Viagens luxuosas, bolsas de grife, mesadas de R$ 40 mil: sugar daddy e babies contam como funciona o amor movido a grana


Viagens luxuosas, mesadas de R$ 40 mil, bolsas de grife e R$ 500 só para comprar uma pizza. Uma modalidade de "romance" na qual o dinheiro tem papel crucial não para de crescer: o relacionamento sugar.


Em inglês, sugar baby significa "bebê de açúcar". A expressão nasceu nos Estados Unidos, no início do século 20, para definir a relação entre um homem mais velho e rico, o daddy (pai em inglês), que banca uma mulher jovem, a baby. Para psicanalistas, por trás disso pode haver um desejo inconsciente de se relacionar com pais ou mães provedores (no caso das sugar mommies, que bancam rapazes mais novos).


Movido a grana, o relacionamento sugar tem como principais características:
  • Uma das partes está consensualmente disposta a arcar com despesas da outra pessoa.
  • O homem, que é mais velho e bem-sucedido financeiramente, acaba desenvolvendo uma relação amorosa com uma mulher muito mais jovem.
  • Existem diversos sites de namoro e aplicativos especializados nesse tipo de romance.

O g1 conversou com três babies, um sugar daddy, uma advogada, um psicanalista e o representante de um site de relacionamentos sugar para entender essa dinâmica nos dias de hoje. 


As impressões gerais são:
  • Babies querem desfazer o estereótipo que atrela esse relacionamento a prostituição e exploração sexual.
  • Elas reforçam que vivem um relacionamento comum com seus daddies, mas também enxergam a relação como uma oportunidade para crescer financeiramente.
  • Já o daddy alega que o dinheiro facilita a sua interação com uma mulher mais jovem e "corta" etapas da conquista.
  • Não se trata de exploração sexual porque esses relacionamentos dizem respeito somente ao casal, segundo a advogada. 

O que dizem as 3 babies e o daddy


"No nosso primeiro encontro, passamos uma semana no Palácio Tangará, aqui em São Paulo. Ele me levou para fazer umas comprinhas: Burberry, Channel, Saint Laurent, tudo com que todas as mulheres sonham", conta a influencer e coach de relacionamentos Julia Dias, de 30 anos, que se define como sugar baby.

Ela não tem pudor em falar que só quer se relacionar com homens ricos. "Quando eu era mais nova, observava as amigas da minha mãe reclamando de aluguel atrasado ou que não tinham dinheiro para algo. Para mim o problema dessas mulheres era a falta de dinheiro. Foi algo bem enfatizado na minha vida", lembrou.

"Imagina você fazer uma viagem romântica na fila da classe econômica, comendo uma marmitinha horrível, em um voo lotado. Não dá. Chegar ao lugar e ainda ter que dividir o quarto em um hostel com um monte de gente, passando pelas melhores vitrines do mundo sem ter condições de comprar nada. Quem quer essa vida?", comenta Julia Dias.

A empresária e massagista tântrica Talita Gois, de 35 anos, outra baby, afirma: "É um relacionamento comum, só que mais direcionado. Se eu tivesse conhecido meu namorado em um local 'comum' - fora do mundo sugar -, ele só iria demorar mais para me dar dinheiro".

"A visão que as pessoas têm hoje, que eu considero errada sobre o relacionamento, é a questão da submissão da mulher, que estaria ali por obrigação ou por causa de uma bolsa, uma viagem. Nunca é só alguma coisa. Tem todo o resto da relação. Por mais que seja uma relação superficial, são dois corpos, são duas pessoas."


A influencer Leticia Plum, de 34 anos, já teve quatro relacionamentos sugar. Atualmente, vive um que ela classifica como "comum".

"A principal diferença é que, em um relacionamento sugar, você já espera por coisas, presentes, um jantar mais chique, viagens. Já em um relacionamento normal existe uma divisão de coisas com a qual já estamos acostumados", explica.


O advogado Fernando Latorre entrou no mundo sugar em busca de um relacionamento amoroso depois de ter se separado após cinco anos de casamento — que acabou, diz ele, porque a pandemia dessincronizou a relação. Passado o que chamou de "período de luto", recorreu a aplicativos voltados ao segmento.

Formado pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em direito internacional e especialista em direito legislativo, Latorre está há décadas imerso no mundo jurídico, onde reina o conservadorismo. Aos 50 anos, nada disso o impede de ser um daddy "assumido".

