Mãe perde guarda de filha após levá-la a culto de umbanda

Imagem Ilustrativa

Uma mãe de Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Belo Horizonte, denuncia a perda da guarda da filha após ambas terem ido a ritual umbandista na cidade. Segundo a mulher, houve racismo religioso por parte da escola da menina e do Conselho Tutelar.

De acordo com Liliane Pinheiro, de 37 anos, a filha Camila*, de 14, recebeu recomendação médica para que iniciasse tratamento neurológico no ano passado. Desde então, a mãe, que trabalha como faxineira, tem guardado dinheiro para pagar uma consulta para a filha - o que ainda não foi possível.

No início deste ano, Camila começou a vivenciar a fé em um centro de Umbanda, religião afro-brasileira e sincretista (ou seja, que reúne elementos das religiões africanas, indígenas e cristãs) do município, local que já era frequentado pela mãe dela há alguns anos.

A iniciação da menina ganhou conhecimento da escola. Conforme Liliane, devido às questões neurológicas, a adolescente sofreu um desmaio na unidade de ensino. A mãe foi chamada ao local no dia e diz ter sido hostilizada. "Me disseram 'olha bem o que você está fazendo com a sua filha'", contou a mulher.

Retirada precipitada

No mesmo período, a direção colegial teria acionado o Conselho Tutelar, que denunciou o caso ao Ministério Público de Minas Gerais. A mãe perdeu temporariamente a guarda da filha, que foi levada em 20 de maio para um centro de acolhimento da cidade, onde permaneceu até esta segunda-feira (13). Ela foi levada para a casa da irmã adulta por parte de pai.

O caso de Liliane é acompanhado pela equipe de advogados do Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-Brasileiras (Idafro). Para Hédio Silva Jr., um dos principais especialistas em liberdade de crença do Brasil, doutor em Direito e coordenador-executivo do Idafro, o caso de Ribeirão das Neves desrespeitou a lei, que pede que a criança seja mantida no seio familiar até que sejam esgotados todos os esforços.

"O que vimos é uma ruptura familiar. Uma criança que é colocada em abrigo sem decisão judicial, sem a escuta da mãe, sem a escuta qualificada da menina, sem parecer psicológico, tendo apenas a especulação de conselheiro tutelar, sobre o qual não se exige nenhuma qualificação técnica, em geral. O juiz interveio com base em racismo religioso de conselheiro tutelar", afirmou.

Racismo religioso

De acordo com Isabela Dario, uma das advogadas da força-tarefa em Minas, o Conselho Tutelar defendeu que a mãe foi contra as diretrizes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ao, supostamente, impedir que a menina seguisse com prática religiosa evangélica em detrimento da Umbanda.

"Na verdade, a prática religiosa que ela participava era feita com o consentimento da mãe", pontuou Dario. A jurista lembra que, com base no artigo 22 do ECA, "a mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais (...), devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas crenças e culturas (...)".

"Por isso, nós pedimos a restituição da guarda. Toda a situação foi realizada de forma equivocada. O que foi enviado à Justiça foi feito sem provas. Não houve provas que a criança teria tido lesões corporais ou práticas que necessariamente tivessem tentado contra a vida dela, ou coisas do tipo", explicou.

Agora, a Vara de Infância e Juventude em Ribeirão das Neves segue na análise do processo de restituição da guarda da menina. Não há prazo para o juízo apreciar e oferecer decisão. A reportagem de O TEMPO procurou o Conselho Tutelar, a prefeitura e a Vara de Ribeirão das Neves, e aguarda retornos.

Casos crescem

Hédio Silva Jr. afirma que os casos de afronta à liberdade de crença têm se tornado mais comuns nos últimos dois anos no Brasil. Ex-secretário de Justiça do Estado de São Paulo, Jr. critica decisões que, segundo ele, são tomadas sem provas técnicas e com base em "especulações de conselheiros".

"É o sexto caso que chega para mim em menos de dois anos. É, certamente, uma ilustração da ponta de um iceberg sobre o que pode estar ocorrendo país afora. É deplorável ver conselheiro tutelar, que geralmente é cabo eleitoral de político neopentecostal, manipulando a Justiça", declarou.

* O nome Camila é ficcional para garantir a privacidade da adolescente.

Fonte: O Tempo


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