Estiagem e calor forte castigam lavouras e gado no Espírito Santo


No Estado que tem o maior percentual de propriedade irrigadas do país, perdas no café e na pecuária de leite podem passar de 40%, segundo produtores


O fenômeno El Niño e as mudanças climáticas seguem causando estragos na agropecuária do país. Nem o fato de ser o Estado com maior percentual de propriedades irrigadas do país - com 43%, segundo o último Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE) - livrou o Espírito Santo de perdas na agropecuária com as altas temperaturas e a estiagem que atinge o Estado desde setembro.

Enio Bergoli, agrônomo e secretário de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag), diz que a combinação de temperaturas muito elevadas e redução das chuvas tem causado muito prejuízo à agropecuária. “Ainda não dá estimar o percentual, mas com certeza vamos ter perdas, com mais efeitos na região norte, a mais irrigada e que teve menos chuvas neste ano.”

A evaporação maior reduz o volume de água das barragens e rios e a falta de chuvas causa o abortamento de flores. Esta época deveria ser de enchimento dos grãos do café, principal cultura agrícola do Estado, mas o forte calor e a redução da irrigação diminuem o metabolismo da planta, o que deve se traduzir em menor produção na próxima safra e frutos menores.

Bergoli diz que há prejuízos também na produção de pimenta-do-reino, mamão e gengibre, culturas em que o Espírito Santo é o maior produtor nacional e exportador, e nas frutas e hortaliças, entre outras.

O ciclo normal de chuvas no Espírito Santo é bem definido: chove do final de setembro até março ou abril e depois é o período seco. Neste ano, no entanto, só houve chuvas esparsas desde setembro. “Deveríamos estar na plenitude de um ciclo hídrico, mas, em novembro, por exemplo, era esperado de 180 mm a 250 mm, dependendo da região, mas choveu apenas um terço.”

Os produtores estão seguindo a orientação da secretaria de economizar água em dezembro e só irrigar as lavouras à noite para evitar a evaporação. “Em dezembro, os modelos meteorológicos também mostram chuvas bem abaixo do normal. Vamos torcer para janeiro ser melhor”, diz Bergoli, acrescentando que o Estado tem sofrido bem nos últimos anos os efeitos das mudanças climáticas.

Ele conta que fenômenos extremos têm acontecido em intervalos muito curtos, com a maior chuva da história em dezembro de 2013, a seca mais intensa em 2016 e 2017, muita chuva em algumas regiões em 2020 e 2021 e agora chuvas bem abaixo do esperado.

Na região norte do Estado, as prefeituras já estão fazendo levantamentos para decretar situação de emergência pela estiagem. Alguns dos municípios com agricultura mais impactados são Baixo Guandu, Mucurici, Pedro Canário. Pinheiros, Montanha, São Mateus e Água Doce do Norte.



Investir mais e colher menos

Hélio Pereira, produtor de 40 mil pés de café conilon irrigado na propriedade familiar em Água Doce do Norte, diz que ele e os agricultores da região já calculam perdas de 30% a 40% na produção.

“Estamos com pelo menos 60 dias de sol muito quente. Os grãos não estão se formando e o açude está com falta de água para a irrigação. Até o café novo que ainda não está produzindo está sofrendo os efeitos dessa seca.”

Também vereador na cidade, Pereira diz que está sendo muito procurado pelos colegas produtores para enviar máquinas da prefeitura às propriedades com o objetivo de desviar água para os açudes.

Luciano Marim, outro produtor de café, milho para silagem e leite em Água Doce do Norte, diz que o sol está “judiando” dos produtores rurais.

“Os córregos começaram a secar, os rios estão bem estreitos e o pasto muito baixo. Eu tinha uma programação para tratar o gado com ração até outubro e tive que avançar com ração para novembro e dezembro. Nesta época, estaria produzindo 30% a 40% mais de leite e calculo que já perdi de 30 a 35% do café. Nunca vivi uma situação pior nos meus 40 anos.”

Edicarlos José de Campos, gestor ambiental que trabalha na implantação de barraginhas na região norte do Estado, diz que, mesmo com a irrigação, a perda dos produtores de café deve ficar entre 20% e 30% porque sem a água na época correta os grãos ficam chochos, sem massa.

“Esse calor causa um amadurecimento precoce do café, as pragas atacam mais e as lavouras precisam de mais irrigação. Só que não tem água suficiente para isso nem para encher as barraginhas que construímos neste ano. Ou seja, o produtor tem que investir mais para colher menos.”



Roça seca

Na região sul, o cálculo das perdas por parte dos agropecuaristas não é diferente.

“Mesmo com irrigação, a roça de milho está muito seca, com folhas murchas. O volume de água reduziu muito nos rios e o poço artesiano não está dando conta. Devo perder pelo menos 30% da lavoura de milho, meu custo com ração aumentou muito e estou sendo obrigado a complementar a ração das vacas com cana de açúcar”, diz Felipe Santos Gomes, de Atílio Vivácqua, acrescentando que a temperatura tem chegado a 40 graus por lá, com sensação térmica de 43 graus.

Ele calcula um gasto extra de R$ 5.000 por mês devido à estiagem. Além disso, reclama da queda do preço do leite. “Devo fechar o ano no 0 a 0 ou ter prejuízo. Se tivesse que pagar a mão-de-obra, já estaria no vermelho”, diz o pequeno produtor que trabalha com a família no trato das 57 vacas em lactação.

O agropecuarista Genaldo Carvalho, também da região sul do Estado, enfrenta os mesmos problemas para manter a produção diária de 700 litros de leite e a silagem para o gado e também estima um prejuízo de 30%.

“Este ano choveu menos da metade da média histórica. Eu colhi o milho, mas nem plantei outra roça para silagem devido à estiagem. Essa situação aumenta o custo, derruba nosso planejamento e impacta também na prenhez das vacas porque, com a temperatura tão alta, não posso fazer inseminação.”

Carvalho, que também planta café e investiu na construção de barraginhas e açudes na propriedade de 300 hectares, diz que a falta de água já lembra os piores anos de seca vividos na região, em 2014 e 2015.

“Essa estiagem só não é um problema maior para o produtor de leite que a queda de preços de produto causada neste ano pela importação desenfreada e sem critérios do leite. No início do ano, eu vendia o litro por R$ 3,15 e agora estou entregando por R$ 2,06. Estou reduzindo todos os custos para não ficar no prejuízo”, diz, revelando que já estuda mudar para o gado de corte.


Fonte: Globo Rural



Postagem Anterior Próxima Postagem