Por muito tempo acreditamos que esse tipo de atividade poderia inibir o crescimento ou provocar lesões; veja o que a ciência diz atualmente
Treinamentos de força devidamente supervisionados podem melhorar o desempenho atlético, reduzir lesões e melhorar a saúde de crianças / Freepik
Crianças podem fazer musculação? Apesar de ser criticado em muitos círculos e ser uma preocupação de muitos pais, estudos afirmam que os pequenos devem fazer atividades físicas moderada ou vigorosa.
Álvaro, que hoje tem 22 anos, começou a fazer musculação aos 11.
"No começo foi muito progressivo. Aprendi a técnica dos exercícios: primeiro com o próprio corpo, depois com halteres e roldanas. Pulei caixas, escada colorida, joguei bola. Quase derrubei uma parede e destruí um quadro",diz ele aos risos. "Disseram que eu ficaria pequeno, que os meus músculos não me deixariam crescer, mas os meus pais ouviam mais ciência do que mexericos."
Por muitos anos, acreditou-se que as forças produzidas pelo treinamento causavam danos ao esqueleto imaturo das crianças e, portanto, levavam a lesões por inibir o crescimento ósseo, porém, segundo estudos, ocorrer esses problemas durante esta e outras atividades relacionadas são relativamente baixas.
Dados científicos publicados recentemente apoiam que programas de treinamento de força devidamente prescritos e supervisionados podem melhorar o desempenho atlético, reduzir o potencial de lesões e melhorar a saúde de crianças.
Existem muitos mitos em torno dos pequenos e do desenvolvimento da força."Como meu filho vai mexer uma barra, nem se ele for levantador de peso", já ouvi uma vez. Talvez parte da lenda urbana se alimente de pensamentos como este.
A força é a mãe das capacidades físicas e está presente em todas as ações do nosso dia a dia, inclusive no dos pequenos. Seu filho se levanta da cadeira, carrega a mochila, caminha, sobe escadas? Ele realiza essas ações graças ao seu sistema neuromuscular, por força. Musculação é um termo geral usado para descrever exercícios que fazem com que os músculos se contraiam contra a resistência externa.
Entretanto, diretrizes de exercícios para adultos devem ser evitadas para crianças. Ao invés de levantar peso com halteres, eles devem: chutar uma bola, escalar e pular. Todos eles são gestos que exigem a geração de força para realizá-los. Os instrumentos e dispositivos que fornecem resistência externa podem incluir o peso do próprio corpo, elásticos, tijolos, garrafas de água, bolas, cordas, e até mesmo pesos, halteres ou balanços.
Organizações como a NSCA — National Strength Conditioning Association (Associação Nacional de força e condicionamento, em tradução livre), em seu último manual reconhece que é importante incentivar os pré-adolescentes a praticar 60 minutos ou mais por dia de atividade física moderada ou vigorosa ao ar livre ou em atividades escolares.
O parque: lugar de brincar e treinar
Você já parou para observar meninos e meninas em um playground ou em um parque? Eles correm, engatinham, escalam, sobem e descem escorregadores, pulam em tapetes e bancos, empurram balanços. Tudo isso implica um trabalho de força.
Eles brincam de "polícia e ladrão”, “pega-pega”, que são práticas caracterizadas por exercícios curtos e vigorosos. Isso apoia a ideia de que o padrão de atividade natural das crianças é caracterizado por episódios esporádicos de atividade de intensidade moderada ou vigorosa, com breves períodos de atividade de baixa intensidade ou descanso conforme necessário.
Como o NSCA admite, é um erro supor que as crianças são inativas apenas porque não praticam atividade física contínua. A maioria das crianças prefere não fazer longos períodos de treinamento. atividade de resistência aeróbica contínua, como correr pelo quintal por 30 minutos sem parar.
Além disso, as adaptações cardiorrespiratórias, como o aumento da capacidade aeróbica, podem ser menos perceptíveis em crianças em comparação com adultos mais velhos, conforme corroboram revisões como a publicada na revista Sports Medicine.
