Foro privilegiado: entenda por que parlamentares agora são contra; STF tem maioria para ampliar regra


Até pouco tempo, políticos defendiam o foro por temer perseguição política na primeira instância e apostar na morosidade dos recursos. Agora, eles querem limitar esse direito.

Ampliação do foro privilegiado para julgar políticos está em discussão no STF — Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

A ampliação do foro privilegiado para julgar políticos, que já tem maioria formada no Supremo Tribunal Federal (STF), tem enfrentado resistência por parte dos parlamentares, que antes preferiam ser julgados pela Suprema Corte e agora querem evitá-la.

O julgamento foi suspenso na sexta-feira (11) pelo ministro André Mendonça, que pediu mais prazo para análise. Mas, se ninguém mudar de posição nesse período, o Supremo deve definir uma interpretação mais ampla que a atual para o foro privilegiado.

👉 Na prática, a tese que já reúne maioria no STF prevê que os processos contra políticos por condutas no exercício dos mandatos comecem a tramitar já nas instâncias superiores – mesmo se eles já tiverem saído da função.

Hoje, quando o político deixa o mandato, as ações tendem a ser enviadas para a primeira instância – os tribunais estaduais de Justiça ou as varas da Justiça Federal nos estados, por exemplo.

Essa mudança já tem votos favoráveis do relator, Gilmar Mendes, e dos ministros Cristiano Zanin, Flávio Dino, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso (presidente do STF). Ou seja, 6 dos 11 ministros.

A mudança, que até pouco tempo atrás seria celebrada pelos parlamentares, pode gerar um novo atrito entre Judiciário e Legislativo.

Se antes os parlamentares preferiam ser julgados pelo Supremo por acreditarem em uma maior chance de absolvição, de prescrição das ações, ou para evitar eventuais perseguições de opositores ou juízes de 1ª instância, agora o movimento é o contrário.

Se o foro já não bastasse, agora os ministros querem a extensão pós-mandato? É um acinte, precisamos rever isso com urgência.

— Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), 2º vice-presidente da Câmara

Crítica à atuação de integrantes da Corte, em especial do ministro Alexandre de Moraes, a oposição avalia que o julgamento em instâncias inferiores poderia dar maior margem para a defesa dos investigados.

Há, inclusive, uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que tramita na Câmara para, ao invés de ampliar, restringir ainda mais o foro privilegiado.

O texto estava paralisado desde 2018 – quando o sentimento entre parlamentares era oposto ao atual –, mas pode voltar a andar como uma reação legislativa à maioria formada no Supremo.


O STF e os processos contra parlamentares

Para especialistas ouvidos pelo g1, os parlamentares hoje contrários ao foro privilegiado atuam em defesa própria – já vislumbrando complicações originadas da participação de alguns deles em atos que atentaram contra a democracia.

Há um segundo motivo: se o processo já começa nas instâncias superiores, há menos possibilidades de recorrer de uma eventual condenação. Ou seja, reduzem-se os instrumentos para protelar uma decisão definitiva.

O incômodo com as ações no Supremo se agravou recentemente, com operações nos gabinetes de parlamentares realizadas neste ano.

Mas a pressão para que o tema voltasse ao Congresso ficou mais forte depois que o STF iniciou um julgamento que pode ampliar ainda mais o foro, garantindo a prerrogativa mesmo às autoridades que tenham saído do cargo.

O entendimento poderia impactar diretamente nas investigações que envolvem o ex-presidente Jair Bolsonaro e o deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), suspeito de ser um dos mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco.

No Congresso, a proposta mais avançada restringe o foro apenas para presidentes dos Poderes — da República, da Câmara, do Senado e do STF. Se fosse aprovada, deputados, senadores e todas as autoridades que hoje podem ser julgadas pelo Supremo teriam suas ações investigadas na primeira instância.

A aprovação do texto poderia restringir até 30 mil pessoas, segundo estimativas do relator da PEC no Senado, o senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP).

A PEC foi protocolada no início de 2013 e virou bandeira de alguns parlamentares com as manifestações daquele ano. Mas o texto só foi aprovado no Senado em 2017 e, no ano seguinte, passou por duas comissões da Câmara.

