Irmãos se relacionam com a mesma mulher, são acusados de feminicídio e um deles é perdoado pela Justiça

Cada um dos irmãos teve filhos com Aline Farias Zucolotto, morta a tiros em 2020. Apesar de responderem pelo mesmo crime de feminicídio, um deles foi absolvido; enquanto o outro, condenado.

Tribunal de Justiça do ES — Foto: Divulgação/ TJ-ES

Dois irmãos que foram apontados como autores do mesmo feminicídio receberam sentenças diferentes da Justiça do Espírito Santo no dia 25 de junho deste ano. Marcio Gleide Neres dos Santos foi condenado a 23 anos e 8 meses; enquanto que Jemirson Neres dos Santos recebeu clemência, sendo absolvido das acusações pelo mesmo crime.

Os dois tiveram relacionamentos e filhos com a mesma mulher, Aline Farias Zucolotto, que foi morta a tiros na madrugada em janeiro de 2020.

A denúncia do Ministério Público do Espírito Santo (MPES) diz que os irmãos praticaram o crime juntos. Na ocasião, Aline estava chegando em casa com o então namorado, Diego Borges de Oliveira, que também foi atingido pelos disparos, mas sobreviveu.

''Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, em ação conjunta, mediante o emprego de recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido...", consta na decisão sobre a atuação dos irmãos.

O julgamento do caso começou às 8h do dia 24 de junho, no Fórum de Fundão, na Região Metropolitana do Espírito Santo. Após dois dias, o Tribunal do Júri decidiu pela condenação de Márcio e absolvição de Jerminson em relação ao crime de feminicídio.

Além do crime de feminicídio, no qual um foi condenado e outro, perdoado, os irmãos responderam por tentativa de homicídio contra o namorado de Aline na época. Nesse inquérito específico, no entanto, os dois irmãos foram condenados (entenda a situação de cada um na reportagem).


A sentença foi assinada pelo juiz presidente Luciano Antonio Fiorot.

Cápsulas de munição ficaram no chão do bairro após os tiros — Foto: Reprodução/TV Gazeta

Entenda o crime

Os irmãos Jermison Neres dos Santos e Marcio Gleide Neres dos Santos foram acusados de matar Aline Farias Zucolotto com vários disparos de arma de fogo. O crime aconteceu na madrugada do dia 19 de janeiro de 2020.

Na ocasião, Aline estava dentro do carro com o então companheiro. O casal foi abordado por dois indivíduos em uma motocicleta e, quando saíram do carro, foram atingidos com vários disparos. A mulher morreu e Daniel foi atingido em um dos braços.

Segundo a denúncia, Aline foi namorada de Márcio Gleide, com quem teve um filho. Quando o relacionamento se encerrou, começaram as brigas por pensão alimentícia. Algum tempo depois, a mulher começou a se relacionar com Jermison, com quem também teve uma filha. Após a separação, também houve briga, mas, desta vez, o motivo era a guarda da criança que o pai queria.

Na sentença de pronúncia — que encaminhou os irmãos para julgamento —, é informado que a motivação do crime veio da intenção de Jermison de conseguir a guarda unilateral da filha; por sua vez, Márcio teria agido por querer se ver livre da obrigação de pagar pensão alimentícia, além de se vingar de Aline por ter ficado preso durante quase três meses pelo não pagamento da obrigação alimentar em 2019.

Em sua denúncia, o MPES informou que os dois irmãos atuaram em conjunto. "Agindo de forma consciente e voluntária, com inequívoco intuito de matar, em concurso e mediante acordo de vontades, cada qual anuindo com a conduta do outro e contribuindo de alguma forma para o evento, foram os responsáveis pela morte de Aline".

''O crime foi praticado por motivo torpe e em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher, em razão de sua condição de sexo feminino, caracterizando a figura do feminicídio'', diz também a denúncia.


Irmãos tentaram matar namorado da ex-companheira

Além do feminicídio contra Aline, os irmãos também foram acusados por tentativa de homicídio contra o companheiro dela na época. Nos relatos à Justiça, feito pela promotoria, é informado que ele tentou impedir que a mulher fosse morta e acabou sendo atingido pelos disparos.

