Mãe denuncia escola após filha autista de 7 anos passar mal e dizer que recebeu 'balinha com gosto de remédio'


Exame toxicológico apontou presença de substância calmante em urina da aluna. Mãe diz que escola negou ter medicado a aluna.

Uma manicure moradora de Vitória denunciou uma escola municipal da capital após a filha de 7 anos apresentar sonolência e letargia. A menina tem diagnóstico de autismo e toma remédios de rotina, mas, no dia 25 de abril, quando apresentou os sintomas, estava sem nenhum medicamento, segundo a mãe. Na terça-feira (11), um laudo da polícia constatou a presença de aminoclonazepam no exame toxicológico da criança.

Procurada a Prefeitura de Vitória, responsável pela escola, que respondeu que não fala sobre o caso por se tratar de uma menor de idade. Leia a nota completa no final da reportagem.

Segundo a mãe, desde o diagnóstico de autismo, a menina faz uso de medicamentos controlados, Ritalina (nome comercial do cloridrato de metilfenidato), pela manhã, e Neuleptil (nome comercial da periciazina), à noite. Mas a mãe alegou que, no dia do fato, se esqueceu de medicar a criança de manhã.

Mãe denuncia escola após filha autista de 7 anos passar mal e dizer que recebeu 'balinha com gosto de remédio' em Vitória, Espírito Santo. — Foto: Arquivo pessoal

A criança tem dificuldade para dormir, o que fez o quadro de sonolência gerar desconfiança na mãe.

"Quando saiu da escola, minha filha estava com sono, achei estranho porque ano passado eu passei nove meses com ela dormindo 2 ou 3 horas por noite. Na rua, chegou a pedir colo para uma pessoa estranha, mas minha filha não abraça estranhos. [...] No salão uma cliente comentou que ela tava com sono. Aí ela levantou da poltrona, passou por debaixo de uma prateleira e bateu a cabeça. Na hora, levantei e perguntei o que estava acontecendo", declarou a manicure.

"Ela estava com fala desconexa, semblante caído e rindo sem motivo algum. Era nítido ver que ela estava dopada"

Ao tentar conversar com a filha, a menina teria dito que recebeu três balas na escola e que o gosto era ruim, semelhante ao de remédio. A mãe afirma que a diretora e uma professora teriam dado os supostos doces.

"Eu perguntei 'o que você comeu na escola?', ela disse que foram três balas, uma verde, uma vermelha e uma igual um chocolate, mas essa marrom tinha gosto de remédio", contou.

A mãe ligou para o 190 para pedir orientações ao Centro de Informação e Assistência Toxicológica (Ciatox/ES) e para o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). De acordo com a mulher, o atendente do Samu identificou por telefone sinais de que a menina teria sido medicada e orientou a levá-la a um Pronto-Atendimento (PA). A condução foi seguida e no PA ela foi atendida e medicada.

"Informei toda a situação, o médico avaliou ela, falou que ia botar no soro para ver se reagia, mas ela não esboçava nada, pelo contrário, continuava sonolenta", disse.

No dia seguinte, a manicure buscou uma explicação com a escola, que negou ter medicado a aluna.

De acordo com a manicure, representantes da escola disseram que o problema poderia ter sido uma aula de educação física.

A mulher fez Boletim de Ocorrência (BO) na Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) e, posteriormente, a criança foi encaminhada para realizações de exames toxicológicos.

O caso foi denunciado na Prefeitura de Vitória, no Ministério Público e também informado ao Conselho Tutelar.

O nome da vítima e dos envolvidos não foram divulgados em respeito ao que determina o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).


Substância apontada pelo exame não está presente nos remédios de rotina da menina

Mãe denuncia escola após filha autista de 7 anos passar mal e dizer que recebeu 'balinha com gosto de remédio' em Vitória, Espírito Santo. — Foto: TV Gazeta

A partir da declaração da mãe, de que a criança não teria tomado a medicação no dia 25 de abril, a reportagem procurou um especialista para entender se a falta do remédio causaria algum dos sintomas que a criança apresentou.

Na avaliação do neurologista infantil Thiago Gusmão isso não seria possível e, pelo contrário, a menina poderia ficar sem concentração, desatenta, dispersa, sem foco e até mais agitada.

O médico explicou comentou o uso do aminoclonazepam e falou sobre os efeitos colaterais de uma dosagem de acima da tolerada para um organismo.

"Esse remédio é utilizado, muitas vezes, para regular a qualidade do sono, quadros de ansiedade e pânico grave, eu não tenho costume de usar em criança. A dose ideal e a de efeito colateral são específicas para cada organismo. No caso do aminoclonazepam ministrado em excesso os sintomas poderiam ser sonolência, letargia, apatia, às vezes salivação, aspecto de dopada", explicou Gusmão.

O médico ainda esclareceu que a substância aminoclonazepam encontrada no organismo da criança, não está presente nos medicamentos de rotina da aluna. Disse ainda que esse medicamento é vendido com talão azul, pode provocar dependência e por isso deve ser administrado e consumido com orientação médica.


Relatos de medicação na escola não são comuns

Sala de aula. — Foto: Reprodução/RBS TV

A presidente da Associação dos Amigos dos Autistas do Espírito Santo (Amaes) Poliana Paraguassu, disse que relatos de casos como esses não são comuns.

"A maior parte dos relatos que a gente recebe são sobre falta de cuidador, de professor, falta de plano individual de atendimento, agora questão de medicação não é frequente. [...] Qualquer medicação causa efeitos, às vezes agravados quando associados a medicações que a pessoa já toma, então é uma questão delicada mesmo".

Na avaliação da Poliana, mães que passem por qualquer situação parecida devem procurar a escola, a direção, a secretaria de educação, para entender o que houve.

"Eu digo por mim mesma, qualquer coisa que acontecia com o meu filho quando estava em idade escolar, o meu pedido era que fizessem contato comigo. Qualquer comportamento inadequado, qualquer crise, eu preferia que o contato fosse feito. Eu sempre fiz isso e oriento também a buscar informações através do diálogo, mas se não resolver, é preciso recorrer ao Ministério Público, a polícia. E não deixar de procurar os seus direitos", orientou a presidente.

Segundo Poliana, tanto profissionais como famílias sofrem com a falta de informação.

"A gente roda o estado com a associação para falar sobre as dificuldades enfrentadas no ambiente escolar, e percebe que ainda existe falta de informação, de formação, de capacitação. Muitas vezes, informação até das famílias, que precisam se empoderar das leis, dos direitos que têm", concluiu a presidente.


O que dizem as autoridades

Prefeitura de Vitória

A Secretaria Municipal de Educação disse que informações envolvendo crianças e adolescentes são protegidas por sigilo imposto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Sobre a distribuição de bala, a prefeitura informou que é vedada na rede municipal de ensino. Ponderou que, diariamente, são servidas em média mais de 90 mil refeições nas 104 unidades de ensino de Vitória. Os alimentos oferecidos nas escolas compõem cardápios balanceados e superam a média de necessidades nutricionais recomendada pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).


Polícia Civil

A Polícia Civil informou que o caso segue sob investigação da Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente e ao Idoso (DPCA). Por envolver menor de idade, o caso segue sob sigilo.


Ministério Público

O Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) respondeu que recebeu documentação e informações referentes ao caso, analisa os fatos e acompanha o inquérito policial instaurado, para a adoção das medidas cabíveis. O caso tramita em sigilo, conforme estabelecem as leis de proteção à criança e ao adolescente e, por essa razão, no momento, não é possível fornecer mais informações.


Fonte: g1 ES


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