Crateras de até 80 metros, 7 mortos em acidentes e dezenas de casas engolidas: os 30 anos das voçorocas em Buriticupu


Trio de voçorocas localizadas uma ao lado da outra, em Buriticupu. Ao centro, a voçoroca da Rua Dr. Medeiros. — Foto: Reprodução/Marinho Drones

Localizada em uma região de terreno frágil, de grande altitude, e com histórico de falta de infraestrutura e planejamento urbano, a cidade de Buriticupu registra há 30 anos o crescimento de pelo menos 26 precipícios que ameaçam, atualmente, a vida de 55 mil moradores – sete pessoas já morreram em acidentes envolvendo as voçorocas, segundo a associação de moradores.

💡 Contexto: Buriticupu fica no topo de uma região com cerca de 200 metros de altitude, cercada de vales. O solo da região tem presença predominante de areia, silte e argila, com pouca porosidade. E, com o avanço do desmatamento, o solo fica ainda mais suscetível ao surgimento das crateras. Cerca de 70 casas já foram engolidas pelos buracos e, sem obras de contenção, alguns chegam a 600 metros de extensão e 80 de profundidade.

Segundo os moradores, o problema está ligado ao nascimento da cidade, quando a ocupação da região na década de 1980 foi feita sem planejamento e com muita extração irregular de pedras e madeira.

A maioria dos que ainda vivem na cidade já perdeu as esperanças de solução para as crateras, mas não possuem outro lugar para morar. Maria Antonia é moradora da cidade e perdeu o filho, que foi arrastado para dentro de uma voçoroca durante uma chuva.

"Há poucos dias, agora nesse inverno, por pouco a água não levou [para dentro da voçoroca] uma amiga. Ela caiu, a mesma tragédia que aconteceu com meu filho, ia acontecendo com ela", relatou.

A prefeitura não respondeu aos questionamentos recentes feitos pelo g1. No entanto, em abril, informou que uma série de recursos fornecidos pelo Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) estão sendo destinados à assistência emergencial e para construção de casas populares para os afetadas pelas crateras.

A cidade, agora conhecida nacionalmente pelas gigantes crateras, recebe o nome do principal rio que a atravessa: o Rio Buriticupu. Segundo moradores antigos, os indígenas Guajajara batizaram o manancial devido à abundância de buriti no leito e cupuaçu nas margens. Ou seja, uma junção dos dois nomes.

Nesta reportagem, veja histórias de sete das 26 voçorocas que ameaçam a cidade maranhense.

Voçoroca da Rua João Moreira

Foto: Arte g1 / Bianca Batista, Dhara Assis e Bruna Azevedo

A cratera da Rua João Moreira, no bairro Terra Bela, é famosa na cidade devido a morte de Márcio Costa Araújo, em outubro de 2022. Ele estava em sua moto, com a esposa, a caminho da casa da mãe, quando se deparou com uma enxurrada após um dia chuvoso.

Márcio tentou atravessar com a moto, mas a água o derrubou. A esposa pulou e consegui se salvar, mas a água arrastou o homem até uma voçoroca, que fica colada na rua.

"Meu filho me ajudava demais (...) tinha muitos sonhos. Nem gosto de falar. Sempre vinha aqui pra ver como eu estava. Sinto muito a falta dele. (...) Todos os dias eu me lembro dele", conta a dona Maria Antônia, mãe de Márcio.

Após várias buscas, o corpo de Márcio foi encontrado a cerca de 800 metros da boca da voçoroca, que era usada para escoamento de água da chuva, mas sem sinalização. Atualmente, o local ainda é usado como galeria e também virou ponto para descarte irregular de lixo.

"Aqui não foi feito nada ainda, né? Já era pra eles [prefeitura] terem feito alguma coisa, terem tomado alguma providência, porque, como a gente sabe, eles não tomaram providência então", finaliza Maria.

A reportagem procurou a prefeitura de Buriticupu sobre obras de contenção, mas não obteve resposta até a última atualização desta reportagem.

Voçoroca no Residencial Eco Buriticupu

Foto: Arte g1 / Bianca Batista, Dhara Assis e Bruna Azevedo

No Residencial Eco Buriticupu, com centenas de casas construídas, o valor dos imóveis já caiu mais de 50% e ainda assim não há quem aceite comprar. O motivo é o crescimento de uma enorme voçoroca e outras menores que estão se formando ao redor do bairro.

Centenas de casas estão ameaçadas e muitas já foram abandonadas porque estão à beira de abismos. Em toda Buriticupu, nos últimos 10 anos, as crateras engoliram cerca de 70 casas, tanto no Residencial Eco, como também em outras regiões.

"É horrível. Em tempos de chuva, eu não tenho vontade de sair de casa... porque eu fico preocupada de chegar e ter acontecido alguma coisa... é um horror", afirma Kaillany Pinheiro, estudante e moradora do Residencial Eco Buriticupu.

Região propícia para a formação das crateras

Geograficamente, Buriticupu fica no topo de uma região com cerca de 200 metros de altitude, cercada de vales. O solo tem presença predominante de areia, silte e argila, com pouca porosidade, segundo estudo realizado pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) na região.

