Em Iúna, na Região Sul do Espírito Santo, um grupo de músicos se apresenta há 8 anos em velórios para homenagear a pessoa que morreu e levar aconchego aos familiares.
Considerado um momento crucial para a vivência do luto, os velórios muitas vezes são associados à tristeza da perda de alguém. Mas em Iúna, no Sul do Espírito Santo, um grupo de músicos e um repentista tornam a despedida do ente querido menos dolorosa, na medida do possível. Há cerca de oito anos, basta um convite do familiar e lá estão eles: com violão, violas, sanfonas e versos improvisados, eles cantam para a homenagear o morto.
O radialista e locutor Edmar Henrique da Costa, de 56 anos, é o responsável pela iniciativa. Inclusive, ele também é o repentista das apresentações e contou que a primeira homenagem foi realizada em 2015, quando chamou mais um músico para ir com ele para a porta do cemitério municipal homenagear um gerente de uma loja da cidade que havia falecido.
"Neste dia, só fui eu e mais uma músico. Nós ficamos lá na frente e fizemos uma homenagem, bem simples. Eu sou capixaba, mas meio mineiro, eu tenho criatividade de fazer versos na hora e deu tudo certo", lembrou Edmar.
Apesar de ser conhecido por toda a cidade como "Acanhado", apelido que ganhou durante uma apresentação de calouros na adolescência e que significa uma pessoa tímida, o repentista disse que é o mais corajoso dos músicos e sempre está à frente dos demais, mesmo sem querer, organizando as apresentações.
"Eu chamei na primeira vez. Na segunda, os músicos já perguntaram se teria como ir. Quem perguntava sobre as homenagens, eles também pediam para falar comigo. Sempre recebemos todos os músicos, a única condição é que não pode estar bêbado, porque no velório está a família de uma pessoa que morreu, um público totalmente diferente de uma festa", disse Acanhado.
Repertório livre e variado
Apresentação de músicos e repentistas em velório no ES — Foto: Reprodução |
Edmar destacou ainda que as músicas cantadas não são pré-estabelecidas, assim como nenhum dos músicos vai com roupa combinando ou obrigatoriamente usando preto. A maioria das músicas, no entanto, são do mundo sertanejo.
"A gente vai e sente o momento. Tiveram vezes que cantamos apenas uma música, e repetimos várias vezes. Cantamos 'Andorinhas', 'De volta pra minha terra' e outras, por exemplo", disse.
Mas quem pensa que só há apresentação de música durante os velórios em que os músicos são convidados está enganado.
De acordo com o Acanhado, o grupo faz um momento de reflexão. O próprio locutor, por exemplo, apresenta alguns versos improvisados (assista vídeo acima) e, aí sim, vem a cantoria em ritmo de sertanejo.
"Velório você sabe, né?! Aquele clima... Quando nos apresentamos, a família da pessoa que está sendo homenageada abranda um pouquinho o coração. Não é só cantar, a gente fala um pouco do que a pessoa fazia. É um momento íntimo, que fica marcado. Parece que a pessoa está totalmente desprotegida, e se sente amparada", disse Edmar.
Ao todo, são cerca de 30 minutos em que os músicos ficam nos velórios. Em meio à tristeza, a cantoria levada por eles também desperta uma certa animação no ambiente. Em um dos velórios, por exemplo, o filho da mulher que havia falecido queria que a apresentação continuasse.
"Acho que ele 'esqueceu' que estava no velório da mãe e queria que a gente tocasse mais. A gente que teve que parar... Lembro que ele falou: 'Não, tá bom demais, toca mais'", disse.
"Canta no meu velório?"
Músicos e repentista animam velórios ao som de violas, sanfonas e cultura sertaneja no ES — Foto: Reprodução |
De apresentação em apresentação, o grupo - que, na verdade, são todos músicos independentes que, muitas vezes, não tocam e nem cantam juntos de forma profissional - já se apresentou seis vezes desde 2015.
Apesar de o número de velórios ter sido pouco desde a primeira vez, a fama das apresentações nos velórios já repercutiu na cidade. Vez ou outra alguns pedidos inusitados são feitos a Edmar.
"Tem umas pessoas que, quando tomam cerveja, dizem: 'o dia que eu morrer quero que toque sanfona a noite inteira'. Mas aí a gente nem estica muito o assunto. Mas já tiveram algumas pessoas que, bem sóbrias, vieram me pedir: 'canta no meu velório?'".
E da mesma forma que os convites surgem despretensiosos e que o grupo vai aos velórios somente com o desejo de homenagear a pessoa que morreu e levar aconchego no momento da despedida, Edmar disse que nenhum valor é cobrado pelas apresentações.
"Nunca recebemos nada e nem é a nossa intenção. Às vezes, as pessoas perguntam se tem despesa, mas a gente não precisa também de nenhum ajuda. Até porque se a gente cobrar, já perde a química. Como que vai homenagear alguém que morreu e ainda vai cobrar?", finalizou.
Fonte: G1