Empreendedora vendia acarajé de porta em porta no Recife e hoje faz sucesso com restaurante 'hypado'

Pandemia quase acabou com o negócio de Dona Carmem Virginia, mas trouxe oportunidades alavancadas por famosos que a seguiam nas redes sociais

Dona Carmem Virginia Rogério Gomes

Aos sete anos de idade, a pernambucana Carmem Virginia foi escolhida pelos orixás para ser iyabassé – a pessoa responsável por preparar as comidas sagradas do candomblé. Já adulta, a empreendedora passou a vender acarajé e caranguejada de porta em porta, em Recife, para se sustentar. Hoje, 15 anos depois, ela é o nome forte por trás de um dos restaurantes de São Paulo mais comentados do momento, o Altar Cozinha Ancestral.

Dona Carmem Virginia, como é conhecida, nasceu numa família de grandes cozinheiras. A avó era merendeira em escola pública e as tias são conhecedoras do repertório culinário. Dos sete aos 14 anos, foi preparada pela família de santo para alimentar os orixás e seus ancestrais nas festas do terreiro. Mas foi só na adolescência que pôs em prática tudo o que aprendeu e começou a colecionar fãs da sua comida.

Nem sempre ela esteve envolvida com o fogão. Formou-se como técnica em Rádio e TV e, por um bom tempo, foi vendedora de plano de saúde e seguro de vida – “das boas, campeã de vendas”, como define. Também enfrentou um longo processo de depressão, o que provocou uma pausa na vida profissional.

Sua veia empreendedora sempre esteve ligada aos alimentos. Além de vender comida pelas ruas recifenses, fazia pratos sob encomenda. Havia, porém, o desejo de ter um negócio próprio, até porque seus clientes clamavam por um local em que pudessem experimentar outras iguarias feitas por suas mãos.

A decisão de investir em seu próprio restaurante ganhou forças após uma noite de sono. “Sonhei com meu orixá diante de uma mesa e ele dizia que ali estavam todas as comidas, que era um grande altar”, relata, revelando a origem do nome do estabelecimento.

Clientes da Dona Carmem clamavam por um local em que pudessem experimentar outras iguarias feitas por suas mãos — Foto: Rogério Gomes

Demorou um ano e oito meses até Dona Carmem, finalmente, abrir seu negócio no bairro Santo Amaro, região central de Recife, onde nasceu. Não havia dinheiro para investir no empreendimento. Para conseguir o valor de R$ 15 mil, a chef contou com o apoio financeiro de pessoas próximas.

Seu atual marido, que já era o pai de santo do terreiro que frequenta, comandava um grupo percussionista do qual ela faz parte, o que também ajudou na arrecadação. “Nos apresentamos em carnavais, em eventos. Ele juntou o dinheiro de um carnaval inteiro e os meninos do meu terreiro abriram mão dos seus cachês para me ajudar. A gente fez aquilo que uma família de axé faz: ajudou o outro a realizar os sonhos”, relata.

Quando inaugurado, nove anos atrás, o Altar recifense tinha 35 lugares. O esquema era caseiro: a filha adolescente fechava as contas e sua mãe atendia as mesas – quando não estava no hospital tratando um câncer de mama descoberto junto da inauguração. Os filhos de terreiro igualmente ajudavam. “Meu filho pequenininho estava sempre ao redor das mesas. Era uma coisa bem familiar mesmo”, diz.

O empreendimento mudou para uma casa maior, na mesma rua, com capacidade para 64 pessoas. A fama de Dona Carmem e do restaurante foram crescendo. Ela passou a ser reconhecida pelo trabalho, sendo, inclusive, convidada como jurada em programas de TV. A pandemia, porém, veio assoladora. “Não tinha capital, não tinha banco para recorrer, não tinha nada”, lembra.

Mais uma vez, os amigos apareceram para ajudá-la a segurar as pontas. Famosos como Rodrigo Hilbert, Taís Araújo e Lázaro Ramos desembolsaram dinheiro para que ela mantivesse o restaurante fechado durante oito meses, sem necessidade de dispensar funcionários, e cobrindo as despesas da chegada da neta.

Foi nesse ínterim, também, que outra grande oportunidade surgiu. Zé Ricardo, vice-presidente artístico do Rock in Rio e The Town, recorreu à Fátima Pissarra, empresária do ramo de influência e entretenimento, para ajudar Dona Carmem. A chef pernambucana entrou para o time da agência Music2/Mynd e começou a ganhar dinheiro com publicidade.