Ainda de acordo com o documento, Daniel reconheceu os réus como autores do ataque homicida e disse que foi Jermison que atirou, enquanto Marcio pilotava a moto. Neste caso, tanto Jermison quanto Márcio foram condenados.


Confira como ficou a situação de cada um dos réus:

Jermison Neres dos Santos: obteve clemência e foi absolvido pelo feminicídio de Aline. Mas foi condenado a 4 anos de reclusão pela tentativa de homicídio contra Diego. Como já estava preso desde 2020, já cumpriu quase toda a pena e os meses que faltam serão em regime aberto. Ele já foi solto.
Marcio Gleide Neres dos Santos: foi condenado pelo feminicídio de Aline e pela tentativa de assassinato contra Diego a 23 anos e 8 meses de prisão em regime fechado. Ele está foragido.


'Decisão é um contrassenso', diz promotor

Para o promotor Egino Gomes Rios da Silva, que foi relator do processo, a morte de Aline trata-se de um crime gravíssimo, no qual ela foi morta sem a possibilidade de defesa e o companheiro foi atingido com disparos no braço.

"A vítima foi morta pela condição de ser mulher. Mulher esta que tinha filho com cada um dos acusados. Houve a coparticipação de ambos, que estavam nas mesmas circunstâncias e no mesmo lugar", destacou.

Egino destacou que, se houvesse uma absolvição geral dos crimes cometidos por Jermison, a sentença faria mais sentido.

"Segundo a prova do processo, o casal estava dentro do carro no momento que dois indivíduos abordaram o veículo em uma motociclista, desferindo vários disparos. A mulher foi a óbito e o homem foi ferido no braço. O jurado entendeu que ele [o homem absolvido] praticou o homicídio tentado e qualificado, mas não o feminicídio. 

Que clemência é essa? Pela metade?", comentou.

O promotor explicou que apesar de não ser comum, a clemência está presente no Código de Processo Penal desde 2008, quando passou a ser incluído, entre os quesitos a serem respondidos pelos jurados a seguinte pergunta, de caráter obrigatório: "O acusado deve ser absolvido?".

No caso de Fundão, os jurados confirmaram em uma pergunta anterior que Jermison era o autor dos disparos que matou a vítima, mas a maioria decidiu que ele deveria ser absolvido.

“Só posso atribuir essa condenação incoerente a algum equívoco. Não dá para entender uma situação dessa. Absolver por tentar contra a vida de uma mulher, mas condenar por tentar contra a vida de um homem. Vou recorrer para tentar, através do Tribunal de Justiça, mudar essa decisão. Eu entendo que foi um veredito equivocado", finalizou.


O que diz as defesas

Para o advogado e cientista criminal Augusto Martins Siqueira dos Santos, responsável pela defesa de Jermison, houve justiça para seu cliente com a absolvição em relação ao crime de feminicídio.

"Foi através da investigação que eu consegui descontruir as acusações contra ele [o cliente]", disse.

Perito em investigação criminal defensiva — previsto no Provimento 188/18, da Ordem dos Advogados do Brasil -, o advogado explicou como acredita que conseguiu a clemência dos jurados.

"Na primeira fase do processo, que é o inquérito na delegacia, a acusação coloca que os dois homens estavam sem capacete. Na fase de instrução, a testemunha principal disse que apenas um estava de capacete. Já no dia do júri, ele fala que os dois estavam com capacete".

"Foi aí que eu ganhei o júri. Esse conflito de informação comprovou que ele queria imputar, com a justiça dele, a condenação", explicou o advogado.

Augusto explicou ainda que, neste caso, prevaleceu o princípio do "In Dubio Pro Reo", expressão latina que significa "na dúvida, a favor do réu" (em tradução livre). Assim, o princípio do "in dubio pro reo" adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro expressa que, havendo dúvida no processo penal, por falta de provas, a interpretação do Juiz deve ser em favor do acusado.


Fonte: G1


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