"Não estou fazendo nada de errado como sugar daddy, não estou explorando ninguém. Quando me perguntam o que ganho com isso, [eu respondo que] com a força da minha condição econômica, ganho a chance de uma mulher interessante me ver. Numa boate, seria diferente. Agora, se ela vai gostar ou não, é outra história."


Ele lembra que, antes de conhecer o novo "conceito", tinha "preconceito com homens mais velhos saindo com mulheres mais novas". "Achava feio e até falava que o cara estava comprando a menina. Não via esse tipo de relação de nenhuma forma com bons olhos."

Nos aplicativos, o advogado conheceu uma mulher mais nova, que mudou tudo.

"Comecei a entender que é uma forma de cortar etapas para conhecer uma pessoa de forma mais fácil. Não tem aquela história de ir para uma balada, tentar interagir com uma mulher. O jogo está dado, você sabe o que a pessoa quer, e ela sabe o que você quer."


R$ 500 para uma pizza


Leticia Plum descobriu o relacionamento sugar quando estava morando em Los Angeles. Na época, conheceu um homem de 66 anos em um aplicativo de relacionamento.

"Saímos algumas vezes, ele me levava para comprar roupas e, no terceiro encontro, me convidou para uma viagem para a Itália. Topei, né? A gente continuou se relacionando, mas eu voltei para o Brasil. Ele já veio para o Brasil me visitar, já fomos para Argentina e Uruguai juntos, mas acabamos nos separando."

A influencer chegou a receber de um sugar daddy R$ 500 para pagar uma pizza. "Eu estava com fome, a gente estava conversando, aí eu falei: 'Poxa, me paga uma pizza?'. Nisso, ele me mandou um pix de R$ 500. Falei: 'Cara, onde você está pedindo pizza?'. Ele me disse para pedir a melhor da cidade", lembrou.

Quando eles saíram pela primeira vez, antes de se encontrar pessoalmente, o mesmo daddy chegou a mandar um pix de R$ 10 mil para Leticia (veja foto acima).

"Ele ia para minha cidade me ver no dia seguinte. Acordei, mandei mensagem para ele. De repente, chega um pix de R$ 10 mil. Só sentei e falei: 'Será que estou vendo o tanto de zeros certo?'", brincou.

"À noite, ele foi me buscar, chegou num Porsche amarelo, daqueles que ficam grudados no chão. A gente acabou ficando uns dois, três meses juntos. Ele me mandou depois outro pix de R$ 10 mil, também investiu no meu curso. A gente é amigo até hoje."


'Não posso me relacionar com homem pobre'


"Eu não posso me relacionar com um homem pobre. Eu vou acabar com a minha vida se eu me relacionar com um cara que não tem dinheiro", afirma Julia Dias.

A coach de relacionamentos é de Salvador e conta que uma das suas principais motivações para entrar no mundo sugar foi ter tido dificuldades financeiras na infância. Tinha 19 anos quando conheceu seu primeiro daddy.


"Eu já me interessava por homens mais velhos e queria um homem que fosse provedor. Então, isso foi um divisor de águas para mim. Foi com ele que eu entrei nas lojas que sonhava em entrar", diz.

Quando questionada se o relacionamento sugar tira sua independência como mulher, Julia responde que, com o dinheiro, teve liberdade. "É uma grande ilusão as pessoas que pensam que têm liberdade sem dinheiro. Tenho liberdade quando tenho dinheiro, porque posso comer o que quero, ir aonde quero, posso fazer o que quero, inclusive não fazer nada", defende.

Julia diz que já conheceu cerca de dez países com relacionamento sugar, fez uma faculdade e até abriu seu próprio negócio.


'Não existe separação entre sentimento e dinheiro'


Para Julia Dias, não existe separação entre dinheiro e sentimento num relacionamento sugar.

"Sou uma mulher que gosta de ser conquistada. Óbvio que a conquista exige dinheiro. Se estou gostando de você, se estamos saindo, espero que me leve em um restaurante bacana, peça um vinho bom, um champanhe", afirma.

"No segundo ou terceiro encontro, ele vai chegar de mãos vazias? Não. Ele vai trazer uma joia, alguma coisa que sabe de que eu gosto, além de flores. Tudo isso envolve dinheiro."

Talita Gois, que atualmente namorada um sugar que conheceu pela internet (e que é mais novo que ela, apesar de daddy) conta: "Ninguém vai começar uma relação e falar: 'Não vou me apaixonar, não vou me envolver'. Não existe isso. Independentemente de como ela for, você está ali disposto a se envolver emocionalmente".

