Comissão faz manobra e aprova projeto que altera Código Florestal

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Irrigação: 92% da água doce no mundo é usada na agricultura

Agricultura e Reforma Agrária (CRA) do Senado aprovou um projeto de lei que altera o Código Florestal para permitir a construção de reservatórios de água à beira de rios em Áreas de Preservação Permanente (APP). A proposta quer autorizar a construção de estruturas de irrigação para a expansão da agropecuária em áreas onde há proteção de vegetação nativa. Na mesma sessão, os senadores ruralistas também fizeram uma manobra para facilitar a PL do Veneno, que dever ser votada pelo colegiado na próxima semana.

Como o projeto para a irrigação em APPs tem caráter terminativo, ele vai agora à Câmara dos Deputados. Senadores da oposição tentaram barrar a tramitação célere da proposta, que traz impactos ambientais, ao pedir que fossem feitas audiências públicas sobre o tema. No entanto, após votação, o pedido foi negado pelo presidente da comissão, senador Acir Gurgacz (PDT-RO).

A CRA tem sido usada por ruralistas para aprovar projetos de impacto ambiental sem que passem por outras comissões, como a do Meio Ambiente, ou pelo plenário. A estratégia tem aval do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), responsável em distribuir os projetos pelos colegiados da Casa.
O próprio projeto para autorizar o uso de margens de rio em áreas de proteção permanente para fins de irrigação não passou pela Comissão do Meio Ambiente, embora altera o Código Florestal. A justificativa para a proposta, do senador Luis Carlos Henze (PP-RS), é que a medida vai poder aumentar a produtividade da agricultura brasileira.

O projeto, porém, foi alvo de críticas de especialistas e entidades ambientais. Em uma nota técnica do SOS Mata Atlântica, Instituto Socioambiental (ISA) e Observatório das Águas, as três instituições afirmaram que “a flexibilização da delimitação e do regime de proteção das áreas de preservação permanente, especialmente para fins de barramento de cursos d’água, pode ocasionar novos desmatamentos, agravar as crises hídrica e energética e conflitar com os instrumentos de regulação, planejamento e gestão dos recursos hídricos brasileiros”.

Para mitigar os impactos ambientais do projeto, o relator do PL, Esperidião Amin (PP-SC), incluiu emendas no texto da medida que preveem a exigência de práticas sustentáveis de manejo do solo e dos recursos hídricos, além de obrigar que os imóveis que farão uso das margens dos rios para irrigação estejam inscritos no Cadastro Ambiental Rural (CAR). Ainda assim, a medida pode causar conflitos no uso da água. É o que argumenta a diretora de políticas públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, Malu Ribeiro.

"Isso é uma bomba para a segurança hídrica. A tendência, se o projeto for aprovado na Câmara, é aumentar o aumentar os conflitos por uso da água nas bacias hidrográficas que já apresentam estresse hídrico. Atualmente, já temos a hegemonia do setor hidroelétrico que já causa conflito [no uso da água] com agricultura e o abastecimento público", explica.

Na mesma sessão, Gurgacz incluiu como item extra pauta o projeto de lei que altera o regime de avaliação e aprovação de agrotóxicos no Brasil. Chamado de PL do Veneno, a proposta autoriza, entre outras medidas que o uso de pesticidas seja analisado apenas pelo Ministério da Agricultura — sem passar pelo crivo da Anvisa. Gurgacz, que é relator do projeto no Senado, pautou a proposta de última hora e aprovou um requerimento para cancelar uma das audiências públicas previstas para debater a medida. Originalmente, estavam previstas duas reuniões do tipo. Logo após, o senador leu o relatório e aceitou um pedido de vista coletivo para que a matéria seja votada na semana que vem, às vésperas do recesso parlamentar. A manobra foi criticada pela líder da bancada feminina, Eliziane Gama (Cidadania-MA), durante o plenário do Senado nesta quinta-feira:

"O projeto é colocado de forma, eu diria até intempestiva, porque foi colocado como extra pauta em uma Comissão esvaziada. Inclusive, eu, com muita dificuldade de internet hoje pela manhã, votei proferindo verbalmente o voto; quando, de repente, a internet cai, eu entro, a sessão já acabou. Acabou o Presidente colocando o projeto na pauta, como extra pauta, suspendendo o requerimento dele de mais uma audiência pública e colocando em votação e pedindo vista, para ser deliberado na próxima sessão".

Eliziane ainda completou:

"A gente precisa entender que a maioria ganha no voto, mas ela não pode ganhar atropelando a minoria".

Para a Ribeiro, a tramitação célere de pautas com impacto ambiental, que não passam pela Comissão do Meio Ambiente nem são debatidas por especialistas, pode trazer sérias consequências:

"A forma com que estão aprovando os projetos é uma forma perversa que não dá condições de discussão científica, técnica e muito menos social na hora de votarem as leis. Estão tratando leis que vão intervir na vida da população como se fosse pão de queijo, como se fosse qualquer coisa. Isso terá um impacto gravíssimo. Na Mata Atlântica, por exemplo, onde devem ter a maior demanda de pedidos para irrigação [em APPs], é onde está 70% da população brasileira".
Fonte: O Globo


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