O Centro de Valorização da Vida é uma entidade civil que oferece apoio voluntário, gratuito e anônimo para pessoas que estão com a saúde mental abalada
O humorista Whindersson Nunes ajudou a divulgar um serviço de grande utilidade pública, em especial neste momento em que os transtornos mentais têm sido tão amplamente debatidos.
Ele revelou que fez uma chamada para o 188, número do Centro de Valorização à Vida (CVV), para conversar após precisar de apoio emocional. Veja o depoimento dele:
"Uma moça bacana com uma voz calma conversou comigo. Chorei demais, mas a experiência de conversar sobre tudo com um anônimo é muito libertadora", escreveu o comediante no Twitter.
Ele aproveitou para incentivar que as pessoas liguem para o CVV, caso precisem de suporte. "Se você precisar de ajuda, ligue 188", disse.
O CVV é uma entidade civil que oferece apoio voluntário, gratuito e anônimo, em prol, principalmente, da prevenção do suicídio.
Para entender como funciona, o Folha Vitória conversou com Antônio, que é voluntário há 23 anos. A identificação apenas pelo primeiro nome é uma das formas que o meio utiliza para garantir a privacidade, tanto de quem atende quanto de quem liga.
Antônio é formado em Engenharia, mas isso não o impediu de desempenhar a tarefa que, segundo ele, é uma troca que o torna a cada dia uma pessoa mais tolerante e com menos preconceitos.
“Há alguns anos, eu vi uma propaganda na televisão de alguém que pegava um telefone antigo e a mão transpassava para um outro mundo. E pensei que talvez, se aquele personagem pudesse ter tido a oportunidade de conversar com alguém, ele poderia ter mudado a situação. Então, me inscrevi no curso de capacitação de forma gratuita e me encantei”, contou.
Solidão está entre os motivos de procura frequente
Segundo o voluntário, as pessoas procuram o serviço pelos mais diversos motivos, sendo a solidão um dos mais frequentes. Muitas vezes, são pessoas que também passam por um momento de desespero e que esperam ser acolhidas.
Antônio destaca que há casos até de pessoas que ligam para falar de algo bom, mas que não têm outras pessoas com quem compartilhar a informação.
“Há também quem pensa em tirar a vida. A importância de ser acolhido, desabafar, é criar uma sensação de alívio. De repente, volta a tocar a vida. Já no primeiro contato, a gente tenta passar um clima de acolhimento, para que a pessoa possa ser ela mesma. E não temos respostas prontas, buscamos facilitar seus caminhos”, pontua Antônio.
Sobre o caso do humorista Whindersson Nunes, o engenheiro afirmou que ficou sabendo que ele usou o serviço, já que a celebridade divulgou isso. Mas, garante ele, ninguém precisa se identificar e todas as pessoas são igualmente importantes.
“Cada pessoa vai receber toda a atenção. Nós tratamos como 'você' ou com o nome que nos oferece. Sempre agradecemos a divulgação, como a que foi feita pelo humorista, e reforçamos que é um instrumento que pode ser usado quantas vezes quiser”, enfatizou.
O CVV funciona 24h, sendo ofertado não só por telefone, mas também por e-mail e pelo chat do site, para quem quer conversar em tempo real e não gosta tanto de ligações. O e-mail também é respondido dentro de 24h e pode dar início a uma sequência de conversas sem limites para ser finalizada.
“Com o chat, a pessoa conversa escrevendo. É bem interessante para atender o jovem. E hoje temos a triste estatística de que a faixa que mais cresce em número de suicídios é entre 15 e 29 anos”, destacou.
Todo voluntário passa por capacitação
Segundo Antônio, todo interessado em ser um voluntário do CVV passa por capacitação. Entre os pré-requisitos estão:
• ter mais de 18 anos;
• ter um tempo para doar;
• assumir um plantão semanal de 4h30, no caso de quem atende via telefone.
Ele explica que também há o CVV na comunidade, que acontece por meio de palestras, reuniões e conversas para levar a experiência para a comunidade, tudo organizado pelo voluntariado. O aperfeiçoamento é contínuo.
“Temos um grupo de estudo mensal e recebemos apoio também, por tudo o que ouvimos. Além disso, fazemos um curso por ano e uma reciclagem a cada dois anos. Esses são compromissos necessários e os cursos são oferecidos pelo próprio CVV”, acrescentou.
O engenheiro também esclareceu que o CVV é uma entidade mantida pelos próprios voluntários e por alguns doadores anônimos, por um espaço que há no site. “Mas as unidades físicas são mantidas pelos voluntários, sendo que não há influência religiosa ou governamental. O que o governo fez foi nos ceder o número 188, que nos permitiu a facilidade de acesso, isso foi muito bom”, agradeceu Antônio.
Atendimento em nível nacional
O CVV conta com cerca de 120 unidades em todo o país. De acordo com Antônio, o número 188 em 2018 se tornou totalmente integrado nacionalmente e, assim, todas as unidades estão interligadas e o usuário pode ser atendido por alguém de qualquer lugar.
