Criminosos pagam para impulsionar posts nas redes sociais e enganar endividados
Anúncios falsos sobre o programa Desenrola Brasil circulam pelas redes sociais Reprodução/Facebook
O Desenrola Brasil , programa do governo federal para renegociação de dívidas, mal havia sido lançado quando golpistas começaram a espalhar centenas de links fraudulentos nas redes sociais para tentar "roubar" dados pessoais e obter pagamentos de endividados. Os criminosos pagaram para aumentar o alcance de várias dessas postagens, que, em grande parte, usam imagens do governo federal, da Serasa e de outras instituições para fraudar uma suposta legitimidade e enganar internautas.
O caso foi antecipado pela "Folha de S. Paulo". No Facebook, O GLOBO também identificou, por exemplo, 62 anúncios iguais pagos por uma mesma página, intitulada "O Desenrola Brasil". A página está rotulada na categoria de "Saúde/beleza" e fez quatro postagens, de imagens religiosas, a partir de 5 de julho. Desde esta terça-feira, porém, promove na rede social uma propaganda que promete liberar os descontos online.
De acordo com dados da biblioteca da Meta, controladora do Facebook, a página pagou entre R$ 3,5 mil a R$ 4 mil pelo impulsionamento dos anúncios, que foram vistos em tela de 125 mil a 150 mil vezes.
"30 MILHÕES de brasileiros com DÍVIDAS recebem GRANDE NOTÍCIA. Agora é Oficial, liberamos os descontos de forma online. Se você tem aquela pendência que tira o seu sono na hora de dormir, saiba que agora você pode realizar o acordo de todas elas com 99% de desconto!", diz o anúncio, que reproduz a imagem do presidente Lula, do SPC Brasil e da Serasa.
Ao clicar no anúncio, o internauta é direcionado para o site "desenrola-brasil.com", cujo certificado digital foi emitido em 13 de julho. No site, o usuário é instado a fornecer o nome completo e o CPF antes de clicar na opção "buscar acordo".
"REGULARIZE HOJE E SEU NOME ESTARÁ LIMPO E O SCORE ALTO EM MENOS DE 24 HORAS!", afirma o site, que reproduz imagens de um selo de "site seguro" do Google e o logo da Norton Security Ultra, especializada no combate a vírus, malware e outras ameaças on-line.
O mesmo texto do anúncio é reproduzido em uma leva de 108 posts patrocinados de uma página semelhante, nomeada "Desenrola Brasil". Neste caso, o Facebook diz ter recebido entre R$ 10 mil a R$ 15 mil para promover as postagens, já vistas mais de 500 mil vezes na plataforma.
A "Folha de S. Paulo" identificou um link falso patrocinado no Facebook que direciona o internauta para um chatbot de autoatendimento que faz perguntas e responde com promessas enganosas sobre o programa, como descontos de até 99% (o máximo anunciado até aqui é de 96%; detalhes abaixo). Já a Agência Lupa, por sua vez, alertou para a circulação de um link pelo WhatsApp que leva os usuários para um site falso, como se fosse da Serasa.
Golpes simulam site da Serasa
De acordo com especialistas em cibersegurança, os golpistas criam links falsos em anúncios em redes sociais, ou enviam endereços fraudulentos em mensagens no WhatsApp ou através de mensagens de texto de SMS.
Emilio Simoni, CEO AHT Security, ressalta que em uma das modalidades de golpe, depois que a vítima clica no link falso, o estelionatário tenta convencer a pessoa de que ela tem uma dívida e precisa pagar um valor aos criminosos para ter o acesso ao benefício do desconto na renegociação. Segundo ele, a propaganda incentivada ou patrocinada em redes sociais joga a vítima para um phishing (site falso) da Serasa:
-- O golpista fala que a pessoa tem uma dívida alta, e dá a opção de quitar a dívida por um valor baixo, que é onde ele pede os dados de pagamento -- destaca Emilio.
Primeira tela do golpe Serasa Desenrola Brasil — Foto: Reprodução
Tela do golpe Desenrola Brasil — Foto: Reprodução
Um relatório da Kaspersky mostra que 65% afirmam não saber comprovar se uma página online é verdadeira. Os resultados são do relatório "Impressões Digitais e sua relação com as pessoas e as empresas". De acordo com a empresa de cibersegurança, em 2022, o Brasil foi o país com mais ataques de phishing por WhatsApp no mundo.