À época, em meio à Operação Lava Jato, havia um apelo popular para que as autoridades perdessem o foro privilegiado, que permite o julgamento no Supremo, e tivessem seus casos levados para a Vara de Curitiba, do então juiz Sergio Moro, ou para outros tribunais que as investigassem. Mais de cinco anos depois, o tema nunca andou na Câmara.


Resistências

Ainda que o tema hoje seja defendido pela oposição, a restrição do foro sofre resistência de grande parte da Câmara. Parlamentares do Centrão, por exemplo, dizem não ter certeza se a aprovação seria benéfica, já que deixaria as autoridades sob o julgamento de justiças nos estados que podem tomar decisões influenciadas pela política local e por eventuais opositores.

Segundo deputados, o próprio presidente da Câmara, Arthur Lira, não tem demonstrado boa vontade em avançar no texto e faz ressalvas à PEC.

Um dos incômodos dos parlamentares é que a PEC mais avançada no Congresso tira quase todos os casos do STF e leva para a primeira instância — onde não há colegiados e um juiz analisa o caso sozinho.

Deputados da oposição já admitem articular uma segunda proposta, modificando o texto para levar alguns casos à segunda instância. Se o texto for mudado, contudo, ele precisará ser analisado mais uma vez pelo Senado.


Especialistas

O advogado criminalista Michel Saliba lembra que, antes da implantação do processo eletrônico nos tribunais, os parlamentares eram beneficiados pela morosidade nos julgamentos.

O processo eletrônico fulminou a possibilidade de morosidade. Antes, uma ação penal no Supremo você levava para prescrição. Eram autos físicos, você não tinha controle.

— Michel Saliba, advogado

Para ele, mais do que uma disputa entre Congresso e STF, a tentativa dos parlamentares de restringir o foro em contraposição à Corte é uma ação em defesa própria, seja por receio de eventuais desdobramentos de inquéritos mirando atos contra a ordem democrática, seja pela possibilidade de recorrer a três instâncias (TJs, STJ, STF) em caso de condenação.

“A oposição, ao ver o posicionamento da Corte em relação aos atos de 8 de janeiro, imaginam que destino melhor não terá o deputado acusado de algo dessa natureza. Eles também estão agindo em defesa própria”, afirmou.

Na avaliação dele, os parlamentares estão buscando se colocar em situação de cidadãos e tomando o cuidado necessário para não serem expostos a medidas de urgência.

Eles vão querer para si o direito de todo cidadão de querer ser julgado em todas as instâncias, usando todos os recursos.

— Michel Saliba, advogado

O advogado criminalista Juliano Breda defende que, qualquer que seja a decisão do Supremo ou do legislativo, ela pacifique de vez a questão.

“Eu sou crítico das mudanças contínuas, seja por parte do legislativo ou do judiciário. Acho que o foro privilegiado ou qualquer foro por prerrogativa não pode sofrer alterações casuísticas. Independentemente das divergências do STF e do Congresso, é um tema que precisa ter uma decisão final”.


‘Foro misto’

O advogado criminalista Pierpaolo Bottini afirmou que o STF não tem “vocação” para conduzir processo criminal.

Ele defende uma espécie de “foro misto” para os parlamentares, com a instrução processual na primeira instância, mas a manutenção das decisões que podem influenciar no mandato nos tribunais competentes.

Nada impediria que o parlamentar fosse julgado em primeiro grau, tivesse recurso e assim por diante. Agora, as medidas cautelares que impactassem no exercício das funções, como um afastamento, uma prisão ou algo do gênero, aí essas teriam sempre que ser tomadas pelo tribunal competente. Eu acho que com isso você garantiria uma celeridade no processo, mas ao mesmo tempo preservaria o mandato.

Saliba segue a mesma linha.

"Eu entendo que, ao final, o parlamentar será processado e julgado na primeira instância, mas as medidas de urgência, especialmente aquelas que envolvem cerceamento de liberdade em caráter provisório, terão que ser decretadas por autoridades de tribunais superiores. Ao final do debate, nós chegaremos a esse denominador comum, na minha opinião”.



Fonte: G1



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