Além dessas características, a cidade cresceu sem planejamento urbano e com muita extração irregular de pedras e madeira — contribuindo para o avanço das crateras (entenda na ilustração abaixo)

Desmatamento causou crateras que ameaçam 'engolir' casas no MA — Foto: Kayan Albertin/g1

Na área urbana, sem canalização adequada, quando chove, a água vai abrindo caminhos por onde passa e terminam caindo nas próprias voçorocas.

Chuva causa enxurrada em voçoroca em Buriticupu, no Maranhão

"Tem uma cidade que não tem saneamento básico, tem uma cidade que tem ruas direcionadas para encosta, então canaliza toda a água para lá, tem o esgoto que cai nesses lugares, vai intensificando, tem uma população que é vulnerável, mas que não quer sair porque não tem ainda uma sensibilidade, nem tem para onde ir”, disse Marcelino Farias, professor e doutor em ciência do solo.

A voçoroca próxima à Rua da Alegria, com a Rua da Liberdade, é a maior da cidade, com 80 metros de largura, atualmente. Ela é composta por outros três precipícios menores, e deve continuar aumentando.

Foto: Arte g1 / Bianca Batista, Dhara Assis e Bruna Azevedo

A mais antiga

O problema das voçorocas na cidade perdura há pelo menos 30 anos, segundo os moradores. No entanto, o precipício mais antigo, da Rua da Cafeteira, começou se formar há 48 anos, quando ainda era uma gruta, e se transformou numa voçoroca no decorrer das décadas.

Foto: Arte g1 / Bianca Batista, Dhara Assis e Bruna Azevedo

"Ela teve início nos anos de 1976, com o início da colonização da cidade, portanto são 48 anos. Era uma gruta que foi crescendo. A extração de madeira e também de pedras fez com que o terreno ficasse totalmente desprotegido", explicou o professor e presidente da Associação de Moradores das Áreas Atingidas pelas Erosões de Buriticupu, Isaías Neres

"Na proporção que a água ia caindo com as chuvas, o solo frágil acabou crescendo a erosão (...) e tem também a questão da canalização da água, pois toda a água vinha para essa região", concluiu.

Poucas ações de contenção em três décadas

Segundo moradores da região, nas três décadas em que as crateras avançam na cidade, não houve obras de contenção adequadas e com força para conter o avanço das crateras.

Na Zona Rural da cidade, uma das voçorocas, por exemplo, está ameaçando cortar completamente a única via que leva aos povoados Acampamento e Centro do Meio, onde moram cerca de 200 famílias – a população da região só possui a Estrada do Acampamento como via até a área urbana, mas quase toda a estrada está à beira do abismo, que se formou nos últimos anos.

Foto: Arte g1 / Bianca Batista, Dhara Assis e Bruna Azevedo

Em 2024, após várias reportagens mostrando o problema das voçorocas, a Prefeitura de Buriticupu começou uma obra de contenção nessa estrada, no mês de maio – a única em 30 anos.

Na obra, tratores colocaram terra na beira da estrada para cobrir os buracos. No entanto, os moradores e especialistas acreditam que o serviço não terá resultado a longo prazo, com o retorno do período chuvoso.

"Para combater as voçorocas teria que ser feito uma obra na cabeceira e nas áreas laterais para ela não avançar. Fazer tipo umas escadas, de baixo pra cima, e escavar o solo até atingir um ângulo de estabilidade. Pelo visto, não estão fazendo. Pelas imagens, não vai resolver", explica o professor Marcelino Silva, que estuda há anos as voçorocas de Buriticupu.

Os acidentes

No dia 9 de maio de 2023, uma casa foi 'engolida' por uma das crateras, após um deslizamento de terra ocorrido em uma rua do bairro Vila Isaías. Segundo o Corpo de Bombeiros, a residência já havia sido evacuada e não houve vítimas.

Uma semana antes, o policial militar aposentado José Ribamar Silveira caiu dentro de uma das crateras enquanto manobrava uma caminhonete. A queda foi de uma altura de, aproximadamente, 80 metros.

Foto: Arte g1 / Bianca Batista, Dhara Assis e Bruna Azevedo

José Ribamar foi encaminhado para uma Unidade de Pronto-Atendimento na época. A vítima teve um braço quebrado e uma fratura exposta no pé esquerdo. Ele foi transferido para um hospital de São Luís e passou vários dias internado.

"Era 2h e tinha uma interdição na estrada, mas não tinha sinalização ao lado. A estrada é acompanhando a voçoroca. Quando vi que não tinha saída, dei uma ré pra sair e o buraco estava ao lado. Quando eu caí, eu estava consciente. (...) Eu quis sair do carro, mas não pude, porque o pé estava quebrado", conta o policial aposentado.

A mesma voçoroca onde o PM caiu é o buraco que chamou a atenção do mundo, em 2023. Nas imagens aéreas, gravadas por um morador, o tamanho das crateras impressionou e viralizou nas redes sociais.

Em 2024, no dia 19 de março, 36 pessoas foram resgatadas na região Buriticupu, e também Santa Luzia, com a ajuda de helicópteros do Centro Tático Aéreo (CTA). Ao menos cinco vilas, nos dois municípios, que ficam localizadas em uma área de vale, foram atingidas por lama de deslizamentos.

