Mulher gera bebê de casal de amigos e faz ensaio fotográfico com rosto escondido: 'apenas a barriga solidária, não sou a mãe'


Vitor e Bruno são de São Paulo e casados desde 2021. Nascimento de Maya está previsto para março. Entenda como funciona o procedimento no Brasil.

Amiga de casal de SP 'emprestou' útero — Foto: Lisa Oliveira/Arquivo

Um casal de São Paulo teve a ajuda de uma amiga para realizar o sonho de ter um filho, por meio da gestação de substituição, conhecida como “barriga solidária” no Brasil. Os dois futuros pais e a mulher que gera a bebê Maya participaram neste mês de um ensaio fotográfico na reta final da gravidez. Os registros repercutiram nas redes sociais e receberam ataques preconceituosos.

"Estamos superpreparados para isso. Inclusive, responder a esses ataques com respostas cultas, éticas e técnicas, mas depende do comentário, às vezes, acabamos nem respondendo. Passamos com vários psicólogos para lidar", disse à reportagem, Vitor Vizzaccaro, um dos pais.

As fotos foram feitas pela fotógrafa Lisa Oliveira, que não expôs a mulher, a pedido dela, com ângulos que esconderam o rosto.

“Nós conversamos antes da sessão e, quando eles [pais] me falaram que queriam fazer esse ensaio, disseram que ela não poderia aparecer, então me inspirei em alguns trabalhos que vi. Durante o ensaio fui trabalhando as minhas ideias”, conta.

Amiga de casal teve a identidade preservada nas imagens — Foto: Lisa Oliveira/Arquivo

Formada em administração de empresas, Lisa trabalha no ramo há oito anos, quando assumiu o hobby como profissão e se especializou no registro de famílias.

Vitor e o marido, Bruno da Silva da Martires, são da capital paulista e estão juntos há sete anos, desde quando se conheceram no carnaval.

“A gente namorou, noivou e casou no ano de 2021. A gente tinha planos para adotar ou fazer a inseminação com a barriga solidária. Com a história de Paulo Gustavo, a gente amadureceu a ideia. A gente não sabia que poderia ser feito aqui no Brasil e acabou pesquisando”, contou Vitor (entenda mais abaixo sobre o método no país).

O ator e humorista Paulo Gustavo que morreu aos 42 anos, em 2021, de Covid. Ele foi o criador de Dona Hermínia e de outros personagens no teatro, na TV e no cinema, e era casado com o dermatologista Thales Bretas.

Em 2019, eles foram a Los Angeles, nos Estados Unidos, onde a “barriga de aluguel” é permitida — diferente do procedimento no Brasil, o qual deve ser realizado de forma solidária, sem lucro ou vínculo comercial entre os pais e quem cede o útero. O casal teve dois filhos.

Em 2020, Paulo Gustavo apresentou seus filhos a Bial

'Não sou a mãe'


Bruno e Vitor tinham contado sobre a vontade de ter o bebê a uma amiga, que não será identificada, que conhecem há 4 anos. Ela conversou coma reportagem e explicou sobre ter concordado em gerar a criança.

“Quando disseram de seus sonhos para mim não pensei duas vezes. Foi um sentimento único e inexplicável. Disse que se quisessem estaria disponível para ajudarem a construir uma família linda, pois mereciam muito.”

Apesar de preferir o anonimato, a conhecida da família diz que estará disponível se nos anos seguintes a criança queira conhecer quem a gerou, mas que não é a mãe.

“Eu sou apenas uma barriga solidária, não sou a mãe, a Maya tem dois papais, e é isso que tem que ser visto: dois papais que estão realizando um sonho na vida deles. Que a Maya venha com muita saúde e perfeita, e que eles se sintam completos. Tenho certeza que a Maya será muito bem preparada para saber como veio ao mundo, então não vejo problema caso algum dia ela queira ver [quem a gestou].”

Ela tem uma filha já adolescente, que vivencia o processo e apoia a mãe. Vitor conta que a amiga aceitou fazer o ensaio fotográfico quando foi proposta a ideia, mas pediu pela não exposição da identidade nos registros.

“Não quis se expor e falou que não teria problema nenhum em fazer o ensaio fotográfico. E a gente está ansioso demais. Eu e o Bruno já estamos com tudo pronto e faremos o nosso chá de bebê pra poder recepcionar familiares que querem dar presentes pra Maya.”

A bebê deve nascer no próximo mês por cesárea em São Paulo e será amamentada por meio de um banco de leite. A responsável pela barriga solidária não irá amamentar.

Vitor, Bruno e Maya 

Nascimento de bebê será em março — Foto: Lisa Oliveira/Arquivo

Com base no acompanhamento de médicos de reprodução assistida de São Paulo, o casal optou pelo uso do banco de óvulos. A célula reprodutora feminina é de outra mulher anônima que escolheram as características, sem ver fotos. Foi feita uma fertilização in vitro (FIV), quando o procedimento com o óvulo e espermatozoide ocorre em laboratório, e não dentro do corpo, como na inseminação artificial.

“A gente fez quatro tentativas [de inseminação], e nessas quatro a gente teve negativo. Na quinta, a gente, graças a Deus, conseguiu ter o positivo e conseguimos a gravidez. E hoje a gente já está aí de oito meses”, comemora Vitor.

Ao todo, foram 10 óvulos fertilizados, sendo cinco com as características de Bruno e outros cinco de Vitor. Atualmente, três embriões estão congelados.