Paralelamente, ela apostava nas redes sociais para alcançar mais público. Aproveitou a visibilidade do programa BBB e viu ali uma oportunidade de fazer vídeos ao vivo ensinando as pessoas a usarem alimentos associados à xepa – fígado, bucho e miúdos. Fazia receitas brasileiras e internacionais, durante duas horas, todas as quintas-feiras.

As lives, batizadas de Cozinha de Quinta, são realizadas até hoje, dentro do seu restaurante. “Isso trouxe tanta coisa boa para minha vida! E eu nem sabia que podia usar essa ferramenta de rede social a meu favor”, admite. Em apenas dois meses, ganhou mais de 200 mil seguidores e segue crescendo.

A visibilidade também a trouxe de novo para a TV. A chef apresenta um programa no GNT, chamado Senhora Panela, gravado em Pernambuco, e segue o mesmo formato das lives nas redes sociais: ela recebe amigos para cozinhar, conversar e, quando são artistas, rolam até pocket shows.

A ideia de trazer o Altar para São Paulo não foi de Dona Carmem. No novo empreendimento, ela é sócia de Fátima Pissarra e da cantora Luísa Sonza. “Nunca sonhei com isso. Se eu não tinha dinheiro lá atrás para montar meu restaurante no Recife, ia ter pra trazer pra cá? Essa história é de Fátima, que disse que ia levar minha comida para todo que é lugar”, relata.

Dona Carmem Virginia — Foto: Rogério Gomes

Foi num jantar na casa da artista que a empresária lançou a ideia. Na hora, Luísa topou investir para abrir a unidade paulista. Juntas, Fátima e Luísa aplicaram R$ 2 milhões para o lançamento do restaurante, aberto no início de março deste ano, seis meses depois daquela reunião das três sócias à beira da mesa. “Até hoje não acredito quando entro e vejo tudo o que eu conquistei”, afirma a chef.

A unidade paulistana no Altar está localizada na Vila Madalena e se tornou reduto de famosos – amigos de Dona Carmem – e de apreciadores da boa comida. O propósito segue a linha da casa pernambucana: alimentar corpo, alma e, sobretudo, o conhecimento sobre a cultura afro-brasileira. Com capacidade para 90 lugares, tem equipe composta por 70% de profissionais pretos.

Artistas majoritariamente nordestinos decoraram o espaço, repleto de símbolos que valorizam a cultura afro-brasileira, inclusive um baobá ao centro do salão. O novo endereço inclui bar, restaurante e mercearia. No cardápio, os pratos levam nomes de orixás, de familiares e de amigos. Entre os mais vendidos estão “Galinha cabidela da minha avó” e “Empadas de vatapá com camarão e queijo do reino Lazinho e Taís”.

Os planos de expansão são grandes. Em São Paulo, a ideia é ter extensões menores do Altar em pontos específicos, onde serão vendidos os dois pratos mais festejados: Groove do Zé do Mar (arrumadinho de feijão verde, polvo, camarões, lula, bacon, queijo, farofa de dendê e vinagrete) e Acarajé (servido com vatapá, camarões secos e molho lambão).

Para o restaurante na capital pernambucana, a chef quer dar a mesma estrutura existente em São Paulo. “Recife é o grande amor da minha vida, é onde minha família vive. Quero dar ao Altar o mesmo brilho que temos em São Paulo, já que a alma ele já tem”, defende.

Há planos, ainda, de abrir uma unidade no Rio de Janeiro e outra em Los Angeles. A sociedade entre o trio promete ir longe. “Essa sociedade deu muito certo, porque juntamos a fome com a vontade de comer”, brinca. O faturamento na casa tem oscilado em torno de R$ 800 mil. Em setembro, a expectativa é chegar a R$ 1 milhão.

Nesses primeiros meses de vida do restaurante paulista, Dona Carmem passa vinte dias na capital paulista e outros dez em Recife. “É importante eu estar mais aqui [em São Paulo] nesse momento. E, no Recife, não tenho conseguido seguir a rotina. Faço menos do que eu queria, mas os orixás sabem que isso é projeto deles e entendem [a ausência]”, finaliza.

Fonte: Revista PEGN

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