Foto: Divulgação | CVV |
O aprendizado ao ser voluntário também é enorme. “Quando você se torna voluntário, passa a se olhar. Sou mais compreensivo com meus familiares, com menos preconceitos. No CVV nos colocamos à disposição para conversar com qualquer um que nos procure, é onde cada um pode ser quem é, desabafar. É como se a pessoa se esvaziasse e tocasse a vida. Ela pode ligar quantas vezes quiser, não há crítica ou julgamento. Se falar de tristeza, raiva, vamos conversar, até mesmo em momentos de alegria”, reforçou.
Antes da interligação do 188, eram recebidos cerca de 1 milhão de contatos por ano; com a disponibilização do número, a quantidade aumentou para 3,5 milhões. As unidades funcionam como uma só.
“Este exercício de compreender o outro faz com que a gente também se compreenda um pouco mais, é um crescimento e me propicia exercitar tudo isso na vida pessoal. Sou mais atento com quem me cerca, é uma troca”, disse.
Como ser um voluntário
A inscrição para se tornar um voluntário do Centro de Valorização da Vida começa no site, na opção “seja voluntário”. É possível fazer a inscrição sendo de qualquer lugar do Brasil.
Mas a inscrição é só o começo. Em seguida, o voluntário se dispõe a participar dos cursos direcionados pelo CVV. O primeiro dura em média 8 semanas – nele, é ensinado sobre como é a instituição e como são as pessoas que procuram ajuda, que geralmente se trata de alguém que enfrenta um momento de sofrimento.
Então, é falado em não fazer julgamentos, evitar preconceitos, exercitar a compreensão e ser acolhedor.
Ao passar por esta etapa, o indivíduo se torna um voluntário em período de estágio e, pelo menos nos três primeiros plantões, ele é acompanhado por alguém que já atende na casa há mais tempo. Passados entre 90 e 120 dias, há um encontro de reforço, e, caso tudo tenha seguido nos conformes, o interessado se torna um voluntário efetivo do CVV.
“Lembrando que, para ingressar como voluntário, é necessário ter pelo menos 18 anos, acreditar na capacidade de doação ao próximo, assumir um compromisso de tempo, que é de 4h30 em algum dia da semana no 188, ou de 3h no chat; ou ainda de responder aos e-mails todos os dias”, descreveu Antônio.
Visão de uma psicóloga sobre o programa
Para entender melhor o tema, procuramos uma psicóloga que já teve experiência com o CVV. Daniella Sperandio, especialista em neuropsicologia, psicologia puerperal e sexologia.
Segundo ela, o serviço não é composto por psicólogos, apesar de haver vários entre os voluntários.
“O interessado se inscreve e de tempos em tempos é feito curso de capacitação. Em alguns encontros é ensinada a abordagem de Carl Rogers, fundador da abordagem humanista. São ensinadas técnicas de acolhimento emocional. Não é feito um acompanhamento de quem liga, mas o sujeito costuma ligar em um momento de desespero, de solidão, de precisar desabafar algo”, disse.
Daniella explicou que com o serviço é feito um acolhimento, sem tempo de duração estimado, mas o quanto for preciso.
Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal |
“Acabou o atendimento, acabou. Muitas vezes as pessoas sequer se identificam, mas podem retornar a ligação quando quiserem, para serem acolhidas novamente. Também não é feito nenhum encaminhamento a um psicólogo, a não ser que a pessoa fale que quer algum serviço. Eu já fiz parte e nesses casos a gente comenta de alguns serviços ofertados pelo governo que podem ajudar”, continuou.
A especialista afirmou que uma pessoa que está em um momento de desespero, pode acabar cometendo suicídio. Ao ligar para o CVV, ela pode ser acolhida por um voluntário, que busca entender o que está acontecendo, que dor é essa.
“Muitas vezes, a pessoa que chega a esse ponto não quer acabar com a vida dela, mas com o sofrimento. Se ela liga e o voluntário a acolhe, ela expressa em palavras, muitas vezes sente um alívio daquele sofrimento. O CVV não tem a intenção de diretamente evitar o suicídio, mas, de uma certa forma, fazer o sujeito pensar e avaliar se realmente o melhor caminho é essa ideia, que muitas vezes é momentânea”, explicou.
A psicóloga também esclareceu que o sujeito que comete suicídio costuma emitir alguns sinais nas falas ou comportamento, mas que, muitas vezes, a família ou os amigos não percebem.
“A maioria dos casos não acontece por impulsividade. E aí um voluntário do CVV pode encontrar uma ferramenta para evitar que as pessoas continuem com a ideação suicida. Algumas vezes, ela lembra ao indivíduo que ele tem um filho, um cônjuge, algum fator que faça essa pessoa não chegar ao ato”, destacou.
Por fim, Sperandio afirma que a depressão é uma doença muito estigmatizada, que muitas vezes a pessoa, ainda nos dias de hoje, tem vergonha de relatar à família, aos amigos, que não está se sentindo bem.
“Ainda é um tabu muito grande, principalmente dentro desta ditadura da felicidade. O sujeito pode sofrer há anos ou meses, mas vai agravando, não busca ajuda, é uma doença silenciosa. Passar a achar tudo difícil, que ela mesma não serve para nada; tem baixa auto estima, se acha a pior das piores, que só dá trabalho para as outras pessoas. Então pensa que é melhor não estar aqui. Mas, se essa pessoa puder ter um atendimento ou tratamento adequado antes de pensar que a única saída é tirar a própria vida, isso é o ideal”, destacou.
Fonte: Folha Vitória