Adolescentes podem casar? Entenda o que diz a lei

No Brasil, em média oito casamentos são realizados todos os dias entre adolescentes e pessoas com mais de 18 anos

Foto: Reprodução/ Freepik

No início deste mês, o prefeito da cidade de Araucária, região metropolitana de Curitiba (PR), Hissam Hussein Dahaini (Cidadania), de 65 anos, se casou com uma adolescente de 16 anos. O assunto tomou conta das redes sociais e no Twitter usuários subiram a hashtag 'pedófilo' para falar do caso.

Porém, por mais polêmico que possa parecer, existe uma série de normas judiciais que abordam esse tipo de prática.

Dados da Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Brasil (Arpen), apontam que acontecem, em média, oito casamentos com menores por dia no país. Desde o início deste ano, 718 casamentos já foram realizados entre adultos e menores.

Em entrevista à reportagem do Folha Vitória, o advogado Rodrigo Sette Barbosa Rocha, especialista na área cível judicial, explica o casamento na adolescência é possível de ser concretizado a partir dos 16 anos.

"O casamento, enquanto ato da vida civil, não poderá ocorrer, quando se tratar de pessoa menor de 16 anos. Contudo, àqueles maiores de 16 e menores de 18 anos, poderão se casar, desde que possuam autorização expressa de seus pais (responsáveis legais)", afirmou.

O motivo para tal regra, segundo detalhou o advogado, é a preocupação por parte da legislação brasileira em "proteger àqueles considerados incapazes de exercer a personalidade jurídica".

"O legislador buscou proteger àqueles considerados incapazes de exercer a personalidade jurídica, pelo artigo 3° do referido Código, que expressa que o menor de 16 anos é absolutamente incapaz para exercer os atos da vida civil, assim como pelo artigo 4°, que traz a chamada “incapacidade relativa."

Em caso de divergência na autorização por parte dos pais e/ou responsáveis para a autorização do casamento, a resposta final ficará por conta de uma decisão judicial.

"Em caso de divergência dos detentores do poder familiar, cabe a qualquer um deles judicializar a questão no intuito de resolver a divergência e decidir sobre a autorização ou não para o menor de casar", explicou.

Para casos em que os adolescentes em questão tenham passado pelo processo de emancipação, Rocha ressalta que estes não precisam da autorização dos pais, pois estão aptos a "realizar os atos da vida civil" e são tratados como legalmente capazes.

Voltando no tempo... a situação já foi pior!

Apesar do susto à primeira vista, a ideia do matrimônio antes dos 18 anos, ou até mesmo antes dos 16, era uma prática frequente e comum nos anos 60 e 70, época distante de qualquer repercussão no mundo digital.

Segundo explica a advogada familiarista e secretária-geral do Conselho Federal da OAB, Sayury Otoni, apesar de ser uma discussão antiga, a mudança na legislação aconteceu de maneira recente. Isso porque até antes de 2019, o casamento poderia ser autorizado caso a menina estivesse grávida do companheiro.

"Em março de 2019, foi proibido em qualquer hipótese o casamento de pessoas antes dos 16 anos. Até então era permitido, mas não pela autorização dos pais, e sim por uma situação excepcional que possuía autorização judicial que era em caso de gravidez", disse.

Para o advogado Rodrigo Sette, trata-se de uma força-tarefa, que envolve não só o campo jurídico brasileiro, para dar fim a um problema social. "É uma luta constante da sociedade e do ordenamento jurídico brasileiro, para reprimir e abolir definitivamente o casamento infantil do país", definiu.

Sayury ressalta que esse entendimento da época se amparava na teoria de que o casamento poderia ser benéfico para a vida da jovem mãe e para o futuro da criança.

"Havia um entendimento antigo de que essa menina grávida estaria melhor amparada pelo casamento, para que os filhos não fossem considerados ilegítimos. Porém, desde muito tempo não existe essa classificação no país, já que a autorização do casamento só por causa da gravidez nunca é a solução, mas sim um agravamento do problema", afirmou.
Casamento na adolescência e os impactos sociais

Para além de uma união matrimonial simplesmente por questões afetivas, a decisão de dar início a um casamento ainda na adolescência passa por inúmeras questões que perpassam pelo estrutura familiar e até mesmo pelo futuro desses adolescentes.

A ideia é que o adolescente esteja ocupado com sua formação e não com a preocupação em constituir uma família. Obviamente há a necessidade de uma campanha educativa até mesmo para a prevenção da gravidez na adolescência", detalhou a secretária-geral do Conselho Federal da OAB, Sayury Otoni.

Ela ainda acrescenta que, em alguns casos, é possível se deparar com questões ainda mais burocráticas que permeiam a decisão desses adolescentes, mesmo que autorizados pela família.

De acordo com Sayury, os cenários de carência e de pobreza extrema presentes em diferentes regiões do Brasil podem estar relacionados a essa questão.

Em virtude disso, famílias acabam por enxergar na união dos filhos adolescentes com pessoas mais velhas, como uma forma de, possivelmente, escapar dessa condição de vida.

"Uma adolescente, mesmo autorizada pelos pais, pode estar na relação por uma situação que seja de imposição dos pais, pode ser também por um ponto de vista material onde a família enxerga um tipo de salvação com esse casamento. Outra possibilidade está relacionada à gratidão a essa pessoa mais velha pelo bem que fez à família", exemplificou a advogada.

Fonte: Folha Vitória

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