A ex-modelo Flávia Flores passou a dar dicas para mulheres após receber o diagnóstico de um câncer de mama Divulgação/ Ricardo Wolff |
O diagnóstico de câncer de mama parecia uma sentença de morte para a escritora e ex-modelo Flávia Flores, de 45 anos. Foi numa consulta de rotina, dez dias após trocar a prótese de silicone, que a catarinense recebeu a notícia de que o pequeno caroço na mama direita. Até então, parecia inofensivo a olhos médicos e da mamografia. Mas era um tumor maligno em estágio III. Com a descoberta, veio o choque, o medo e a negação.
— A descoberta é a pior parte. Nem o tratamento, nem os efeitos colaterais são tão horrorosos, tão terríveis quanto o diagnóstico. Quanto você descobre que está com câncer, você não sabe se vai morrer. Eu não sabia o que pensar — conta Flávia.
Começava, ali, uma jornada que a levou a perder os cabelos, o futuro emprego, parte dos amigos e até o namorado, que a abandonou sem dar um ponto-final ao relacionamento. Uma década separa o diagnóstico deste mês de outubro. Após uma mastectomia dupla, 18 meses de quimio e de radioterapia e de quatro anos de hormonioterapia, Flávia está livre da doença desde 2017. Hoje, vive em San Diego, na Califórnia, com o marido — o “amor da vida” que conheceu na juventude e reencontrou depois de 15 anos separados — e o filho caçula, um sonho realizado pós-câncer.
Sem histórico da doença na família e com uma vida saudável, o caso da escritora acende um alerta neste Outubro Rosa: especialistas estimam que há cerca de 60 mil casos anualmente no Brasil. O câncer de mama matou, em média, quase 50 pessoas por dia em 2021 no país, mostram dados do Ministério da Saúde. Em números, foram 18,2 mil vítimas no ano passado. No total, são 323,2 mil óbitos em 25 anos, na série histórica de 1996 a 2021.
Números do câncer de mama e de colo de útero aumentaram nas últimas décadas. — Foto: Gráfico: Arte O Globo / Dados: Ministério da Saúde |
O Instituto Nacional de Câncer (Inca) aponta essa como a maior causa de morte em mulheres em todas as regiões do Brasil, exceto a Norte, onde prevalece o câncer de colo do útero. Nesse cenário, aumenta a importância da campanha do Outubro Rosa, que busca conscientizar mulheres para prevenir e tratar precocemente ambas as enfermidades.
— Uma explicação é que o de mama está associado a fatores de risco relacionados, por exemplo, a hábitos de vida, questões demográficas e de natalidade — explica o chefe da Divisão de Detecção Precoce de Câncer e Apoio à Organização de Rede do Inca, Arn Migowski. — Já o de colo uterino é prevenível com a vacinação contra HPV e com o exame papanicolau, que identifica lesões precursoras antes de se tornarem câncer de colo do útero.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), o Ministério da Saúde e o Inca recomendam que mulheres de 50 a 69 anos façam mamografia a cada dois anos caso não tenham sintomas ou histórico familiar do câncer de mama. Já a Sociedade Brasileira de Mastologia (SBM) é mais conservadora e indica a realização a partir dos 40 anos, idade que pode cair para até 25 se a paciente tiver caso da doença na família em parente de primeiro grau, como mãe ou irmã.
Foi justamente com a mamografia — fundamental para a detecção precoce da doença — que a empresária Thay Barros, 39, descobriu que a ardência que sentia na mama e na axila indicava um tumor, em dezembro de 2015.
— Foi muito chocante porque eu imaginei que não pudesse acontecer comigo. Eu tinha 32 anos. Quando olhamos as campanhas de Outubro Rosa de cima, digamos assim, pensamos que é algo que vai acontecer com o outro, não conosco — detalha a empreendedora.
Após a mastectomia na mama esquerda e a retirada dos ovários, Thay recebeu alta no fim de 2016. Viveu livre da doença no ano seguinte até que descobriu que o nódulo inicial havia levado se espalhado para o mediastino (que fica na região torácica), os ossos e o pulmão em 2018. O câncer sofreu uma mutação para a versão triplo negativo, que cresce rápido, leva à metástase mais cedo e tem sensibilidade a menos tratamentos. Ela agora, terá de sar remédios por toda a vida, mas ela segue otimista:
— Sempre vão surgindo pesquisas para que eu possa me encaixar se for necessário para a longevidade.
Segundo especialistas, a obesidade, o período pós-menopausa, o consumo de álcool, a terapia de reposição hormonal e, em menor grau, uso de anticoncepcional, são fatores de risco para o câncer de mama em mulheres. Mas a doença em mulheres jovens também preocupa médicos e cientistas:
— Nos Estados Unidos e na Europa, câncer de mama abaixo dos 40 anos, a quem chamamos de pacientes jovens, é em torno de 5% a 6%. Dados de pesquisa brasileira mostram que essa incidência é de 12% a 19%. Então, os estudos já apontam que o câncer nas mulheres brasileiras parece ter um perfil de agressividade maior que nas americanas e europeias. Existem linhas de pesquisa estudando se é por causa da genética, mas ainda não é bem esclarecido — analisa a presidente da SBM- Regional Santa Catarina, Adriana Freitas.
A mastologista explica que a chance de cura é de até 95% quando o câncer é descoberto em estágio I, ainda inicial. A taxa cai para em torno de 40% quando diagnostico em estágio III — mais avançado, mas sem metástase. A doença também atinge homens, mas de forma rara: eles correspondem a 1% dos casos, que se apresenta como um nódulo próximo ao mamilo, geralmente em idosos por volta dos 70 anos com histórico familiar de câncer e uso de álcool.
Noutra frente, o câncer de colo do útero também ganha foco neste Outubro Rosa. As estatísticas oficiais do Ministério da Saúde apontam que 6.525 mulheres tiveram a vida ceifada pela doença em 2021. Ao todo, 129,3 mil mulheres vieram a óbito pela doença de 1996 a 2021. O horizonte traz possibilidades de eliminação da doença, já que é possível evitá-lo com o tripé vacina, papanicolau e preservativo. O Programa Nacional de Imunizações (PNI), do Ministério da Saúde, disponibiliza o imunizante contra HPV — que, além do colo uterino, também pode causar verrugas e tumores no pênis e no ânus, por exemplo — para jovens de 9 a 14 anos, mas a baixa taxa de imunização preocupa.
O exame, por sua vez, é indicado para mulheres de 25 a 64 anos a cada triênio; só nos dois primeiros anos, deve ser realizado anualmente. O uso de camisinha em relações sexuais ajuda a diminuir o contágio, já que é uma infecção sexualmente transmissível (IST).
Tanto Thay quanto Flávia usam suas histórias para ajudar outras mulheres. A empresária expandiu a rede de apoio — antes, formada pela família e pelos amigos, a quem considera fundamentais — para um grupo e, depois, um canal no YouTube e uma página no Instagram, nos quais compartilha sua experiência. Já a ex-modelo transformou o tratamento numa espécie de diário, que, unido à trajetória profissional em moda, foi publicado como o livro “Quimioterapia e Beleza” (2013). O nome também dá título ao instituto que busca aumentar autoestima de mulheres com câncer. No fim, a mensagem que fica é a da esperança:
— Tem gente que me fala que acha que não conseguiria no meu lugar, mas o instinto de viver fala muito mais forte — finaliza Thay.
Fonte: O Globo