MPF quer declaração de emergência em saúde por contaminação por mercúrio na bacia do rio Tapajós

Imagens de satélite mostram pluma de sedimentos de garimpos no curso do rio Tapajós — Foto: Observatório do Clima

O Ministério Público Federal (MPF) recomendou à Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, que instaure procedimento administrativo e recomende à ministra da Saúde declaração de emergência em saúde pública de importância nacional, devido à contaminação por mercúrio na bacia do rio Tapajós, oeste do Pará, especialmente em relação ao povo indígena Munduruku.

Expedida pelo procurador da República Gabriel Dalla Favera de Oliveira, no inquérito civil instaurado pelo MPF para apurar as causas da contaminação por mercúrio do povo Munduruku, a recomendação busca a prevenção e tratamento, e a eventual responsabilização do Estado por omissão.

O inquérito do MPF apresenta dois estudos realizados para aferir os índices de contaminação por mercúrio incidentes no povo Munduruku. No primeiro deles, de autoria, entre outros, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Imperial College London, verificou-se que a análise dos níveis de mercúrio para os 197 participantes que cederam amostras de cabelo revela uma prevalência de contaminação de 57,9%.

Altos índices de contaminação

Com relação às crianças e adolescentes, o estudo demonstra que sete em cada dez crianças e adolescentes de dez a 19 anos, apresentavam índices de mercúrio acima de 6μg.g-1. A cada dez crianças menores de cinco anos, quatro apresentavam elevadas concentrações de mercúrio nas amostras de cabelo analisadas. Na aldeia Sawré Aboy, oito em cada dez crianças menores de 12 anos também apresentavam altas concentrações do metal.

lmagens de satélite da Terra Indígena Munduruku mostram área de garimpo em 2017 (esquerda) e em 2022, com mais vegetação degradada — Foto: Reprodução/EOS Data

O estudo relata ainda que, quanto aos peixes examinados, os achados não deixam dúvidas de que os indígenas residentes nas aldeias investigadas ingerem pescado contaminado por mercúrio em concentrações muito acima dos limites reconhecidos internacionalmente como seguros. Portanto, encontram-se sob risco permanente de adoecer, devido aos efeitos tóxicos do mercúrio no organismo.

A recomendação do MPF menciona também que, conforme laudo formulado pela Polícia Federal e pela Universidade Federal do Oeste do Pará, a mineração ilegal de ouro promove o despejo de mercúrio equivalente a uma barragem da mineradora Samarco, em Mariana (MG), a cada 11 anos no leito do rio Tapajós. Também se estima que até 221 toneladas de mercúrio são despejadas anualmente em decorrência de mineração e garimpagem ilegais no Brasil.

Vulnerabilidade reconhecida

O procurador Gabriel Oliveira destaca que a Convenção de Minamata sobre Mercúrio, firmada pelo Brasil em 2013, reconhece as vulnerabilidades particulares dos ecossistemas árticos e das comunidades indígenas, devido à biomagnificação do mercúrio e contaminação de alimentos tradicionais, bem como das preocupações com as comunidades indígenas de forma mais ampla, no que diz respeito aos efeitos do mercúrio.

"A persistência da deliberada omissão do Estado brasileiro em reconhecer e envidar esforços no sentido de prevenir a contaminação e tratar a população contaminada por mercúrio há de refletir, observando-se o alto grau de contaminação do povo indígena Munduruku, não apenas a vulneração dos direitos fundamentais à vida, à saúde e à felicidade, mas igualmente perspectiva etnocida, eis que redundará em relegar o povo Munduruku - e as demais populações afetadas – à própria sorte e assim lhe imputar o ônus de abandonar suas práticas tradicionais – inclusive alimentares - com vistas a garantir a sua subsistência”, destacou o procurador.

Crianças Munduruku em águas aparentemente contaminadas por rejeitos de mineração ilegal em nov de 2022 — Foto: MPF/Reprodução

O MPF também recomendou à Secretaria de Vigilância em Saúde que sejam analisadas, ao menos, as seguintes medidas imprescindíveis à prevenção e tratamento:
  • desenvolvimento de plano de descontinuidade do uso de mercúrio na mineração artesanal de ouro na região;
  • elaboração de Plano de Manejo de Risco para as populações cronicamente expostas ao mercúrio;
  • monitoramento sistemático dos níveis de mercúrio na população Munduruku;
  • monitoramento clínico sistemático de possíveis alterações neurológicas decorrentes dos altos níveis de mercúrio no organismo;
  • criação de programa específico de saúde, que tenha como objetivo reduzir o risco da exposição das mulheres em idade fértil a altos índices de mercúrio no organismo;
  • criação de programa de orientação dietética para minimizar exposição ao mercúrio;
  • criação de espaço de diálogo entre a população Munduruku e as instituições de saúde, para juntos compreender e intervir na proteção da saúde no contexto da problemática do mercúrio; e
  • emprego da Força Nacional do Sistema Único de Saúde, com o fim de realizar a testagem compreensiva da população exposta à contaminação por mercúrio e, assim, possibilitar a realização de diagnóstico minimamente concreto da gravidade da exposição.

O MPF estabeleceu o prazo de 30 dias úteis para que a Secretaria de Vigilância em Saúde responda se atenderá a recomendação.

Fonte: G1


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