Com mortes precoces e menos nascimentos, população vai começar a encolher no fim de 2020, ampliando o desafio de superar mazelas, como desigualdade e atraso escolar
Brasil envelhece mais rápido. Guito Moreto/Infoglobo
A população vai envelhecer e diminuir antes que tenhamos chegado a um padrão de bem-estar social elevado e ao futuro promissor esperado. A pandemia deixou sua marca, com quase 700 mil mortos, antecipando a redução populacional para o fim desta década, nos cálculos da pesquisadora Ana Amélia Camarano, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.
Pelas estimativas anteriores, esse encolhimento só aconteceria na segunda metade da década de 2030. E essa população menor estará mais velha: um em cada quatro brasileiros terá 60 anos ou mais em 2040.
A gigante parcela de mão de obra jovem que marcou o Brasil durante as últimas décadas vai diminuir em todo o país, inclusive no Norte, a mais jovem das regiões. Daqui a 20 anos, não teremos conseguido erradicar a miséria, ter a totalidade dos adolescentes no ensino médio ou superior e seguiremos como um dos países mais desiguais do mundo.
Longe da OCDE
Especialistas que fizeram as previsões para o Brasil daqui a 20 anos, tomando por base o desempenho nas últimas décadas, alertam que, se não acelerarmos o investimento em educação e no combate à desigualdade, continuaremos com mazelas há muito superadas no mundo desenvolvido, tendo que aumentar recursos para saúde, já que teremos 26,5 milhões de pessoas com 70 anos ou mais em 2040.
— Com mão de obra menor, ela precisa ser altamente qualificada e ter investimento em inovação e desenvolvimento tecnológico, para aumentar a produtividade, para compensar — afirma Ana Amélia.
Ter mão de obra mais bem formada, com salários mais altos, ajudaria no financiamento da Previdência Social, uma questão crucial quando 25,7% da população terá 60 anos ou mais, diz Ana Amélia. Atualmente, para se aposentar, as mulheres precisam ter 62 anos e os homens, 65 anos:
Parcela da população com ganho de até US$ 1,90 por dia. — Foto: Editoria de Arte
— Já que teremos menos gente demandando educação, é possível melhorar a qualidade. E não é só isso. As crianças que estão nascendo são, em sua maioria, de famílias pobres. Tem que investir em saúde e nutrição, focar nessas crianças. E atacar a mortalidade alta de jovens e jovens negros. Estamos perdendo população jovem porque não está nascendo e pela morte precoce.
A população vai diminuir porque as mulheres passaram a ter menos filhos. Entre 1940 e 1960, elas tinham em média 6,2 filhos, hoje têm 1,7 filho.
Desde 2000, a taxa de natalidade está abaixo do que seria necessário para repor a população, que é de 2,1 filhos por mulher. Na pandemia, houve menos nascimentos, e a mortalidade materna foi sete vezes maior que a média mundial.
Na educação, ainda há uma janela “estreita” de oportunidade para formar essa população jovem que diminui, na visão do economista Ricardo Henriques, colunista do GLOBO e superintendente-executivo do Instituto Unibanco.
A população em idade escolar vai cair 12%, para 3,3 milhões. O desafio será manter igual nível de investimento público, mesmo com menos alunos:
— Teremos os desafios de qualquer sociedade que envelhece, mas, além disso, carregando um volume de estudantes com enorme defasagem idade-série, fruto de uma política educacional marcada pela cultura da reprovação. Chegamos tarde ao desafio contemporâneo, não fizemos a transição educacional alinhada com a transição demográfica, perdemos uma janela grande.
PIB per capita (preços de 2021) — Foto: Editoria de Arte
A velocidade de melhora que vínhamos tendo antes da pandemia não será suficiente para compensar o tempo perdido —o aprendizado voltou aos níveis próximos a 2008. É preciso acelerar tanto a melhora educacional como diminuir a desigualdade de raça e regional no acesso:
— Quando subir a barra da aprendizagem, a desigualdade vai tender a aumentar. Tem que incluir todo mundo, se não houver uma estratégia de equidade, com todo mundo indo junto, não vai funcionar. Vamos perder essa galera, que vai ficar num limbo, e o Brasil, um país de segunda linha.
