Operação do MPES | Quem são os autores de esquema em presídio que envolvia até garota de programa no ES


A denúncia contra quatro pessoas, apresentada pelo Ministério Público, já foi aceita pela Justiça estadual; elas agora são rés em ação penal acusadas de participação em um esquema criminoso de venda de benefícios em presídio

Operação “Philia”, Grupo Especial de Trabalho em Execução Penal (GETEP), MPES. (MPES)

As quatro pessoas envolvidas em um esquema criminoso de venda de benefícios a presos na Penitenciária de Segurança Máxima I, em Viana, são rés em ação penal. A Justiça estadual aceitou a denúncia apresentada contra elas pelo Grupo Especial de Trabalho em Execução Penal (GETEP), do Ministério Público do Espírito Santo (MPES).

Todos são acusados de participação em um suposto esquema criminoso de venda de benefícios, como postos de trabalho no Projeto Amigurumi (crochê) até visitas íntimas, algumas com garotas de programa. A investigação aponta que as negociações resultaram em uma movimentação financeira que pode chegar a R$ 400 mil. São eles:
  • Rafael Lopes Cavalcanti Ribeiro – ex-diretor adjunto da Penitenciária de Segurança Máxima I, foi apontado como um dos mentores do esquema e responsável por sua ampliação na unidade. Foi levado para a Penitenciária de Segurança Média 1, em Viana. Conhecido como "Bombadão" ou "Thor".
  • Leonardo Pessigatt Rodrigues – detento conhecido como “Leo Pescoço”, passou por várias unidades e estava na Máxima I quando os fatos ocorreram. Era quem fazia a negociação dos benefícios com os demais presos. Lançava mão dos contatos do pai e da advogada para receber o pagamento dos presos por intermédio de seus familiares. Está detido na Penitenciária Estadual de Vila Velha I, em Xuri.
  • Jairo Gonçalves Rodrigues – aposentado, se apresentava como assessor parlamentar, é pai do detento Leonardo. Na decisão judicial, relata que ele chegava a ter acesso à parte administrativa do presídio. Foi levado para o Centro de Detenção Provisória de Viana II.
  • Mariana de Sousa Loyola Belmont – advogada, é casada com um outro preso. Seu marido chegou a ser incluído no projeto para garantir os benefícios, mas não conseguiu fazer o pagamento exigido. Foi encaminhada para o Centro Prisional Feminino de Cariacica.
Na decretação das prisões, a juíza Cristiania Lavínia Mayer, da 3ª Vara Criminal de Viana informou: “A partir da descrição fática promovida nos autos percebe-se a gravidade dos crimes, em tese, praticados pelos denunciados, todos escorados em cristalinos indícios de autoria e materialidade ou mesmo em robustas provas já constituídas pelas diligências até então desenvolvidas, em especial, ante as transcrições e cópias de documentos constantes dos autos”.

Três dos réus foram detidos na manhã desta sexta-feira (9), quando foi deflagrada a Operação “Philia”. O quarto já estava detido. Os trabalhos foram executados pelo Getep, com o apoio do Núcleo de Inteligência da Assessoria Militar do MPES e da Polícia Penal do Espírito Santo.

A Gazeta ainda tenta contato com os advogados que fazem a defesa dos denunciados. Quando isso ocorrer, este texto será atualizado.


Garota de programa em visita íntima

Vários “benefícios” eram oferecidos aos presos das galerias E e D da Penitenciária Máxima I, em Viana, por intermédio do Projeto Amigurumi. Havia um preço básico, estabelecido pelo comando do esquema:
  • Venda de camisas, que são os postos de trabalho - R$ 5 mil a R$ 8 mil
  • Ligações assistidas - R$ 500 a R$ 1 mil
  • Visitas assistidas - R$ 1 mil a R$ 1,5 mil
  • Visitas íntimas - R$ 2,5 mil a R$ 3 mil
  • Entrada irregular de aparelhos - R$ 1 mil a R$ 1,5 mil
Mas os valores sofriam variações segundo a posição e a capacidade econômica dos presos. Na decisão judicial é informado, como exemplo, o caso de dois detentos que pagaram respectivamente R$ 10 mil e R$ 17 mil para serem incluídos na Galeria E, no projeto Amigurumi.

A investigação descobriu que vários presos tiveram acesso a ligações e visitas assistidas — que são acompanhadas por um assistente social — de forma irregular. Uma delas envolve uma liderança da facção criminosa PCV (Primeiro Comando de Vitória), que conseguiu se encontrar com seu gerente de boca para definir os preços a serem cobrados pela droga que vendem.

Veículo apreendido na Operação “Philia”, do MPES. (MPES)


“Aqui não é Casas Bahia”, dizia diretor

As prisões preventivas foram autorizadas pela juíza Cristiania Lavínia Mayer, da 3ª Vara Criminal de Viana, que recebeu a denúncia do MPES. Em sua decisão, é descrito que o esquema de "venda de camisas" (postos de trabalho) e outros benefícios ocorreu no âmbito do projeto Amigurumi (crochê), inicialmente na Galeria E e, posteriormente, estendido à Galeria D, ambas na Máxima I.