Veja as orientações para evitar se tornar vítima do golpe
- Baixe apenas programas de fontes oficiais e pegue um breve intervalo para ler a descrição do programa, com informações sobre quem o desenvolveu e as avaliações de outras pessoas que já baixaram ele. Isso já irá evitar bastante que algum app malicioso seja instalado, porém isso não evita 100% dos casos.
- No momento da instalação, leia as notificações com atenção, principalmente as permissões que o programa solicita. Exemplo, se uma calculadora gratuita pedir para acessar histórico de navegação e contatos, desconfie!
- Esses dados não são necessários para fazer cálculos, portanto a intenção real dos criadores do app é obter dados pessoais.
- Fique atento a páginas falsas que visam roubar informações pessoais e financeiras. Para isso, leia com atenção o endereço da página.
- Caso haja erros de ortografia ou o nome do site não tenha relação com o nome da empresa/serviço que você quer acessar, desconfie e faça uma rápida busca para confirmar se o endereço está correto.
- Não ingresse seus dados antes da checagem.
Graziela Fortunato, especialista em Finanças Pessoais na Escola de Negócios PUC Rio, ressalta que no Desenrola o devedor é que deve procurar o credor, o seu banco, para renegociar. Além disso, é preciso desconfiar das promessas de facilidade:
-- No Desenrola, os bancos tendem a dar descontos ou renegociação com juros mais baratos. É como se uma empresa estivesse oferecendo uma promoção grande. Um indicador é que os bancos não procuram os bancos para renegociar. Quem procura é o endividado. Se alguém se apresenta em nome do banco, desconfie. Oferecer desconto e taxas de juros muito baixas, o devedor deve desconfiar. Ainda mais com a promessa de sair imediatamente da negativação. Descontos de 99% da dívida são sinais de fraude porque os bancos não estão oferecendo tudo isso -- alerta Fortunato.
Ministério Público vai investigar quadrilhas
O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) abriu, nesta quarta-feira, uma investigação para apurar golpes online envolvendo o Desenrola. De acordo com o MPMG, serão investigadas quadrilhas de criminosos que criam sites falsos, com símbolos do governo e do Desenrola, e promovem anúncios nas redes sociais para atrair pessoas interessadas em "limpar o nome".
O promotor de Justiça Mauro Ellovitch, coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate aos Crimes Cibernéticos, afirmou que o golpe leva a vítima a pensar que está pagando sua dívida com o credor, mas na verdade está pagando valores aos criminosos.
- O Ministério Público já está adotando as medidas preliminares, e recomenda que o público não clique em links envolvendo o programa Desenrola Brasil. Qualquer interesse em acessar o programa, a pessoa faça diretamente nos canais dos bancos, ou no site do governo Gov.br -- afirma Ellovitch.
Bancos não enviam propostas a clientes
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) alerta que as instituições financeiras não enviam comunicado para renegociar dívidas no Desenrola. Caso receba qualquer mensagem com o logotipo da entidade e/ou de bancos, o cliente deve descartá-la e entrar em contato com os canais oficiais do banco, como agência, internet banking e aplicativo bancário.
A Febraban esclarece que os interessados em renegociar as dívidas dentro do Desenrola só busquem informações dentro dos canais oficiais dos bancos que aderiram ao programa.
“É muito importante que o cliente não clique em links recebidos por aplicativos de mensagens, de redes sociais e em links patrocinados em sites de busca. Faça você mesmo o contato com o seu banco. Fique atento para que não sejam aceitas propostas de envio de valores com a finalidade de garantir melhores condições de renegociação das dívidas”, alerta Adriano Volpini, diretor do Comitê de Prevenção a Fraudes da Febraban.
A entidade ressalta que somente após a formalização de um contrato de renegociação é que o consumidor pode ter os valores debitados de sua conta, nas datas acordadas. Se a cobrança for feita em boleto, é importante checar na hora do pagamento se o mesmo está sendo feito realmente para a instituição financeira com a qual o cliente tem a pendência.
Governo reforça que não há intermediário
O Ministério da Fazenda informou que o interessado em renegociar as dívidas bancárias deve buscar informações com o próprio banco que tenha relacionamento e não aceitar nenhum intermediário, nem acessar nenhum link que não aquele informado pelo seu próprio banco.
As operações da Faixa 2 tiveram início em 17 de julho de 2023, e a participação dos bancos é voluntária, devendo os interessados se certificarem se seu banco oferecerá renegociação pelo Programa Desenrola Brasil. A Faixa 2 é voltada para pessoas com dívida negativada, com renda de até R$ 20 mil.