"Quando a gente se conheceu, foi tudo muito natural. Ele ficou curioso sobre a minha vida e abertamente eu falei que buscava alguém que bancasse minhas coisas, que cuidasse da minha parte financeira e dos meus gastos fixos, que é o dobro de R$ 20 mil por mês. Ele tem acesso à minha planilha de gastos, que atualizo sempre."

Talita tem dois filhos e, atualmente, é embaixadora do site MeuPatrocínio. Ela também entrou no mundo sugar depois do término de um casamento. "Fui deixada sem nada e tive que recomeçar a minha vida sem nada. Depois de um tempo solteira, decidi que estava na hora de voltar a conhecer outras pessoas e achei um site de relacionamento sugar."

A baby conta que os filhos e a família sabem sobre o relacionamento sugar, mas não estranham a situação. "Todos os meus namorados que eles conhecem são os 'namorados da mamãe'. Meus filhos não vão chamar alguém de sugar daddy, até porque é um relacionamento comum."

"Mostro que é legal ter ambição, mas mostro o processo para o ganho. Meus filhos me respeitam muito pela minha trajetória. Eles me viram trabalhar de madrugada, sabem que é um processo e que nunca vou falar para eles que ser ambicioso não é legal. Eu me apaixono nas relações, toda relação é uma relação. As pessoas me perguntam por que quero tanto dinheiro. Porque quero. Não é errado querer."


É exploração sexual?

Mas, afinal, existe exploração sexual na relação sugar? Para Isabela de Castro, presidente da Comissão Permanente da Mulher da seção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), não é o caso.

"Dei uma olhada em todos os sites de relacionamento sugar. Não cheguei a me cadastrar, mas eles sempre deixam tudo muito explícito. Não podemos falar de exploração sexual. Ali fica bem claro que cada um é livre para fazer o que quiser com o seu corpo. Nesse sentido, os relacionamentos pessoais dizem respeito ao casal", explica ela.

"O que foi combinado entre eles, fica entre eles. O que acho importante é pontuar como vamos encarar juridicamente esses relacionamentos. Se, por acaso, encerrar o relacionamento, como as partes vão seguir, se existe um contrato sobre o direito que cada um tem, sobre aquilo que eles compartilham e como vai ser dividido."

Ela completa: "Mesmo se você for falar em questão de prostituição, a prostituição em si não é crime no Brasil. É legal. Então, se a pessoa quiser vender o seu corpo ou qualquer outra questão relacionada a isso, ela está livre para fazê-lo. E outra coisa: em qualquer outro aplicativo de relacionamento existe isso, não somente no mundo sugar".

Segundo o psicanalista Christian Dunker, professor titular de psicanálise e psicopatologia do Instituto de Psicologia da USP, o relacionamento sugar surgiu apenas como resquício da prostituição. Ele afasta a ideia de que haja ligação entre profissionais do sexo e mulheres que acessam os aplicativos.

"Tenho a impressão de que o relacionamento sugar aparece como uma extensão disso. Uma espécie de desdobramento. Não só eu posso terminar a qualquer momento, como as negociações do que cada um vai receber em cada momento são dinâmicas, como se você tivesse entrado num certo espírito do neoliberalismo", destaca o pesquisador.


Sugar em crescimento

De acordo com dados de o site MeuPatrocínio, voltado a relacionamentos sugar, durante a pandemia de Covid-19 o número de usuários na plataforma cresceu 40%.

Diretor de comunicação do portal, Caio Bittencourt, explicou que o crescimento se deu justamente porque os daddies tinham mais grana para proporcionar um distanciamento social mais confortável às babies.

No segundo semestre de 2023, o total de usuários da plataforma passou de 9,8 milhões, um aumento de 276% em comparação com o mesmo período de 2019, quando a plataforma tinha 2,6 milhões de cadastros ativos. A maioria dos usuários é concentrada no estado de São Paulo.


Veja, abaixo, os estados onde fica a maior parte deles:


São Paulo - 4.718.840 usuários
Rio de Janeiro - 1.994.618 usuários
Minas Gerais - 1.346.222 usuários
Paraná - 1.013.680 usuários
Rio Grande do Sul - 846.710 usuários
Santa Catarina - 777.532 usuários

O site é gratuito para homens e mulheres, mas há planos pagos para daddies que querem ter destaque na plataforma.

O plano premium custa R$ 299 por mês e permite ao daddy impulsionar o perfil para receber mais visualizações.

Já o membro elite deve pagar R$ 999 mensais para ter uma espécie de carimbo e mostrar às pretendentes que pode bancar o relacionamento, além de ter os antecedentes criminais checados.


Da Redação/Com informações do G1 SP



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