Estudo da USP mostra que dinheiro em caixa das prefeituras teve aumento de 3.600%, e recursos para áreas como habitação, saneamento e transporte dobraram
Entrega de novos ônibus pela prefeitura de Jundiaí (SP): investimentos das prefeituras dobraram entre 2018 e 2020 Prefeitura de Jundiaí/Divulgação (18/06/2023)
Uma junção de menor avanço de despesas como salários de servidores, que ficaram congelados, e aumento na arrecadação de impostos, que disparou com a inflação, fez com que os municípios brasileiros acumulassem um caixa recorde nos anos de pandemia e duplicassem os seus níveis de investimentos.
A melhora das contas também fez com que a avaliação de crédito dos municípios, calculada pelo Tesouro Nacional, melhorasse, e o número de cidades com notas A e B mais que dobrou.
Essas são algumas das principais conclusões de um levantamento das finanças municipais feito pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEM) da Universidade de São Paulo (USP).
Habitação, saneamento e transporte, além de saúde e educação, que têm verbas mínimas obrigatórias, estão entre as áreas que receberam os maiores aumentos de recursos desde 2018.
“São áreas que estiveram em dificuldade nos últimos anos, e, com o aumento de caixa, as prefeituras devem ter conseguido dar conta delas”, diz uma das coordenadoras do estudo, Ursula Peres, pesquisadora do CEM e professora do curso de Gestão Pública da USP.
“Não dá para saber se estão fazendo direito ou não, se os projetos são bons, mas sabemos que são investimentos de que o Brasil precisa”, acrescentou Ursula, que já trabalhou nas secretarias de Finanças e de Orçamento da cidade de São Paulo.
Arrecadação cresceu mais que gastos
A pesquisa analisou e comparou os níveis de receita, gastos e caixa de um conjunto de 600 cidades com mais de 50 mil habitantes no país em 2018 e em 2022 – ambos anos de eleição presidencial, antes e depois da pandemia.
Juntos, esses municípios reúnem o grosso da população e da riqueza do país.
A receita corrente líquida deles, formada pela arrecadação de tributos e por repasses da União, teve, no total, um aumento de 24% na comparação de 2022 ante o resultado de 2018, já considerado o crescimento acima da inflação.
As despesas com pessoal e encargos sociais, por sua vez, subiu menos da metade disso, 10%, também acima da inflação.
É nessa rubrica que entram os recursos destinados pelas prefeituras para os salários e aposentadorias de servidores ativos e inativos, tradicionalmente o maior gasto dos governos locais.
Congelar o salário de servidores e aplicar outras medidas de ajustes foram algumas das contrapartidas exigidas dos estados e municípios pelo governo federal, em 2020 e 2021, para que pudessem receber os recursos emergenciais de ajuda que foram dispensados durante a pandemia.
O estudo também destaca o fato de ter avançado o número de municípios que fizeram suas próprias reformas da Previdência local de lá para cá, racionalizando, também, esse gasto.
Caixa 3.500% maior
Como a arrecadação cresceu bem mais rápido do que as principais despesas, a proporção entre os gastos com folha de pagamento e a receita caiu. Ela passou de 51,4% em 2018 para 45,5% em 2022.
Como resultado da folga no orçamento, o caixa acumulado atingiu níveis jamais vistos: o dinheiro em caixa, considerado o total dos 5.658 municípios brasileiros, saiu de R$ 941 milhões, em 2018, para R$ 34,4 bilhões em 2022.
É um aumento de 3.500%. Quer dizer: o dinheiro disponível para as prefeituras gastarem se multiplicou por 36.
Os dados são do Banco Central e foram compilados pelos pesquisadores da USP, já considerados valores atualizados pela inflação.
O dobro em investimentos
Com dinheiro sobrando, os investimentos dispararam.
O estudo do CEM verificou que, no conjunto dos 600 municípios que analisou, as despesas com investimentos foram as que mais cresceram nesse período.
A alta foi de 94%: os valores saíram de um total de R$ 21,3 bilhões em 2018, considerado o conjunto dos municípios somado, para R$ 41,2 bilhões em 2022.
“Grau de investimento”
A avaliação da situação financeira deles também melhorou.
“Em 2018, havia 1.314 municípios com notas A e B e que, portanto, conseguiam acessar operações de crédito”, diz Ursula. “Agora, são 3.329.”
Essa avaliação de crédito é feita pela Secretaria do Tesouro Nacional por meio do Capag, sistema de avaliação da Capacidade de Pagamento dos estados e municípios.
É um sistema parecido ao das agências de avaliação de crédito, que analisam o risco de calote dos países e avaliam se eles têm ou não grau de investimento.
As notas do Capag vão de A a D, e os governos locais com as notas mais altas podem pegar empréstimos com garantia da União.
Isso dá a eles uma facilidade muito maior no acesso a crédito para investimentos e outras despesas.
Arrecadação turbinada pela inflação
Ursula, do CEM, explica que o salto na arrecadação foi ajudado, em boa parte, pela inflação e pela disparada no preço das commodoties durante a pandemia, como aconteceu, por exemplo, com o petróleo e, com ele, os combustíveis.
Esse efeito faz com que os impostos coletados subam com o preço dos produtos e serviços em que são aplicados.
A receita com ICMS, por exemplo, que é recolhido pelos estados e repassado, proporcionalmente, aos municípios, cresceu 11% entre 2018 e 2022, com ajuda do aumento de alguns dos principais itens que pagam esse imposto e que ficaram bem mais caros no período: a gasolina e a conta de luz.
A arrecadação do ISS, aplicado pelas próprias prefeituras sobre serviços, avançou 28%.
Os recursos que são pagos pelo governo federal às prefeituras, por meio do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), também tiveram um salto expressivo, de 40%.
O FPM é alimentado pelo dinheiro arrecadado pela Receita Federal com o Imposto de Renda (IR) e o IPI e que deve, em parte, ser repassado aos municípios.
“Se a arrecadação do IR cresce, o fundo cresce”, diz Ursula. “E a União teve uma arrecadação extraordinária com IR no ano passado, com a alta das commodities e da inflação. E os municípios receberam parte disso.”
Fonte: CNN Brasil