Líquido vermelho da carne mal passada não é sangue. Entenda


Ao chegar em um restaurante de carnes ou mesmo em um churrasco, duas gangues rivais são facilmente identificadas: aquela que é fã da carne mal passada escorrendo e a outra que prefere quase “esturricada”.

Uma coisa que, no entanto, a maioria não sabe, é que o líquido vermelho não é sangue. Então não vale dizer que “não gosta de carne sangrando”, ok?

Sobre o assunto, a reportagem do Folha Vitória ouviu um veterinário e dois Chefs de cozinha. Como se explica então a vermelhidão que jorra da carne apenas selada?

O veterinário paulista Diogo Garnica é categórico: “O líquido vermelho que encontramos na carne mal passada não é sangue. Ele é uma substância que é uma proteína, chamada mioglobina, que tem coloração vermelha”, explicou.

Nesse sentido, ele explica que todo ou quase todo o sangue do boi é escoado após o abate, sobrando muito pouco nas vísceras. Destas, algumas são descartadas, como o intestino, e outras são usadas para consumo, como fígado e coração. Já a carne consumida no churrasco é principalmente músculo, rico em mioglobina.

Mioglobina: proteína que na sua constituição possui o elemento ferro, que se liga ao oxigênio, e a sua principal função é carregar oxigênio para dentro da célula muscular. Também há a hemoglobina, que é contida somente no tecido sanguíneo. O sangue é muito escasso na carne que vai para o consumo. A mioglobina, conforme é aquecida, toma a coloração marrom e a carne mal passada preserva a coloração original da mioglobina.

“Após o abate dos bovinos, existe um processo de sangria, em que cerca de 60 a 70% do sangue é esgotado da carcaça do animal. De 20 a 30% se mantém estocada, mas muito pouco ou quase nada do sangue fica na musculatura, que é geralmente usada pelo consumidor final”, disse o veterinário.

Chef faz post nas redes sociais

Ativo nas redes sociais, o Chef Victor Semeraro fez uma publicação que trata especificamente sobre o assunto. Em conversa com a reportagem, ele explicou que é comum ir ao supermercado e escolher o pacote de carne e no fundo dele haver um líquido rosado.

“Muitas vezes, haverá até uma almofada de imersão no fundo pegando esse líquido estranho. A primeira reação dos consumidores é supor que é sangue. Parece sangue, está em carne crua e pode até cheirar um pouco a ferro ou sangue. O mesmo é verdade quando você leva aquele belo bife para casa e o cozinha perfeitamente a um grau médio de cozimento; uma vez que você corta esse bife, os sucos rosa-avermelhados fluem para fora do bife”, disse.


Para ele, essa é uma das razões pelas quais muitos consumidores cozinham seus bifes bem passados, para que esse líquido misterioso, que se acredita ser sangue, desapareça.

“Esse líquido, que às vezes pode ser encontrado no fundo da embalagem e saindo de um bife recém-preparado, é o que os cientistas da carne chamam de “purga”, que é uma combinação de água e proteínas que são drenadas. Uma dessas proteínas, a mioglobina solúvel em água, é a principal razão para a cor vermelha da carne, razão pela qual a água também é vermelha ou rosa escura”, esclareceu o Chef.

Existe mioglobina em outras carnes que não sejam as “vermelhas”?

De acordo com Semeraro, ao observar uma carne de frango crua, a carne do peito é branca. O músculo do peito ajuda a bater as asas, por isso requer apenas rajadas curtas de energia e menos oxigênio. Logo, a carne de frango crua contém 0,05% de mioglobina e é branco-rosada.

“Mas o mesmo não pode ser dito para a parte da perna. O poder da caminhada diária do frango torna a perna mais escura. O músculo da perna é mais escuro também na carne de porco. A carne de porco tem um teor médio de mioglobina, de 0,2%, e é rosa-avermelhada. A carne do lombo na parte de trás é clara e escura. Já a carne de pato contém mais mioglobina do que carne de porco e frango, com teor médio de 0,3% de mioglobina”, comentou.

Sobre a carne de cordeiro, geralmente considerada nobre, o gastrônomo explica que ela é rosa-avermelhada e contém um teor médio de mioglobina, de 0,6%. Os cortes na parte superior da perna são mais escuros e os altos níveis de mioglobina e gordura proporcionam suculência e sabor. Para comparação, a carne bovina contém cerca de 0,8% da proteína.

Foto: Pixabay

Por que não se recomenda pedir carne muito passada?

Para Victor Semeraro, o consumo de comida quase queimada pode fazer mal para a saúde, devido à presença de uma substância química, conhecida como acrilamida, que aumenta o risco de desenvolver alguns tipos de câncer, especialmente nos rins, no endométrio e nos ovários.

“Esta substância normalmente é usada na produção de papel e plástico, mas pode surgir naturalmente na comida quando é aquecida acima de 120ºC, ou seja, quando é frita, assada ou grelhada, por exemplo, produzindo a parte mais preta que se vê nos alimentos”, afirmou.

Mas esse não é o único fator. Para o Chef Eduardo Romanello, ao retirar o “suco” da carne, retira-se também a suculência. Segundo o especialista, quando se pede uma carne da parte traseira do boi, que são carnes de rápida cocção, bem passada, elimina-se o líquido, o que deixa a carne macia e saborosa. “Assim se obtém, pelo contrário, uma carne ressecada e por vezes com gosto rançoso”, esclareceu.

Para quem gosta de carnes sem a presença do suco e coloração vermelha, Romanello diz que são indicados os cortes da parte dianteira do boi, que são de cocção mais lenta, como o cupim, a costela e o peito, já que contam com uma maior taxa de gordura e fibras em sua composição.

Qualidade da carne

Segundo o veterinário Garnica, a carne bovina tem alto valor biológico, sendo rica em proteína. Além disso, conta em média com 70% de água, 19% de proteína, 1% de carboidrato. “Ela é rica em minerais, em proteína e, dependendo da carne e do manejo, quantidades variadas de gordura."

Ele ressalta que toda carne que chega de forma legalizada ao açougue e o consumo final é submetido a rigorosos testes feitos por médicos veterinários credenciados ao Ministério da Agricultura e Pecuária.

"Os testes vão avaliar a qualidade da criação do gado, em aspectos como vacinação e alimentação. Também se avalia a qualidade da carne no momento do abate e da distribuição para açougues. O Brasil é um exemplo nisso, inclusive”, finalizou.

Fonte: Folha Vitória



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