O que pode ser feito

O surgimento de novas crateras podem ser prevenidas para evitar tragédias de maiores proporções. Ao g1, o professor Fernando Bezerra explica que, para isso, é necessário investir na proteção do solo com a cobertura da manutenção vegetal da área próxima, principalmente em locais com alta declividade e próximo as nascentes de rios.

Na Rua Dr. Medeiros, uma das voçorocas mais famosas da cidade está entre um trio que facilmente é visto nas imagens de satélite. O local fica colado a uma rua bastante movimentada, e apenas alguns arames tentam indicar que ali existe um abismo.

Foto: Arte g1 / Bianca Batista, Dhara Assis e Bruna Azevedo

De acordo com o departamento de Geociência da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), a universidade alertou as autoridades, por meio da publicação de artigos em revistas, sobre o problema das voçorocas. Para o professor Marcelino Silva, faltou planejamento no modelo de urbanização e ação para combater o avanço das crateras.

Segundo ele, para tentar solucionar o problema, deve-se evitar queimadas e desmatamento em áreas próximas, devido a instabilidade do solo. Para uma maior eficácia, conforme o professor, são necessários investimentos em infraestrutura com esgotamento sanitário, drenagem urbana e a retirada da população de perto das crateras.

"Deve-se desviar os fluxos de águas que chegam às cabeceiras das voçorocas, investir no plantio de espécies arbóreas nas bordas e interior e no retaludamento das paredes das voçorocas com aplicação de técnicas de bioengenharia de solos", disse o professor.

Ações na Justiça

Desde 2022, o Município de Buriticupu tem o compromisso de realizar obras para solucionar os problemas da voçorocas. Por meio de um acordo com o Ministério Público, a prefeitura disse que iria delimitar, isolar e sinalizar as áreas de risco. Além de interditar imóveis, remover as pessoas, cadastrar as famílias afetadas pela erosão, além de custear o aluguel social e apresentar levantamento das áreas afetadas.

A Prefeitura também se comprometeu a conter as erosões em 90 dias e, em um ano, faria a recuperação ambiental das áreas afetadas. Porém, todos os acordos foram descumpridos.

Segundo os moradores, nos últimos 30 anos, houve apenas algumas ações paliativas em áreas críticas, como próximo de rodovias. Em outras regiões, como no Residencial Eco Buriticupu, as voçorocas seguem avançando e engolindo casas.

Casa engolida' por voçoroca em Buriticupu — Foto: Divulgação/Corpo de Bombeiros

Também somente após os acidentes e a repercussão nas redes sociais sobre o tamanho das crateras, em 2023, algumas sinalizações foram colocadas próximas de algumas voçorocas. Mas, a maioria também continua sem placas ou indicações para a população sobre a proximidade com os abismos.

Calamidade pública

Em março do ano passado, a Defesa Civil Nacional esteve em Buriticupu avaliando a situação. Na época, foi decretado estado de calamidade pública. O Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional se comprometeu em ajudar a resolver o problema.

Em nota, o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (MIDR) disse que, no dia 8 de fevereiro deste ano, foi publicado o convênio para ações de recuperação em Buriticupu, no valor de R$ 11.220.347,48, dos quais a primeira parcela, no valor de R$ 3.366.104,24, já foi repassada em 27 de março para a reconstrução de 89 Unidades Habitacionais no município, em razão das voçorocas. O processo, porém, ainda estaria em fase de execução.

A Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec) disse que, em março de 2023, houve o repasse de R$ 687 mil para aquisição de materiais de assistência humanitária para as famílias desabrigadas, desalojadas e afetadas pelo avanço erosivo das voçorocas.

"Nos dias 08, 09 e 10 de maio de 2023, foi realizada visita técnica em Buriticupu para orientar os gestores do município sobre as ações necessárias. Em razão disso, o município apresentou à Secretaria um Plano de Trabalho para recuperação de vias e estabilização de processos erosivos, dividido em duas metas: a) estudos e projetos da obra e b) obras emergenciais de drenagem. O valor solicitado foi de R$ 40.888.460,25. Atualmente, o processo encontra-se na área técnica em fase final de avaliação", diz a nota.

Por fim, a Defesa Civil Nacional do MIDR afirma que está debatendo uma estratégia de gestão do desastre juntamente com o município desde a visita em campo.

A reportagem entrou em contato com a Prefeitura de Buriticupu e o prefeito da cidade, João Carlos, pedindo explicações sobre a falta de obras, de sinalização e o uso dos recursos enviados pelo governo federal para conter as voçorocas. No entanto, não houve retorno.

Em abril, a Prefeitura de Buriticupu havia informado apenas que os recursos foram destinados à assistência emergencial e para construção de 89 casas populares para as famílias afetadas pelas crateras. Disse ainda que a obra já foi licitada e que aguarda recursos federais para obras emergenciais de drenagem das crateras.

Foto: Arte g1 / Bianca Batista, Dhara Assis e Bruna Azevedo


Fonte: G1


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