Após morte de L41, polícia do RJ estima que 150 paraenses ligados ao tráfico se escondem em favelas cariocas. Especialista explica a saída de traficantes do Pará, após massacre em presídio, passando a comandar de longe o tráfico no estado do Norte.
Léo 41: colar com a bandeira do Pará e seu apelido no mundo do crime — Foto: Reprodução/Redes sociais |
Uma megaoperação no Complexo do Salgueiro expôs forte presença de paraenses nos morros do Rio de Janeiro e que estão ligados ao tráfico de drogas. Foram 13 mortos, nove eram naturais do Pará, da quadrilha do paraense Leonardo Costa Araújo, o Léo 41, um dos criminosos mais procurados do país - também morto na operação. A Polícia do RJ estima que 150 paraenses estão escondidos nas favelas cariocas.
Esta é a primeira de uma série de três reportagens sobre o crime organizado, suas redes interestaduais e rotas de tráfico, que partem da Amazônia Legal, mais especificamente do Pará, para o resto do país.
Nesta reportagem, você vai entender fatores que podem ter influenciado para migração de traficantes paraenses ao Sudeste. Um deles foi o massacre no presídio de Altamira, que reordenou a atuação da polícia no combate à criminalidade, segundo estudiosos.
Do massacre à intervenção penitenciária
Era 29 de julho de 2019. O padre Patrício Brennan, da Pastoral Carcerária de Altamira, no sudeste do Pará, acompanhava familiares de detentos mortos enquanto a perícia montava uma força-tarefa para identificar 62 corpos. As mortes ocorreram dentro do Centro de Recuperação Regional de Altamira, em um confronto entre duas facções criminosas rivais - o Comando Vermelho (CV) e Comando Classe A (CCA).
"É uma coisa que a gente não esquece, é triste o que aconteceu e é um dia que não deve ser esquecido", afirmou.
O episódio, que terminou com uma ala inteira destruída, é a segunda maior tragédia carcerária da história do Brasil, atrás do massacre no Carandiru. Foram 58 detentos mortos dentro do presídio, a maioria, por asfixia. Dezesseis deles foram decapitados. Enquanto faccionados eram transferidos, um dia após o massacre, outros quatro foram mortos dentro de caminhão-cela.
Para o especialista em atividade de inteligência, Roberto Magno, a facção Comando Vermelho vinha estabelecendo na época relativa hegemonia no Pará, se estabelecendo principalmente após o massacre no presídio.
Escavadeira de covas no cemitério São Sebastião em Altamira, destinado as vítimas do massacre do Centro de Recuperação Regional de Altamira. — Foto: Daniel Teixeira / Estadão Conteúdo |
"O massacre deu origem a uma forte intervenção penitenciária que perdurou no Pará até meados 2021 e, praticamente, isolou lideranças que até então atuavam no estado ligadas ao CV, CCA, Primeiro Comando da Capital (PCC) e, ainda que reduzida, a Família do Norte (FDN). A partir daí, o Estado iniciou um maior enfrentamento às lideranças dessas facções, dentro e fora do cárcere".
Ida aos 'bunkers' e comando de ataques
"Muitas dessas lideranças, principalmente do CV, tiveram que se ocultar em outros locais e foram acolhidos no RJ que, não só é a origem do CV, mas ainda detém os principais 'bunkers' da facção, que são os morros dominados - isso explica a atual presença de muitos paraenses lá".
Magno detalha que, enquanto ocorriam as migrações do Norte ao Sudeste, agentes de segurança já vinham sendo alvo de ataques ordenados no estado. Só o CV é atrelado a ao menos 40 desses ataques, segundo a Polícia. Os crimes sempre com características de execução.
Desde 2020, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (Segup) do Pará contabiliza 88 mortes de policiais, dentro e fora do serviço. Em maio de 2022, uma onda de violência resultou em 15 atentados e ao menos 7 mortes em seis dias. Em julho de 2021, foram 6 ataques em 4 dias. Em 2019, ao menos vinte agentes foram alvo e mortos.
"A partir de 2019, essas ordens de matar agentes passaram a ser mais executadas pelas facções, principalmente pelo CV, em destaque ao líder mor, o L41, que foi mandante de diversos desses ataques, como forma de tentar frear a política de enfrentamento que vinha sendo praticada pelo Estado, sobretudo dentro do cárcere. A gente já começa a observar, depois daí, a expansão da violência muito mais para o contexto das ruas", aponta.
O novo modelo de combate ao crime organizado sendo implementado, com foco nas lideranças, fez com que os criminosos buscassem também outros mecanismos para se manter, como o especialista pontua:
- busca pela rede internacional de tráfico de drogas;
- estratégias de comunicação da cadeia para fora;
- cooptação de pessoas, incluindo até servidores públicos, para executar crimes.
Em relação à cooptação, Magno comenta que ela "vai desde moradores das periferias beneficiadas de alguma maneira pela ação do tráfico até faccionados para executarem ações no enfrentamento mais direto, chegando ao exemplo dos ataques a agentes de segurança".
