Agrofloresta com cacau ganha evidência

Estado pode movimentar US$ 120 bilhões em exportações de produtos florestais até 2030

Trabalhador recolhe cacau em plantação no Pará; Estado ultrapassou a Bahia como o maior produtor da fruta amazônica Maíra Erlich/TNC Brasil - Divulgação

O cacau da Bahia faz sucesso em horário nobre na novela que mostra a retomada da cultura agrícola marcante nos romances de Jorge Amado. Mas é no Pará que o fruto - nativo da Amazônia - brilha aos olhos de chocólatras em busca de aliar consumo e menor emissão de carbono. A importância na restauração de áreas degradadas, na mitigação da mudança climática global e nas questões sociais dá novos atributos ao produto amazônico. E a tendência, segundo analistas, é de crescimento. A produção paraense já ultrapassou a baiana, com rendimento de R$ 1,9 bilhão em 2022, mais da metade do total do país, que foi de R$ 3,5 bilhões, de acordo com o IBGE.

Ao lado do açaí e da castanha-do-brasil, o cacau é carro-chefe da bioeconomia amazônica, que movimenta R$ 12 bilhões do Produto Interno Bruto (PIB) em toda a região - R$ 9 bilhões no Pará, segundo estudo do WRI Brasil. O potencial é alcançar três vezes mais até 2050. “São necessárias políticas para atrair inovações e investimentos na ponta inicial, combinando recursos públicos e privados, com maior capacidade de retorno financeiro”, diz Rafael Barbieri, economista sênior do WRI e coordenador do levantamento.

Na região, o cacau tem como característica a produção pela agricultura familiar, por meio da expansão de sistemas agroflorestais (SAF), em consórcio com outras espécies nativas e cultivos, modelo mais lucrativo do que a pecuária, em áreas menores. Ao gerar renda, garantir segurança alimentar e recuperar florestas no lugar de pasto, o produto tem sido fomentado como estratégia contra o desmatamento.

Junto à demanda mundial de cacau atualmente superaquecida, com disparada dos preços da commodity, a capacidade brasileira de fornecimento não consegue suprir o consumo interno, o que abre espaços para investimentos. A pegada amazônica é um diferencial tanto para grandes empresas do setor que precisam demonstrar sustentabilidade como para o nicho de chocolates especiais, de maior valor agregado. Segundo Barbieri, na Amazônia já existem cerca de 2 mil pequenas chocolaterias artesanais, que absorvem menos de 3% das amêndoas produzidas na região - a grande parte se destina ao mercado no padrão commodity.

Trabalhador recolhe cacau em plantação no Pará; Estado ultrapassou a Bahia como o maior produtor da fruta amazônica, com rendimento de R$ 1,9 bilhão

Na Ilha do Combu, próximo a Belém, Izete dos Santos Costa, conhecida como Dona Nena, começou a produzir barrinhas de chocolate, feitas no pilão com amêndoas torradas e descascadas, embrulhadas por uma folha verde. Depois, criou o “brigadeiro da floresta” e, com a fama, passou a receber grupos de visitantes. Hoje, o cacau é vetor de receita com o turismo na empresa Filha do Combu, com 500 turistas por semana.

“Cinquenta anos depois, o momento é completamente diferente”, concorda o produtor rural Ribamar Nóbrega, à frente da Fazenda Iracema, em São Francisco do Pará (PA). O pai chegou à região na década de 1970, incentivado pelo governo a desmatar e criar gado, e agora o negócio é reflorestar para produzir cacau. “Provamos ser possível produzir e conservar floresta”, afirma o fazendeiro. Animada com os resultados, a esposa, Márcia Nóbrega, criou a Lábio de Mel, pequena fábrica de chocolate que agrega valor às amêndoas.

Áreas degradadas

Estudo da Embrapa revela que 75% da produção de cacau ocupa áreas degradadas no Pará. Nesses locais, houve redução do desmatamento e do fogo. “O desafio é aumentar a escala, sem homogeneizar a produção na forma de monocultura, mas diversificando e potencializando mercados locais e novos nichos, analisa Danilo Fernandes, pesquisador do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, da Universidade Federal do Pará (UFPA). O objetivo, enfatiza o pesquisador, requer mudança de prioridades em várias frentes na Amazônia, como no crédito rural. Em 2022, na região Norte, apenas 2,9% das operações do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) se destinaram à sociobioeconomia. A pecuária consumiu 93,8% dos recursos.

A expectativa está nos investimentos estaduais previstos para atividades que dependem da floresta em pé. No curto prazo, no Pará, são cerca de R$ 350 milhões via bancos multilaterais e de desenvolvimento. O Plano Estadual de Bioeconomia, lançado em 2022, prevê um potencial anual de US$ 120 bilhões de exportações somente para produtos de cacau e açaí. “Queremos dobrar o PIB atual só investindo em 44 produtos da sociobiodiversidade”, afirma o secretário estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade, Mauro O’ de Almeida.

O Plano de Recuperação da Vegetação Nativa do Estado do Pará, prevendo restaurar 5,6 milhões de hectares até 2030, pode beneficiar agroflorestas com cacau. “Na Amazônia, a atividade é três vezes mais produtiva que na Bahia, e há um grande movimento de mercado propício para esse potencial”, afirma Rodrigo Freire, vice-gerente de florestas e restauração da TNC Brasil.

Em dez anos, a instituição mobilizou 650 famílias do sudeste do Pará e região da Transamazônica, com assistência técnica e acesso a mercados para a produção em agroflorestas.

“O cacau tem potencial maior que o açaí e a castanha porque é commodity global, e o Brasil é a bola da vez com o produto sustentável”, completa Freire, dedicado a conectar indústrias de chocolate, como a americana Mondelez, com a matéria-prima da região. “Nossa estratégia tem buscado e fomentado cada dia mais amêndoas que se enquadram como sustentáveis”, afirma Laerte Moraes, diretor-geral de food solutions da Cargill na América do Sul. No Pará, a empresa está investindo R$ 3 milhões no fortalecimento de cooperativas, no total de 350 produtores.


Fonte: Globo Rural


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