Ministério da Saúde traça estratégias para acelerar atendimentos complexos no SUS


Medida busca reduzir as filas de cirurgia que aumentam com os cancelamentos unilaterais de planos de saúde

Uma das medidas do governo é reduzir as burocracias que o paciente enfrenta por meio da ampliação do acesso a especialistas — Foto: Edilson Dantas / O GLOBO

Com uma demanda represada no Sistema Único de Saúde (SUS) causada pelo envelhecimento da população, migração de usuários de planos para hospitais públicos e pandemia de Covid, o Ministério da Saúde faz uma ofensiva em várias frentes para tentar reduzir as filas de cirurgia, seja de ordem simples ou complexa, e desafogar o SUS. O esforço envolve desde o corte de burocracia e planejamento regional para as filas até a implementação de um prontuário único e atendimentos em telessaúde.

O governo demonstrou priorizar o tema em fevereiro do ano passado, ao destinar R$ 600 milhões para o Programa Nacional de Redução de Filas, que traz estratégias para ampliar o acesso a cirurgias, exames e consultas. De março do ano passado a abril deste ano, cerca de 958 mil cirurgias eletivas (que não são consideradas de urgência) foram feitas por meio da política, segundo dados do ministério. Em 2024, foi reservado R$ 1,2 bilhão para o programa, com a meta de 1,6 milhão de cirurgias.

O conjunto de medidas, contudo, não é suficiente para aliviar a demanda por cirurgias complexas, e vem avançando apenas na realização de procedimentos simples, como a correção de cataratas, uma das mais procuradas pela população atendida no SUS.

Segundo o Ministério da Saúde, em novembro de 2023, mais de 1 milhão de pessoas estavam na fila do SUS aguardando por cirurgias eletivas em todo o país. Em nota, a pasta informou, porém, que ultrapassou a meta de atendimentos em "dois ciclos" do programa de redução de filas.

Entre março e janeiro de 2024, a meta de cirurgias foi superada em 30%, com a realização de 648.729 procedimentos. Já entre fevereiro e maio de 2024, houve atendimento 60% acima do planejado, com 438.355 intervenções. "O programa se mostrou responsável por 86% da expansão das cirurgias eletivas no país em 2023", diz a pasta.

Diante da necessidade de atender à demanda, a pasta passou a investir em novas políticas que se conectam ao programa lançado no ano passado e visam resolver gargalos. Em abril, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra da Saúde, Nísia Trindade, lançaram o programa Mais Acesso a Especialistas, com foco em reduzir as burocracias que o paciente enfrenta durante um tratamento no SUS. O investimento é de R$ 1 bilhão.

A ideia é agilizar o atendimento, concentrando exames e consultas em unidades de saúde próximas à casa da pessoa e, dependendo do caso, atendendo por meio de telessaúde. Na prática, o programa foi iniciado há cerca de duas semanas.

A iniciativa também amplia o atendimento em especialidades como oftalmologia, ortopedia e cardiologia por telessaúde, modelo que permite reduzir as barreiras geográficas, já que é difícil levar profissionais especializados ao interior do país.

— Não vamos acabar com as filas. Se trata de reduzir o tempo de espera. O que muda é que o atendimento é centrado nas necessidades do paciente, e não nos serviços isolados — declarou a ministra, durante o lançamento.

A ofensiva do governo para gerenciar as filas ainda conta com a organização de planos regionais. No mês passado, a pasta começou a receber das unidades da federação diagnósticos sobre as necessidades da rede, identificação dos principais problemas e prioridades, número de filas por procedimento e sistemas utilizados.

A medida é vista com bons olhos pela médica sanitarista e pesquisadora da USP, Marília Louvison, que cita a fragmentação das filas e ausência de um sistema centralizado de atendimento como dois dos principais empecilhos para a demora no atendimento de procedimentos complexos no SUS:

— Não são filas únicas porque ainda não temos um sistema de informação em que as gestões federal, estadual e municipal estejam integradas. Então, muitas vezes há filas duplicadas e o governo tem dificuldade de adequar a oferta e identificar onde está a demanda.

Outros desafios estão ligados à natureza dos serviços: cirurgias mais complexas dependem de boas tecnologias e profissionais qualificados, assistências que não são distribuídas de forma equânime no SUS em todo o país.

— Uma grande questão, principalmente para os procedimentos mais complexos, é que eles dependem de maior densidade tecnológica. Isso quer dizer que preciso de recursos financeiros e políticas de formação e descentralização de profissionais em um país extremamente desigual, com vazios assistenciais em partes do Centro-Oeste, Norte e Nordeste — comenta Louvison.

Na avaliação do sanitarista e ex-secretário de Atenção Primária, Nésio Fernandes, a ausência de uma plataforma tecnológica que centralize os dados sobre a espera no SUS gera “uma desorganização do acesso dos pacientes no SUS até às cirurgias”.

— Entre ir na atenção primária e chegar ao centro cirúrgico, ainda se enfrenta caminhos difíceis no sistema de saúde. Poderíamos ter soluções tecnológicas que fossem capazes de organizar essa caminhada, uma plataforma digital que permitisse o acompanhamento independente do nível de atenção, do nível de gestão ou da esfera jurídica do prestador.

Nesse sentido, o governo federal anunciou neste mês que o SUS Digital, aplicativo do sistema, terá uma aba de acompanhamento de consultas, exames e procedimentos. Além disso, os profissionais da saúde poderão ter acesso a um prontuário eletrônico unificado. A medida, contudo, ainda não foi colocada em prática.

O envelhecimento da população e a migração de clientes de planos de Saúde para o SUS, além de um represamento de atendimentos causado pela pandemia da Covid-19, são os três principais motivos apontados pela Louvison para a espera no SUS.

Na última semana, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça, solicitou esclarecimentos adicionais a 17 operadoras e quatro associações de saúde sobre o cancelamento unilateral de planos na última semana. A investigação foi iniciada devido ao aumento expressivo de reclamações registradas nos canais do governo. A sanitarista reforça que “o SUS tem que estar preparado para reinserir” esses usuários.


Fonte: O Globo


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