Magno detalha que "o comando do tráfico no Pará não está só no Rio de Janeiro, porque ele é extremamente volátil". "Os grandes traficantes têm mobilidade muito grande, vão sempre para onde há a menor repressão e a maior possibilidade de êxito. Já teve paraense preso na Europa por conta de tráfico pesado de drogas. O criminoso que fica fixo é só aquele da atividade meio e fim, a parte mais sensível do crime".
"O crime sempre vai buscar novas mudanças na organização, por isso temos que encará-lo como uma empresa, em uma economia paralela e milionária, que todo dia busca inovação, assim como a polícia busca se adaptar para combatê-lo".
As características geográficas também contribuem, segundo Magno, que é membro do Laboratório de Pesquisa em Geografia da Violência e do Crime na Universidade do Estado do Pará (Uepa).
"Aqui no Pará os aglomerados subnormais, as baixadas, têm característica de planície, são áreas planas, que até possuem dificuldade de acesso, às vezes, devido aos mangues, rios e igarapés, mas não há aquela questão da subida, das vielas irregulares, se formos como comparar com os morros do Rio de Janeiro, onde tem ainda a questão dos obstáculos, dificultando o trabalho da polícia".
Vila da Barca é exemplo de periferia nas margens de Belém — Foto: Ascom/MPF-PA/Divulgação |
À sombra do Estado
O coronel da reserva, Robson Rodrigues, antropólogo especialista em segurança pública e pesquisador do Laboratório de Análise da Violência na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), aponta hipóteses para tentar explicar o fenômeno da migração de traficantes paraenses para o estado do Rio de Janeiro. São elas:
- morosidade da justiça criminal;
- brechas no sistema nacional de foragidos;
- conexão interestadual do tráfico à sombra do Estado.
"A migração sempre aconteceu, mas tem ocorrido de forma mais sucessiva, porque o Rio de Janeiro tem toda uma atração para o traficante que ganha dinheiro ilícito", explica.
"Esses foragidos aproveitam as fragilidades do sistema de justiça criminal, que ainda possui uma certa lentidão, e nesse vácuo, eles vão para outra localidade, buscando se sentir à sombra do Estado. Houve ainda um incremento no RJ do sistema de localização de pessoas com mandados, mas isso ainda não chega nas comunidades. Outro ponto é o fenômeno global de circulação ilegal de drogas e armas, redes que ultrapassam as fronteiras dos estados e uma conexão entre negócios ilícitos".
Lideranças no alvo
O delegado geral de Polícia Civil (PC), Walter Resende, explica que desde 2020 a polícia paraense investiga as articulações feitas por criminosos em outros estados, como foi o caso do Rio de Janeiro. "Atuamos identificando essas lideranças, monitorando através da inteligência os grupos que se formaram desde então".
Resende afirma que a PC montou uma base em agosto de 2022 para aprimorar as investigações, que miravam lideranças e continuavam comandando crimes no Pará, como ataques a agentes de segurança e até sequestros e extorsões, além do tráfico de drogas.
Léo 41 estava foragido do Pará desde 2019. Segundo as investigações, ele assumiu a chefia da facção no estado após a prisão de Cláudio Augusto Andrade, o Claudinho do Buraco Fundo, em setembro de 2020. O delegado Resende explica que a mudança que ele implantou no crime organizado no PA foi uma conotação empresarial, seguindo exemplos no RJ.
"O Leonardo Araújo assumia liderança da facção há cerca de dois anos e inicialmente estava escondido na Penha. De lá, já direcionava várias ações aqui no Pará. Mas a polícia percebeu que, além dele, outras lideranças também estavam no RJ, migrando da Penha para São Gonçalo, na capital carioca", explica.
Escondido nas comunidades do Grande Rio, ele coordenava um plano de expansão da organização com a compra de armas e munições, financiada por tráfico de drogas, roubo, extorsões, sequestros e cobrança de valores mensais dos integrantes da organização criminosa.
Desde que assumiu, o traficante vivia vida luxuosa, patrocinado pelas ações criminosas e pela própria organização, que passou a arrecadar volumes altos de dinheiro com tráfico e extorsões de comerciantes, jogos de azar, e provedores de internet.
Léo 41 já foi indicado por seis crimes, incluindo latrocínio, e era investigado em outros 15.
A PC do Pará então teve apoio do governo do Rio de Janeiro na ação que estava planejada desde 2022. A operação no Salgueiro, por exemplo, teve cinco blindados e dois helicópteros da polícia do RJ, reunindo 80 agentes dos dois estados.
No último dia 28 de março, o governo do Pará entregou medalhas de mérito a dois policiais paraenses e cinco cariocas que atuaram operação.
Veja o mapa das comunidades que integram o Complexo do Salgueiro — Foto: Reprodução |
Operação no complexo do Salgueiro, no RJ — Foto: JN |
Fonte: G1