Componentes genéticos e ambientais: trauma e estresse na gestação podem aumentar chance de autismo nos filhos
Abril é o Mês de Conscientização sobre o Autismo, condição relacionada a fatores genéticos e ambientais - Foto: Reprodução/
Trabalho inédito entrevistou mais de dois mil brasileiros relacionando fatores genéticos e ambientais. Outros estudos ainda são necessários para explorar resultados sugeridos pela pesquisa
O autismo é um distúrbio do neurodesenvolvimento cuja etiologia ainda é desconhecida. Pesquisas mostram que não há um fator único, mas sim a interação de componentes genéticos e ambientais.
Uma pesquisa da USP cruzou dados de pacientes e mostrou que a exposição da gestante a fatores ambientais e psicossociais (como estresse, exposição a produtos químicos e perda de um ente querido, por exemplo) pode aumentar a possibilidade do desenvolvimento do autismo nos filhos.
O doutorado, realizado pela neurocientista Anita Brito, do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, em parceria com a Plataforma Científica Pasteur (SSPU) da USP – recentemente transformada em Institut Pasteur de São Paulo – e com o Instituto de Psiquiatria (IPq) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), investigou, pela primeira vez, a relação entre fatores genéticos e ambientais e o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Um artigo na revista científica BMC Psychiatry descreve os resultados.
Anita, que atualmente faz pós-doutorado no Institut Pasteur de São Paulo, entrevistou 2.141 brasileiros com TEA por meio de um questionário on-line, contendo 132 perguntas sobre os mais variados assuntos, como histórico familiar (casos de doenças psiquiátricas e neurológicas em parentes consanguíneos – pais, tios e tias, avós e primos de primeiro grau), perfil socioeconômico e possíveis fatores estressores durante a gestação.
“Olhamos para o período gestacional porque é o momento em que o sistema nervoso está sendo gerado, e que pode sofrer alterações”, explica Patrícia Beltrão Braga, professora do ICB, pesquisadora da SPPU e também autora do artigo. “E durante os nove meses, qualquer estresse que a mulher passe pode produzir fatores que podem desencadear mudanças epigenéticas.” Epigenética é um campo de pesquisa que investiga como os estímulos ambientais podem ativar determinados genes e silenciar outros.
A maioria dos respondentes era do sexo masculino (81%), com idade mínima de 2 anos para homens e mulheres (as informações sobre as crianças foram fornecidas pelos pais ou responsáveis) e idade máxima de 41 anos para homens e de 54 para mulheres. 54% de toda a amostra residiam na região Sudeste e 74% foram diagnosticados entre um e quatro anos. Além disso, 47% alegaram ter autismo de nível 1 e 36% disseram estar no nível 2 de suporte.
Assumindo que os indivíduos são expostos a mais de um fator ambiental, foram realizadas análises de bioinformática para encontrar o que os pesquisadores chamaram de “dimensões de vulnerabilidade”. A ideia era investigar quais condições agrupadas poderiam contribuir para a possibilidade de desenvolver autismo. “O maior desafio foi compreender o que cada coisa quer dizer para buscar as ferramentas adequadas na tabulação dos dados”, afirma Helena Brentani, psiquiatra do IPq e coordenadora do Protea – Programa do Transtorno do Espectro Autista.
Patrícia Braga disse ao Jornal da USP que se surpreendeu ao perceber que os fatores ambientais tiveram tamanha relevância. “Como neurobióloga, eu estava muito mais preocupada com o que a mãe bebeu, usou ou comeu, se ela foi infectada com algum vírus ou bactéria, ou seja, coisas mais palpáveis.”
Os fatores sociais foram definidos como estresses emocionais (incluindo depressão e ansiedade), agressão (física, social ou emocional) e situações causadoras de esgotamento (perda de emprego, morte de uma pessoa próxima, vizinhança violenta), entre outros.
Já existem estudos epidemiológicos – e de herdabilidade – que mostraram a relevância dos fatores genéticos no desenvolvimento do TEA. A literatura também já deu indícios de que o ambiente a que a mãe foi exposta durante a gestação (doenças metabólicas e inflamatórias, como diabete, eclâmpsia, ganho de peso, além da poluição, drogas ilícitas, metais pesados, violência) também pode aumentar as chances de desenvolver o transtorno.
Fonte: Jornal da USP