Se mantivermos o orçamento dedicado à educação atualmente, o investimento per capita vai aumentar. Isso é indispensável para o Brasil se aproximar dos indicadores dos países da OCDE (clube dos países ricos).
O atraso escolar no ensino médio cairia de 26,2% em 2019 para 10,1% em 2042, se os recursos atuais forem mantidos. Se houver aumento de 15% na verba disponível para educação, a taxa cairá para 3,2%, pelos cálculos do instituto. Mas estaremos longe de ter a totalidade dos jovens no ensino médio e superior. Algo que já é realidade na Europa.
Sem melhorar a educação, a perspectiva de crescimento do Brasil é pequena. Com menos mão de obra, a expansão do PIB virá principalmente do aumento da produtividade. Nesse quesito, o país tem ido mal: está estagnado há décadas.
Parcela da população com ganho de até US$ 5,50 por dia. — Foto: Editoria de Arte
Por isso, a economista Silvia Matos, da Fundação Getulio Vargas (FGV), calcula que só em 2035 o PIB per capita brasileiro vai voltar aos níveis de 2013, o melhor momento recente. Nas últimas quatro décadas, cresceu 0,7% ao ano.
— Desde 2018, a população em idade ativa (em idade de trabalhar) cresce abaixo da população. Quando chega em uma estrutura produtiva mais dependente de capital humano cria o gargalo, num país que ainda tem muitas demandas sociais e carga tributária alta — afirma Silvia.
O crescimento ainda pode vir das commodities, “mas quanto tempo isso dura?”, indaga Silvia. Quando só a produtividade leva o país a crescer mais, o que estimula o crescimento é mais diversificação e capital humano.
Índice de Gini, que mede a concentração de renda, quanto mais perto de 1, mais desigual. — Foto: Editoria de Arte
E como Silvia alertou, o país ainda tem demandas sociais, principalmente depois da pandemia, com o aumento da pobreza e a fome atingindo 33 milhões de brasileiros.
Nossa performance anterior não garante a erradicação da pobreza nos próximos 20 anos, indicam as projeções. Nas contas do economista Daniel Duque, da FGV, a miséria, caracterizada por ganhos de até US$ 1,90 por dia por pessoa, vai oscilar entre 6% e 8% da população, mesmo patamar registrado entre 2016 e 2021:
— Houve uma desaceleração na queda da pobreza em relação ao período de 2006 e 2014. O orçamento em termos reais do Bolsa Família caiu, com perda muito forte de orçamento, e a inflação continuou crescendo. A renda dos mais pobres depende muito dessa política. E o mercado de trabalho foi muito afetado.
Sem erradicar miséria
Se mantivéssemos o ritmo de antes da recessão de 2015 e 2016, essa parcela poderia cair para 3%, diz Duque. E a receita é proteger o orçamento das transferências, gerar emprego e investir em educação.
Atraso escolar no esnino médio — Foto: Editoria de Arte
Mas há uma questão adicional: o mercado de trabalho tem expulsado a mão de obra pouco qualificada.
— Desde a recessão de 2015 e 2016, vemos uma hostilidade no mercado de trabalho aos mais vulneráveis, eles perderam a conexão. Totalmente na contramão dos anos 2000, quando se gerou muito emprego formal —analisa o sociólogo Pedro Ferreira de Souza.
Parcela de jovens de 17 anos no ensino médio ou superior. — Foto: Editoria de Arte
Não será em 20 anos que a desigualdade vai alcançar o níveis de países desenvolvidos. O Índice de Gini (que mede concentração de renda e quanto mais perto de 1, mais desigual) vai cair do atual 0,54 para 0,48 em 2042, diz Duque. Ainda assim, acima do dos EUA hoje (0,40), o mais desigual entre os países desenvolvidos.
— Não tenho ilusões. É tema sensível e claro, mas o combate à pobreza tem mais consenso da urgência. Não acredito que daqui a 20 anos, chegaremos ao nível europeu (0,3). É trabalho de mais de uma geração — diz Souza.
Fonte: O Globo