“Se a gente quiser ter mais três filhos no futuro, a gente consegue ter.”

A amiga precisou fazer exames toxicológicos para verificar se faz uso de bebida alcoólica, se fuma e se está seguindo as recomendações médicas.

“O que nós fazemos, obviamente, como nós somos os pais e ela está gestando, a gente dá uma ajuda de custo durante todo o período da gestação para ela se alimentar de forma correta, paga um convênio médico”, diz Vitor.

Entenda como funciona a ‘barriga solidária’

Adelino Amaral Silva, diretor da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida e membro da Câmara Técnica de Reprodução Assistida do Conselho Federal de Medicina (CFM), explica que o procedimento de reprodução assistida é indicado para mulheres que nasceram sem útero, perderam o útero em cirurgias ou são portadoras de patologias uterinas não tratáveis, casais homoafetivos e pessoas solteiras.

A regulamentação foi feita por resolução do Conselho Federal de Medicina.

"A cedente do útero não pode ser remunerada, porém cabe aos pais biológicos custearem todas as despesas de assistência médica desde o pré-natal até o puerpério. Nos Estados Unidos, algumas celebridades pagam mulheres para terem seus bebês, o que é proibido aqui no Brasil.”

Segundo o médico, mulheres que tenham pelo menos um filho vivo e que tenham um grau de parentesco até quarto grau com o casal podem ceder útero. Quando não existe este parentesco, precisa de autorização prévia do Conselho Regional de Medicina, o que ocorreu no caso de Bruno e Vitor.

“Nos casais homoafetivos masculinos temos que ter também uma doadora de óvulos e a cedente do útero. A doadora de óvulos pode ser também uma parente até quarto grau ou doadora anônima através de banco de óvulos."


Passo a passo

Adelino Amaral Silva detalha que os interessados passam por avaliação clínica e realizam exames.
  1. A doadora de óvulos passa por um processo de estimulação ovariana para produção e retirada dos óvulos.
  2. Realização do termo de consentimento livre e esclarecido que todos assinam, inclusive o marido de cedente do útero, caso seja casada ou viva em união estável.
  3. Com a documentação certa, inicia-se o preparo do útero da cedente com medicações para criar um momento de implantação semelhante a natureza. Em um determinado dia, conforme os médicos, os óvulos são descongelados e fertilizados com sêmen de um dos parceiros. Caso use o sêmen dos dois, o embrião deve ser transferido separadamente. É proibido mix de embriões.
  4. Escolhe-se o melhor embrião, um ou dois, do mesmo material genético e transfere ao útero. 12 dias depois realiza-se o teste de gravidez.
  5. A gravidez quando acontece desenvolve-se normalmente e a via de parto deve ser escolhida pelo paciente e médico.
  6. Durante o pré-natal, o casal deve procurar um cartório de registro e levar toda a documentação para registro, conforme o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Com o aviso de nascimento, é só ir ao cartório e registrar em nome dos pais biológicos.


Cuidados jurídicos

Francisco José Cahali, especialista em Direito de Família e Sucessões, comenta que a resolução do CFM de 2017, tem sido o norte jurídico para o procedimento. Ele explicou mais pontos:
  • Não pode existir qualquer caráter lucrativo ou comercial na cessão do útero, reforça o especialista.
  • Comprovação de empecilho na gestação direta, ou relação homossexual entre o casal que pretende a paternidade/maternidade.
  • A cedente do útero (que seguirá na gestação) deve ser parente de um dos parceiros, até quarto grau: (1º primeiro grau – pais e filhos), (2º grau – avós e irmãos), (3º grau – tios e sobrinhos) e (4º grau – primos).
  • É possível a gestação por quem não é da família de um dos parceiros, mediante a autorização do Conselho Regional de Medicinal.

Dentre outros documentos, deve haver o termo de consentimento assinado pelas partes envolvidas, expressando a manifestação de vontade de todos com a gestação por substituição; relatório médico com o perfil psicológico, atestando adequação clínica e emocional de todos os envolvidos; termo de Compromisso entre os pacientes e a cedente temporária, estabelecendo claramente a questão da filiação da criança; compromisso do registro civil da criança pelos pacientes (pai, mãe ou pais genéticos), devendo esta documentação ser providenciada durante a gravidez; e aprovação do cônjuge ou companheiro, apresentada por escrito, se a cedente temporária do útero for casada ou viver em união estável.

O especialista orienta que é preciso checar com antecedência o histórico de clínicas e profissionais e seguir os procedimentos previstos na resolução para se evitar problemas emocionais, brigais judiciais no futuro e faz um alerta.

“Porém, na ‘inseminação caseira’, ou desrespeitadas as regras, haverá um complexo debate a respeito da identificação da paternidade/maternidade, onde os protagonistas certamente se envolverão em longas e demoradas disputas judiciais de finais incertos”, destaca.

Existe o Projeto de Lei do Senado nº 90/1999 sobre a regulamentação das técnicas de reprodução assistida no organismo de mulheres receptoras, diz Stephanie Aguiar dos Santos, advogada da área de Direito Médico. No entanto, segue há décadas sob análise na Câmara dos Deputados.

“O texto prevê a proibição da gestação de substituição em seu artigo 3º, mas recebeu severas críticas quanto a este aspecto. De fato, o que se constata no existente contexto nacional é que, inobstante as normativas do Conselho Federal de Medicina, a prática da gestação por substituição, além de exigir condições específicas, não pode ser realizada de maneira comercial”.


Fonte: G1




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