A pasta acrescenta que na Faixa 1 a renegociação terá início a partir de setembro, e toda negociação será feita exclusivamente pelo site GOV.BR. Será exigido acesso ao GOV.BR com os certificados Prata ou Ouro. De acordo com o governo, é importante os usuários providenciem seu cadastro no GOV.BR com a certificação necessária. A Faixa 1 é voltada para pessoas com dívida negativada com renda de até 2 salários mínimos ou que estejam inscritas no CadÚnico. Sobre a desnegativação de registros de até R$ 100, não é necessário que o cidadão adote nenhum procedimento. Os bancos habilitados farão a baixa dos registros diretamente nos birôs de crédito, sob a supervisão do Ministério da Fazenda.
Meta afirma não permitir práticas fraudulentas
Em nota enviada ao GLOBO, a Meta afirmou que não permite atividades fraudulentas na plataforma ou quaisquer outras que violem os padrões de comunidade e publicidade. A Meta disse, ainda, que combina a aplicação de tecnologia, a revisão humana e as denúncias de usuários para identificar conteúdos contrários às políticas do grupo.
"Temos ferramentas úteis que podem ser acessadas caso as pessoas tenham dúvidas sobre anúncios, Perfis ou Páginas que pareçam ser falsos. Um desses recursos é a Central de Ajuda do Facebook, que fornece uma série de dicas sobre como identificar algumas das atividades impróprias mais comuns na internet e o que fazer nessas situações. Além disso, recomendamos que as pessoas denunciem perfis e anúncios que acreditem que possam violar nossas políticas", diz a nota.
Serasa diz combater tentativas de fraude
A Serasa disse combater tentativas de fraudes por meio de denúncias e pela promoção de conteúdos educativos. A empresa destacou fazer renegociação apenas pelo site oficial, o Serasa Limpa Nome; o aplicativo oficial; e o WhatsApp (11) 99575-2096. "Qualquer forma de renegociar uma dívida da Serasa fora destes canais oficiais pode caracterizar uma tentativa de golpe", alerta a companhia.
Com a promoção dos links falsos, os criminosos buscam atrair endividados a plataformas e obter dados pessoais ou pagamentos daqueles que acreditam estar em contato com uma instituição financeira legítima.
No entanto, são os interessados em participar do Desenrola Brasil que devem procurar os bancos com os quais têm dívida até 30 de dezembro de 2023. Com isso, é considerado suspeito qualquer link que ofereça algum serviço de negociação, intermediação ou liberação de descontos não sendo das instituições financeiras que aderiram ao programa.
Quais bancos estão no programa Desenrola Brasil?
Confira a lista dos bancos que já aderiram o programa:
- Caixa
- Nubank
- Banco do Brasil
- Itaú
- Santander
- Bradesco
- Inter
O que é o Desenrola Brasil?
O Desenrola Brasil é uma iniciativa voltada para a renegociação de dívidas de pessoas físicas com renda de até R$ 20 mil. Ele foi criado pelo governo federal em parceria com instituições financeiras, por meio da Medida Provisória nº 1.176/2023.
Uma portaria publicada no dia 14 de julho definiu regras para diferentes públicos que serão atingidos pelo programa. Num primeiro momento, poderão ser renegociadas dívidas bancárias. Dívidas de consumo, como luz, água e até com lojas, poderão ser renegociadas em uma segunda fase.
Quando começa a valer o programa Desenrola Brasil?
O programa começou a valer na última segunda-feira, dia 17 de julho. As pessoas endividadas com bancos já podem procurar diretamente as instituições financeiras para renegociar débitos em condições mais vantajosas. A expectativa é atender 30 milhões de pessoas nesta etapa. A segunda etapa está prevista para setembro, com o início da operação da plataforma digital.
Como faço para entrar no programa Desenrola Brasil?
O programa abrange três públicos:
- Devedores com débito de até R$ 100, que poderão limpar o nome nesta semana;
- Público-alvo da faixa 1, com renda de até dois salários mínimos e débitos de até R$ 5 mil, que contará com uma plataforma digital em setembro;
- Faixa 2, que abrange brasileiros com renda de até R$ 20 mil e dívidas bancárias, que poderá renegociar débitos em condições mais vantajosas nesta semana.
Os brasileiros enquadrados na Faixa 2 não poderão renegociar as dívidas com lojas ou prestadoras de serviços púbicos, como água e luz. As dívidas não bancárias serão englobadas apenas para aqueles que estão na Faixa 1.
Fonte: O Globo