Educação brasileira lamenta a perda de Roberto da Silva, ícone da defesa dos direitos de crianças e adolescentes


Defensor dos direitos humanos de crianças e adolescentes e empenhado em regulamentar a educação social como profissão, o pedagogo e professor da Faculdade de Educação da USP faleceu na última segunda-feira, 18 de dezembro, aos 66 anos

Roberto da Silva era contra a redução da maioridade penal e sempre esteve empenhado em viabilizar a educação dentro das prisões e em regulamentar a educação social como profissão no Brasil – Foto: Marcos Santos/USP Imagens

O pesquisador e livre-docente da Faculdade de Educação da USP Roberto da Silva faleceu no dia 18 de dezembro, aos 66 anos. Defensor dos direitos humanos de crianças e adolescentes, era contra a redução da maioridade penal e sabia do que estava falando por conta de sua trajetória. 

O Conselho Nacional de Educação (CNE), publicou no site uma nota em que expressa profundo pesar pelo falecimento do professor: “O professor doutor Roberto da Silva foi consultor especialista voluntário para apoio ao Grupo de Trabalho assessor da Comissão Bicameral que exarou o Parecer CNE/CP 41/2023, que tratou das Diretrizes Nacionais para a oferta de Educação Básica, na modalidade Educação de Jovens e Adultos (EJA), desenvolvida no Sistema Penitenciário de Segurança Máxima para pessoas submetidas ao Regime Disciplinar Diferenciado (RDD)”, informa.


Trajetória excepcional

Foto de prontuário de Roberto da Silva, de 1963 – Foto: Divulgação/FE-USP

A nota de pesar da FE-USP, diz que sua trajetória de vida foi intensa e desafiadora: Roberto teve uma infância conturbada após a separação de seus pais. Sem amparo financeiro, com sua mãe e seus três irmãos, ele se mudou de São José dos Campos para São Paulo, onde viveu sem ter residência fixa durante quatro meses. Por causa disso, foi encaminhado pelo Juizado de Menores para a Febem – Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor, hoje a Fundação Casa/SP –, onde viveu entre 1962 e 1975. Sua mãe, na ocasião, foi encaminhada para um hospital psiquiátrico, onde viveria até sua morte. Quando Roberto alcançou a maioridade, foi desabrigado, passando a viver nas ruas de São Paulo.

Ele mesmo costumava relatar que acabou sendo envolvido na vida da criminalidade, razão pela qual foi condenado a 36 anos de prisão, como continua a nota. Desses, cumpriu dez anos no Carandiru, onde começou a militar pelos direitos dos presos. Na prisão, estudou Direito, o que reduziu sua pena. A partir de 1984, quando já foi posto em liberdade, ele seguiu os estudos que havia iniciado como autodidata, concluindo o ensino regular e graduando-se em Pedagogia pela Universidade Federal de Mato Grosso. Em 1996, tornou-se mestre pela USP, universidade na qual também se doutorou em 2001 e obteve sua livre-docência em 2009. “Roberto tinha plena consciência do caráter excepcional de sua trajetória e, por causa disso, criou o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação em Regimes de Privação de Liberdade (Gepê Privação), o qual envolvia pesquisadores da Faculdade de Educação e do Instituto Paulo Freire”, informa a nota publicada no site da faculdade.

Empenhado como sempre esteve em viabilizar a educação dentro das prisões e em regulamentar a educação social como profissão no Brasil, o professor sempre foi um opositor da ideia de redução da maioridade penal. Autor de várias obras no campo de sua especialidade, Roberto da Silva deixa um legado para os estudos da educação: “Esta Faculdade de Educação reconhece o mérito de sua trajetória e o empenho que ele colocava em tudo o que fazia, como, por exemplo, a coordenação de convênios e parcerias com vários países da África, especialmente Angola, onde ele coordenou o Mestrado em Educação em parceria entre o Programa de Pós-Graduação em Educação da FE-USP e a Universidade Lueji A’Nkonde. Com sua caminhada de superação e de conquistas, tanto no tocante ao campo da docência quanto no nível da pesquisa e da extensão, a produção teórica e a pesquisa de Roberto são absolutamente focadas, qualificando-o como um dos pilares de referência do que hoje se tem caracterizado como pedagogia social”.

Sua produção científica é concentrada, sobretudo, em livros e em capítulos de livros, informa o site. “O professor Roberto da Silva, do ponto de vista da docência, trabalhava com um significativo conjunto de disciplinas, todas elas relevantes para o curso de Pedagogia, onde ele era muito reconhecido e admirado pelo conjunto de seus alunos e alunas. Além disso, no que tange à cultura e extensão, suas atividades também foram originais, diversificadas e socialmente compromissadas.”

“Em toda a trajetória do professor Roberto, seu compromisso político foi inequívoco. Extremamente coerente em seu percurso como intelectual, era testemunha do valor de uma história de vida de superação e de coragem em um país desigual, injusto e marcado por enormes fraturas sociais. Por fim, Roberto destacava-se por uma vida marcada pela firmeza de seus princípios e por uma singular originalidade na forma de vivenciar a Universidade. A Faculdade de Educação expressa seus sentimentos para a família, os amigos e os colegas que conviveram com Roberto e que puderam desfrutar de sua amizade”, lamentam os professores da FE-USP e finalizam: “A educação brasileira amanheceu triste na data de 18/12/2023".


Da Redação / Com informações Jornal da USP


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