No mesmo período do ano passado, o número era de 1.727 em quatro meses, o que significa que houve um crescimento percentual de 4.57%
Foto: Agência Brasil/Marcello Casal Jr |
O Dia Nacional de Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes é lembrado nesta quinta-feira (18), data que marca o desaparecimento da menina Araceli Cabrera Sanchez, em 1973, que morreu de forma violenta no Espírito Santo. A data em 2023 traz um número avassalador de casos de crimes sexuais contra pessoas na faixa etária de 0 a 17 anos no Estado.
O número apresentado pelo Observatório da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Estado (Sesp) é de 1.806 pessoas abusadas neste ano, com dados contabilizados até o final do mês de abril. No mesmo período do ano passado, o número era de 1.727 em quatro meses, o que significa que houve um crescimento percentual de 4.57% em 2023.
Dos quase 2 mil crianças e adolescentes abusados, 1.140 são do sexo feminino, 633 masculino, 32 sem informação e um transexual. Além disso, o município que lidera a lista é a Serra, com 219 casos; em seguida vem Cariacica, Vila Velha, Vitória e Linhares.
Sobre a temática, Gracimeri Gaviorno, especialista em Segurança Pública e delegada aposentada, conversou com a reportagem do Folha Vitória.
“Temos uma pesquisa recente divulgada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que aponta que o Brasil tem 822 mil estupros por ano, ou seja, dois por minuto e que a população mais atingida é a da faixa etária entre 0 e 17 anos; 90% dos estupros atingem crianças e adolescentes, com pico maior para pessoas com 13 anos de idade, que somam mais de 20 mil vítimas”, afirmou.
O que é igualmente preocupante é que apenas 8,5% desses casos chegam ao conhecimento da polícia e menos de 5% ao sistema de saúde.
Segundo Gaviorno, o Brasil teve, no ano passado, quase 41 mil mortes violentas e, em todas as grandes cidades, há pelo menos uma delegacia de crimes contra a vida, mas não há, no entanto, na mesma proporção, delegacias de combate a crimes contra crianças e adolescentes, mesmo acontecendo em proporções alarmantes.
“Não só no Brasil, mas no Espírito Santo também, não levamos a sério o cuidado com a criança e com o adolescente, não temos efetiva política de enfrentamento: 80% das violações sexuais acontecem dentro de casa, por pais, padrastos, tios, primos e avós e apenas uma parte muito pequena dos casos acontecem fora de casa”, afirmou.
Para a especialista, normalmente quem percebe que os alunos são vítimas de abusos são os professores, isso porque as crianças passam mais tempo na escola e o comportamento é alterado. Então, em alguns casos, estes profissionais chegam a acionar o Conselho Tutelar.
“Muitas vezes essas vítimas têm medo de contar para alguém e, quando contam, acabam ameaçadas e, por vezes, as mães acabam coniventes. Quando é assim, a criança é violada duas vezes, já que também se sente abandonada por quem deveria cuidar dela. Amanhã (18), faz 50 anos do caso Araceli, tão incrivelmente grave, e, em todo esse tempo, o tema não foi levado a sério. Isso acaba impactando em mais ansiedade, depressão e afogando o sistema de saúde com outros transtornos”, pontuou.
Para ela, sequer se anda a passos de tartaruga, mas se anda para trás. A sociedade avança em tecnologia, mas não em sensibilidade.
“Na Grande Vitória só temos uma delegacia para cuidar de crimes contra crianças e adolescentes. Com que seriedade tratamos a questão? Que cuidado é esse para aqueles que não têm como se defender? 40% das crianças violadas estão entre 0 e 11 anos; 30% entre 12 e 14; e 20% entre 15 e 17”, acrescentou.
Outra questão que tem piorado é a quantidade de notificações quanto a abusos de meninos, o que gera um alerta para os pais. “Em Vila Velha, recentemente um adolescente foi estuprado no banheiro. Somos mais cuidadosos nesse caso com as meninas, até porque são 86% das vítimas, mas não podemos ignorar os 14% de meninos também”, finalizou.
Caso Araceli
Em relação ao dia 18 de maio, a data faz uma menção ao dia em que a menina Araceli Cabrera Sanchez desapareceu, em 1973, tendo sido encontrada apenas seis dias depois, após ter sido brutalmente violentada. O crime bárbaro que ocorreu em Vitória e chocou o país à época.
Foto: Reprodução
No dia do crime, Araceli saiu de sua casa, no Bairro de Fátima, na Serra, para ir à Escola São Pedro, onde estudava, na Praia do Suá, e nunca mais voltou.
Antes de sair para a escola, a mãe de Araceli, Lola Cabrera Sanchez, escreveu um bilhete para a professora pedindo que a menina fosse liberada um pouco mais cedo, para que ela pudesse pegar o ônibus que a traria de volta para casa.
Violações sexuais contra crianças crescem quase 70% no Brasil
Segundo informações da Agência Brasil, apenas nos quatro primeiros meses deste ano, 17,5 mil violações sexuais contra crianças ou adolescentes foram registradas pelo Disque 100. Os dados são do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e apontam um aumento de quase 70% em relação ao mesmo período de 2022.
Nos quatro primeiros meses de 2023, foram registradas, ao todo, 69,3 mil denúncias e 397 mil violações de direitos humanos de crianças e adolescentes, das quais 9,5 mil denúncias e 17,5 mil violações envolvem violências sexuais físicas – abuso, estupro e exploração sexual – e psíquicas. A casa da vítima, do suspeito ou de familiares está entre os piores cenários, com quase 14 mil violações.
Ainda nos quatro primeiros meses do ano, foram registradas 763 denúncias e 1,4 mil violações sexuais ocorridas na internet. Em todo o ambiente virtual, houve registros de exploração sexual, com 316 denúncias e 319 violações; estupro, com 375 denúncias e 378 violações; abuso sexual físico, com 73 denúncias e 74 violações; e violência sexual psíquica, com 480 denúncias e 631 violações.
Fonte: Folha Vitória