O treinamento intervalado de alta intensidade (HIIT), caracterizado por sessões curtas de exercícios de intensidade vigorosa, é mais parecido com o padrão usual de atividade das crianças, portanto, pode ser um método viável e eficiente em termos de tempo para melhorar sua saúde cardiometabólica.
Benefícios
Os benefícios do treinamento de força vão desde mudanças fisiológicas diretas, como aumento da força muscular, densidade óssea ou melhora da função cardiovascular, até mudanças indiretas na mobilidade, redução da dor, prevenção de lesões ou autoconceito.
- Maior força. A criança poderá chutar uma bola, pular, correr, empurrar uma resistência, como um balanço, ou uma porta. Os ganhos relativos observados nas meninas podem ser maiores do que nos meninos porque os níveis de desempenho neuromuscular basal são em média mais baixos, mas as meninas demonstraram melhorar as medidas de força em até 92% com apenas 6 semanas de treinamento.
- Melhora o desempenho das habilidades motoras. A criança se movimentará melhor, terá mais controle do seu corpo. Por exemplo, você poderá se levantar, se abaixar, carregar sua mochila e realizar as tarefas do dia a dia com muito mais eficiência e segurança. Programas de treinamento, que também incluem pliometria (educação sobre técnicas de salto e aterrissagem), equilíbrio postural e controle da posição do corpo (propriocepção) melhoram a biomecânica do movimento e força das extremidades inferiores.
- Mais densidade mineral óssea. O treinamento com pesos promove a formação óssea.
- Beneficia a composição corporal, o perfil lipídico e a sensibilidade à insulina. É um fator preventivo contra o sobrepeso, a obesidade e suas patologias associadas.
- Risco reduzido de lesões. Com base nas descobertas atuais, o treinamento de força pediátrico tem baixo risco de lesões em crianças seguindo as diretrizes apropriadas para a idade.
- Estimula uma atitude mais positiva em relação à atividade física. Bons hábitos de saúde estabelecidos durante a infância podem ser levados para a idade adulta. Sessões de treinamento bem-organizadas que dão às crianças a oportunidade de experimentar a pura diversão do exercício podem ter efeitos duradouros em sua saúde e bem-estar. Portanto, o objetivo dos programas de condicionamento físico para jovens deve ser não apenas envolvê-los em atividades e jogos apropriados para a idade, mas também conscientizá-los sobre os benefícios e o valor intrínseco do exercício, para que se tornem adultos que o praticam regularmente.
É importante ressaltar que crianças podem entrar em uma academia, mas não devem fazer os exercícios ou realizar treinamento de força sozinhos, sem a orientação de um profissional qualificado, pois o uso inadequado de equipamentos ou pesos pode causar lesões. Segundo os estudos, as variáveis que devem ser levadas em consideração na elaboração de programas de treinamento resistido pediátrico incluem: aquecimento, desaquecimento, seleção, ordem dos exercícios, intensidade e volume do treinamento, intervalos de descanso e velocidade de execução.
Estas são algumas diretrizes de treinamento coletadas pela NSCA:
- Supervisão e orientações devem ser fornecidas por adultos qualificados.
- O ambiente de treinamento deve ser seguro e livre de perigos.O treinamento de força deve ser precedido por um aquecimento dinâmico de 5 a 10 minutos.
- Comece com 1 ou 2 séries de 8 a 12 repetições de exercícios variados.
- Incluir exercícios para a parte superior do corpo, parte inferior do corpo e núcleo.
- Aumente o peso gradualmente (por exemplo, 5-10%) à medida que melhora a proficiência nas habilidades de treinamento de força.
- Faça treinamento de força dois ou três dias não consecutivos por semana.
- As crianças devem fazer um relaxamento com ginástica menos intensa e alongamento estático.
- Varie o programa de treinamento de força ao longo do tempo para otimizar o ganho de força e evitar o tédio.
Fonte: O Globo