O esquema foi intensificado no período entre novembro/2022 até final de dezembro/2022, durante as férias do diretor da unidade, Rafael Gomides. Seu posto foi assumido por Rafael Cavalcanti, ex-diretor-adjunto e preso nesta sexta.

“Apurou-se que a explosão do esquema estava associada à convicção por parte do ex-adjunto de que seria nomeado diretor da Penitenciária de Segurança Máxima 1 (PSMA-1) em janeiro do ano seguinte, 2023.” A decisão relata que Cavalcanti confiava tanto em sua promoção que chegou a ligar para Gomide, nas férias, “alertando-o” de que não “voltaria ao cargo”.

Todos os valores cobrados por Cavalcanti tinham que ser pagos à vista. Segundo a investigação, os ex-diretor avisava a todos que o esquema “não era Casa Bahia”, ao se referir à impossibilidade de parcelamento dos valores cobrados dos presos.


“O denunciado Cavalcanti, servidor público, utilizou-se da gama de prerrogativas que o cargo ocupado na ocasião (diretor adjunto e interino nas férias do titular) e da posição hierárquica para se enriquecer ilicitamente, valendo-se do cargo e da intimidação da massa carcerária”, informa a decisão judicial.


Como era a negociação

Os benefícios eram negociados entre os demais presos por Leonardo Pessigatt, aponta a investigação. Ele cobrava valores que precisavam ser pagos em dinheiro, de uma só vez, em local e data previamente definidos em conjunto com Rafael Cavalcanti.

Leonardo tinha autonomia para cobrar valores diferenciados de acordo com a capacidade econômica dos presos e, também, conforme integrassem ou não a sua facção criminosa. Ele podia reter para si parcela do valor eventualmente cobrado a mais, considerando o valor fechado com o ex-diretor. Assim, se o preço básico do benefício era R$ 5 mil e ele cobrasse R$ 7 mil, poderia ficar com a diferença de R$ 2 mil.

“Leonardo que, mesmo cumprindo pena e custodiado pelo Estado, usou o sistema para violar a legislação penal, o que reforça sua personalidade voltada para o crime”, é dito na decisão judicial.

Cabia a Mariana e a Jairo realizarem a coleta dos valores cobrados, aponta a investigação. “Jairo, valendo-se do prestígio que dizia ter no meio político, em razão de cargo que preteritamente exerceu de assessor parlamentar, instituindo inclusive amplo acesso às dependências da unidade Máxima 1, sem qualquer cumprimento dos critérios para acesso ao filho, que, por sua vez, dizia-se, em razão dessas circunstâncias, que o pai era “dono” da unidade (…)”, é informado na decisão.

Em relação a Mariana, que é esposa de um interno que estava detido na Galeria E da Máxima I, onde ocorria o Projeto Amigurumi, o texto judicial acrescenta: “A mesma se valendo de prerrogativas que a lei lhe confere em razão da profissão para praticar ilícitos no sistema penitenciário”.

Complexo Penitenciário de Viana. (Divulgação | Sejus)


Tortura e ameaças

É descrito, na decisão judicial, que Rafael Cavalcanti “se valia do cargo e de comportamentos autoritários e violentos para impingir temor a servidores e presos”. E, dessa forma, conseguia garantir o êxito de suas “negociações fraudulentas”.

“Rafael era agressivo e violento e era referido pela massa carcerária como 'Bombadão' ou 'Thor'; segundo investigado, chegava a andar pelas galerias com um martelo”, informa o documento. Rafael responde a procedimentos administrativos por maus tratos e tortura praticados contra internos. Um dos casos investigados é contra um preso que teria sido agredido “por falar demais”.

A investigação aponta que as negociações resultaram em uma movimentação financeira que pode chegar a R$ 400 mil. Somente o ex-diretor-adjunto teria obtido uma receita estimada em R$ 250 mil.

Os fatos foram descobertos após o retorno das férias do diretor oficial da Rafael Gomide e um preso declarar que pagou, por intermédio de familiares, a quantia de R$ 8 mil para ter acesso à vaga de trabalho na cozinha. “O esquema fraudulento também foi confirmado por mais de 30 internos, em uma sindicância instaurada pela Secretaria de Estado da Justiça (SEJUS) para apurar os fatos”, informou o MPES.


O que diz a Sejus e OAB

A Secretaria da Justiça (Sejus) e a Polícia Penal do Espírito Santo (PPES) informaram, em nota, que colaboram com as investigações deflagradas pelo Ministério Público e ressaltam que não compactuam com atos ilícitos que comprometam a transparência e a boa gestão do sistema penitenciário capixaba.

Acrescentam que o servidor investigado foi nomeado como diretor-adjunto da unidade prisional em abril de 2021 e exonerado do cargo em dezembro de 2022. Atualmente, exercia funções como policial penal na área de escolta prisional.

A Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Espírito Santo (OAB-ES) informa que buscará informações sobre o caso e tomará as providências cabíveis, observando o Código de Ética e Disciplina e as prerrogativas da advocacia.

Fonte: A Gazeta


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