2020, dos 2.185 candidatos aprovados por meio de cotas raciais na UFPE, menos da metade (49,8%) teve a matrícula confirmada na primeira entrada. Ao todo, 364 deles foram reprovados e 732 sequer compareceram ao ato da matrícula.

Em 2019, 280 pessoas foram impedidas de ingressar na universidade após passarem pela Comissão de Heteroidentificação. Foi a primeira vez que a instituição adotou uma avaliação prévia antes da matrícula dos cotistas. Eles chegaram a protestar contra o resultado.

A reportagem questionou quantos candidatos aprovados tiveram a matrícula confirmada em 2021 e 2022, mas a universidade não respondeu até a última atualização desta reportagem.

Fonte: G1


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