Sargento Júlio Cezar Gama ficou cerca de cinco minutos com o estelionatário na ligação. Na conversa, ele chega a dizer para o criminoso que "já está sofrendo pelo Vasco" e agora tem mais "essa preocupação".
Sargento Gama, que trabalha em Colatina, no Espírito Santo, enganou criminoso que tentava aplicar golpe do pix — Foto: Reprodução |
Policial do ES negocia sequestro da filha e engana bandido que tentava aplicar golpe
"Deixa eu falar com minha filha primeiro". Esse foi o apelo de um policial militar do Espírito Santo ao receber uma ligação de um estelionatário na noite de sábado (13). Ao perceber que se tratava do golpe do falso sequestro, o sargento Gama, de 51 anos, ainda ficou por cerca de cinco minutos na ligação, conversando com o criminoso, enquanto um colega de trabalho gravava tudo.
No "bate-papo" com o bandido, o sargento é ameaçado a fazer um pix com uma transferência para poder libertar a filha do suposto sequestro. (assista acima).
Nas imagens, o sargento é filmado falando com o criminoso no telefone e pede várias vezes para falar com a filha. O criminoso diz que não vai deixar, fala que ela precisa de ajuda e que é para ele enviar dinheiro pelo aplicativo. Na ameaça, ele diz:
"Pega a faca aí e traz para cá. Abre o aplicativo. Já tá aberto?", diz o bandido do outro lado da linha, como se estive com a filha do PM.
O sargento responde que abriu o aplicativo do banco e o estelionatário passa um número de um pix.
"Qual número apareceu aí?", pergunta o criminoso.
"Não sei, cara. Tô nervoso. Deixa eu falar com a minha filha!", responde o sargento.
O estelionatário, então, diz que se o sargento pedir para falar com a filha novamente, ele "acabaria com tudo". "Vou sair daqui e levar ela pro lixo!", ameaçou o criminoso.
Após passar a chave para a transferência novamente, o sargento diz que dá "pix inválido". O criminoso, então, pede para o policial apagar e passa outro número de CPF.
- Qual nome que aparece aí? Lê com calma aí.
- Anderson dos Santos da Silva.
- É isso. Coloca aí um valor... Quanto você tem no aplicativo aí?
- Não sei... 500, mil cruzeiros.
- Coloca R$ 1 mil.
- Deixa eu falar com minha filha. Deixa eu falar com a Joana primeiro.
- Calma aí! Coloca o valor primeiro aí.
- Cara, eu já tô sofrendo com o Vasco da Gama e você faz isso comigo. Agora que o Felipe Coutinho chegou.
- Calma, velho! Colocou R$ 1 mil?
- Tá aqui. Coloquei!
- Tá, olha só. Vou te mandar um zap da minha linha clonada. Você vai mandar a foto do comprovante pra cá.
- Deixa eu falar com minha filha. Eu tô preto de nervoso aqui.
O criminoso pergunta de novo o nome que aparece na chave pix, e o sargento responde que já tinha falado. Cansado do papo, o sargento finaliza a conversa:
'Aqui, seu babaca. Você tá falando com um polícia, seu mané'.
O criminoso rapidamente finaliza a ligação.
Quem é o policial
O policial responsável por fazer a pegadinha no estelionatário é Júlio Cezar Gama, sargento que trabalha no 8º Batalhão da Polícia Militar, localizado em Colatina, no Noroeste do Espírito Santo.
Com 27 anos de trabalho prestados à polícia, ele realmente tem uma filha e disse que teve a ideia de enganar o criminoso no momento que recebeu a ligação.
"Eu estava de serviço sábado à noite e a gente parou para fazer um lanche. Quando eu atendi o telefone, eles já colocaram uma pessoa gritando. Como eu já conheço o golpe, eu pensei: 'vou zoar com esse golpista", comentou o policial.
De acordo com o sargento, ele "entrou no personagem".
"Eu até falei do Vasco da Gama porque sou vascaíno, mas o criminoso nem percebeu", acrescentou.
Segundo Gama, diversas pessoas caem nesse golpe porque dizem o nome de uma pessoa logo no início da conversa com o estelionatário.
"Por isso eu falei o nome de Joana, que é um nome fictício. O criminoso passa a falar que vai matar aquela pessoa. Neste caso, ele disse que mataria, que rasparia a cabeça, que jogaria no lixo, que faria de tudo", comentou.
De acordo com o sargento Gama, algumas dicas para evitar o golpe são:
✅ Manter a calma;
✅ Desconfiar caso o criminoso exija transferência via pix ou vantagens absurdas;
✅ Não dizer nomes de familiares e/ou amigos durante a ligação para não municiar os criminosos;
✅ Tentar ligar para a pessoa supostamente sequestrada via operadora telefônica.
Questionada, a Polícia Civil orientou que as vítimas desse tipo de crime a registrarem as ocorrências em qualquer delegacia, a fim de identificar os suspeitos e aplicar a devida punição.
"O Disque-Denúncia 181 é uma ferramenta crucial para a população auxiliar a polícia, fornecendo informações que possam levar à prisão dos criminosos, disponível também pelo site disquedenuncia181.es.gov.br. O anonimato é garantido e todas as informações fornecidas são investigadas minuciosamente. Em casos de crimes em andamento, recomenda-se acionar o número de emergência 190", informou a nota.
Golpe do falso sequestro
Conhecido em todo Brasil, o golpe do falso sequestro causa prejuízos financeiros na vítimas que fazem transferências bancárias a fim de resgatar pessoas do círculo social familiar, como filhos, pais, entre outros parentes.
De acordo com o mestre em Segurança Pública, Thiago Andrade, crime é geralmente praticado por presidiários.
"Esse golpe é recorrente e, muitas vezes, saem de estabelecimento prisionais. Existem quadrilhas especializadas nesse tipo de crime, mas também detentos que praticam aleatoriamente. As quadrilhas, normalmente, ligam para telefones residenciais se passando por atendentes de telemarketing ou amigos da família. Uma vez de posse das informações da rotina da família, eles fazem uma nova ligação dizendo que um familiar foi sequestrado e exigem o depósito de uma quantia em dinheiro para a suposta libertação da vítima", explicou Thiago.
Ainda de acordo com Andrade, as informações também são coletadas por redes sociais, por isso a importância de não publicas informações pessoas.
"Os criminosos também utilizam as redes sociais e, quando a pessoa publica fotos de familiares, está municiando os criminosos de informações. Por isso a importância de manter-se atento ao conteúdo publicado", explicou.
Durante a ligação, segundo Andrade, normalmente colocam uma pessoa chorando ao telefone como se fosse a vítima do sequestro.
"O criminoso vai usar todas as táticas para estar no controle durante a ligação. Por isso é importante você se colocar no controle, perguntando como você conseguiu o contato, de onde está ligando, dentre outras perguntas", disse.
Fonte: G1