Formação Bruta de Capital Fixo caiu 3% no ano passado. Especialistas apontam que uma economia que cresce pelo lado da demanda precisa ter o devido ganho de capacidade produtiva para não sofrer pressão na inflação.
Olhando para inflação e mercado de trabalho, temos bom espaço para crescer esse ano', diz Haddad
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, comemorou os resultados do Produto Interno Bruto (PIB) de 2023. O primeiro ano de sua gestão viu a atividade econômica crescer 2,9%, mais do que qualquer projeção do início do mandato.
Em entrevista coletiva, o ministro fez questão de ressaltar que até mesmo o otimismo da pasta, que esperava 2%, foi superado pelo resultado. No primeiro boletim Focus de 2023, analistas do mercado financeiro previam alta de 0,80%.
“Muita gente imaginava que, em virtude da política monetária muito restritiva, o PIB do 2º semestre do ano passado ia cair. Muita aposta de que haveria uma desaceleração a ponto de nós termos uma pequena retração na economia”, disse.
“A economia desacelerou. Taxa de juro, vocês estão acompanhando, continua das mais altas do mundo. O PIB desacelerou, mas não o suficiente para nos tirar do entorno ali dos 3%”, afirmou Haddad.
O otimismo do ministro só não é completo para dar lugar a uma preocupação: a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) teve queda de 3%.
O g1 tem por hábito chamar a FBCF de “investimentos”. Em suma, porque representa o fluxo de dinheiro para aquisição ou reposição de bens de capital, com objetivo de aumentar a capacidade produtiva dos negócios.
Haddad está certo em se preocupar, pois é o investimento que propicia um desenvolvimento de produtividade da economia, e que permite que ela cresça sem que haja uma pressão na inflação.
“Uma coisa boa que aconteceu no quarto trimestre é que teve uma ligeira melhora na formação bruta de capital e isso é bastante importante porque nós precisamos de investimento para fazer a economia rodar”, disse o ministro.
É bom se preocupar
Analistas ouvidos pelo g1 dão razão ao ministro: a queda dos investimentos é preocupante. Além do recuo do indicador cheio, de 3%, o segmento de máquinas e equipamentos teve queda de 9,4% e a construção caiu 0,2% no ano.
A taxa de investimento foi de apenas 16,5% do PIB, o pior resultado desde 2019 e insuficiente até mesmo para repor a depreciação do parque
produtivo do país. Na série encadeada, estão 18,4% abaixo do pico histórico em 2013.
Evolução do PIB ano a ano — Foto: Arte g1 |
O alento de Haddad veio no último trimestre, em que houve uma reversão dos três períodos de queda que se acumulavam no ano. Na sequência, trimestre a trimestre, a FBCF registrou -3%, -0,2% e -2,2%, para finalmente subir 0,9%.
A economista Juliana Trece, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), lembra que há anos o PIB cresce por meio do consumo, enquanto o investimento anda de lado. Sem o ganho de capacidade produtiva, a demanda chega até um ponto de pressão na inflação.
“Em 2023, houve aumento real do salário mínimo e o mercado de trabalho está relativamente forte. Ano passado, muitos reajustes vieram acima da inflação. Tudo isso estimula o consumo, enquanto a oferta não aumenta”, diz a economista.
Outro quesito importante é a formação de empregos melhores. O investimento tem potencial de ampliação de vagas em setores mais qualificados, que pagam mais e costumam ter resultado mais satisfatório de produtividade. São ganhos na ponta da renda e da própria cadeia produtiva brasileira.
“O investimento traz uma maior formalização da economia. Apesar de termos diminuído bastante a taxa de desemprego no ano passado, a composição ainda não é das melhores. Há recordes também de informalidade”, afirma Juliana.
Apesar de ser um problema crônico da economia brasileira, a economista reforça a importância de que o governo busque com afinco uma melhora do “custo Brasil” para o investidor. O jargão elenca características que tornam difícil, burocrático ou arriscado colocar o dinheiro em negócios por aqui.
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Impulso do governo
Juliana cita a reforma tributária como um grande acerto do governo, que produz confiança para que empresários possam fazer planos futuros com mais segurança. Entram na equação também os planos de infraestrutura, como o novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Nova Indústria Brasil, que podem ajudar a desencadear novos projetos.
“É importante ter um movimento por parte do governo, mas com o devido cuidado porque o espaço nas contas públicas é muito restrito. Não se pode também repetir programas que distorceram o ambiente de negócios, como os empréstimos aos ‘campeões nacionais’”, diz a economista.
Em sua fala nesta sexta-feira, Haddad ressaltou que uma de suas missões no ano é, justamente, criar um melhor ambiente de negócios para atrair o investimento privado.
As taxas de juros em patamares bastante altos foram responsáveis por fazer os empresários segurarem investimentos e deixarem de renovar infraestrutura, promover ampliações e contratações. Para 2024, Haddad acredita que a questão deixará de trazer tanto impacto, mas o país precisa estar pronto para aproveitar o momento.
“Nós queremos criar um ambiente de negócio necessário para que o empresário invista fortemente, porque esse investimento é que realmente melhora as condições econômicas. Com investimento, você cresce sem risco inflacionário”, disse o ministro.
“Vamos conjugar os esforços domésticos que foram feitos em um ano e meio para arrumar a casa aqui, que estava totalmente desorganizada, e os bons ventos que devem começar a soprar da economia internacional — sobretudo no que diz respeito à política monetária, que deve começar a se afrouxar em algum momento ali pelo meio do ano.”
Só com exercício de futurologia seria possível saber se é o suficiente. Mas o economista Chico Pessoa, da LCA Consultores, tem estudado o histórico dos investimentos no Brasil nos últimos 20 anos, e aponta problemas já sabidos.
“São os problemas clássicos: uma taxa de juros muito alta e um esgotamento da capacidade do setor público de fazer obras por conta de restrições fiscais, seja por restrições da Lei de Responsabilidade Fiscal ou por um aumento muito grande dos gastos correntes”, diz
“Ou seja, o investimento é difícil de crescer no Brasil porque é caro e o governo não tem mais dinheiro para isso. E o investimento público é importante em vários países, não é uma questão de querer ‘estatizar’ mais”.
O economista lembra que, apesar do recuo da taxa de juros, o país passou por um período longo de taxas reais (aquela que desconta a inflação do período) acima do padrão. Esse tempo prolongado fez com que a reposição de máquinas tenha atrasado e parte do parque produtivo tenha perdido competitividade.
Em outras palavras, o baixo investimento desde a recessão de 2015 e 2016 já soma mais de oito anos de rentabilidade prejudicada para o empresário. Se não há renda do governo para estimular, também não há dinheiro sobrando para a tomada de decisão de investimento.
“Você começa a ter uma recuperação de investimento em 2024 porque o empresário começa a vislumbrar um futuro de juros menores e porque ele já adiou a recuperação da máquina enquanto pode. Mas é difícil avançar”, afirma.
“No nosso cenário-base, há uma recuperação, um crescimento de bens de capital, mas que não chega a compensar a perda desse ano.”
Fonte: G1