Carro de corrida Alfa Romeo clássico, roubado por engano, vai a leilão por R$ 90 mi

Alfa Romeo 8C 2900 Lungo Spider de 1938 será oferecido pela Gooding & Co. durante a Monterey Car Week em Carmel, Califórnia — Foto: Divulgação/ Brian Henniker/Gooding & Company

Ele é um clássico de italiano, de 86 anos. Teve entre seus donos uma série de dinastias de amantes da velocidade, do Egito à Suíça, passando pela Flórida. E foi considerado perdido em 2022, após ter sido roubado em frente a um hotel Holiday Inn Express na Carolina do Sul, nos EUA. Seu modelo já virou tema de livro e é uma obsessão dos apaixonados por possantes.

Agora, o carro está de volta.

No próximo dia 16 de agosto, o Alfa Romeo 8C 2900 Lungo Spider de 1938 estará à venda durante a tradicional feira Monterey Car Week em Carmel, Califórnia, sob a chancela da Gooding & Co., tradicional casa de leilões de carros clássicos.

O preço? Estimado entre US$ 16 milhões (R$ 90,5 milhões) e US$ 20 milhões (R$ 112 milhões).

Se o Alfa Romeo 8C for algo como a Mona Lisa, de Leonardo Da Vinci; O Grito, de Edvard Munch; ou Femme Assise, Robe Bleue, de Pablo Picasso, as peripécias por trás de seu retorno triunfante podem torná-lo ainda mais atraente do que o esperado. Cada uma dessas obras de arte foi perdida em roubos, e depois recuperadas, o que só aumentou sua mística — e, claro, o seu valor.

— Não conheço nenhum desses Alfa Romeo 8C 2900 tenha sido roubado e recuperado assim — disse Simon Moore, que escreveu um livro sobre o modelo, "The Immortal 2.9". — Certamente adiciona algo à história sobre este carro em particular.

Só cinco exemplares na forma original

A história rocambolesca sem dúvida aumentou a notoriedade da linha de modelos 8C, já bem conhecida entre os colecionadores mais ricos e exigentes do mundo como um "carro sagrado". É tão especial porque é extremamente raro. Foram apenas 40 exemplares construídos, e somente cinco permanecem em sua forma original.

Ele também tem um histórico comprovado de vitórias nos eventos de competição mais prestigiados do mundo. Alguém que compra um hoje em dia geralmente o faz para buscar o título principal em um evento consagrado como o Villa d’Este Concours d’Elegance e o Pebble Beach Concours d’Elegance.

Vitória com baterista do Pink Floyd

Em 2019, o ex-baterista do Pink Floyd, Nick Mason, ganhou o Gran Turismo Trophy, em Pebble Beach, com seu Alfa Romeo 8C. (Ele o vendeu poucos anos atrás para evitar a prisão por evasão fiscal).

"O 8C foi um dos melhores carros feitos no fim dos anos vinte e início dos anos trinta", escreveu Mason sobre seu 8C em um ensaio para a Hagerty Inc. no ano passado. "Era um carro esportivo notavelmente sofisticado, uma versão inicial do (Ferrari 250) GTO, e muito fácil de dirigir; o Bentley do meu pai em comparação é tão pesado, mas você pode colocar ambos em quarta marcha e rodar o dia todo."

Bastante avançado para sua época, o 8C também introduziu tecnologias, incluindo suspensão independente nas quatro rodas, enormes freios hidráulicos com tambores de alumínio aletados, utilizados principalmente para melhorar a eficiência da transferência de calor, e uma construção em liga leve.

Corrida lendária pela Scuderia Ferrari

O modelo ganhou status lendário por vencer as corridas de carros mais árduas e gloriosas dos anos 1930, como a Mille Miglia pela Scuderia Ferrari, de Enzo Ferrari, e as 24 Horas de Spa. O motor de oito cilindros em linha, com dois supercompressores e eixos de comando no cabeçote — outra tecnologia avançada para a época — produzia até 225 cavalos de potência, muito mais do que outros carros da época fabricados por Ford, Fiat e até Mercedes-Benz.

— Os Alfas pré-guerra estavam tão à frente de todos os outros, todos os outros eram como um Model T comparado a esse carro, por isso eles ganharam tudo — contou o restaurador Mike Regalia, que trabalhou 500 horas no veículo após sua recuperação.

Regalia mora em Sun Valley, na Califórnia, e é um restaurador bem conceituado de Talbot-Lagos e de outros modelos europeus de elite, como o Ferrari 250 GT/L Lusso Berlinetta, de 1963, e o Porsche 930 Turbo, de 1976, do ator americano Steve McQueen.

O Alfa Romeo 8C 2900 Lungo Spider de 1938 foi roubado em 2022 em frente a um Holiday Inn Express, na Carolina do Sul, e recuperado em 2023 — Foto: Divulgação/Brian Henniker/Gooding & Company

Quando foi roubado em 25 de julho de 2022, em Latta, na Carolina do Sul, este 8C (Chassi 412027) estava a caminho de uma oficina de restauração no estado americano de Maine. Na época, ele pertencia a um proeminente dentista e empresário chamado Richard Workman.

Fundador da Heartland Dental, Workman é dono de vários clássicos raros, incluindo um Ferrari 400 Superamerica, de 1961, e um Ferrari 250 GTO, de 1962, que ganharam reconhecimento por sua coleção em Windermere, Flórida. Workman comprou o carro de forma privada da coleção de Oscar Davis em 2022.

Um crime involuntário

O 8C estava sendo rebocado em um trailer coberto por um Ford F-350 de 2002 quando o transportador o estacionou durante a noite do lado de fora de um Holiday Inn Express, perto da rodovia Interstate 95. Não está claro por que um veículo de valor tão alto foi transportado com segurança tão baixa, embora não seja incomum.

Na verdade, os detetives que trabalhavam no caso disseram na época que, aparentemente, os ladrões não pretendiam roubar o Alfa. O alvo deles era o caminhão, um em uma série de roubos semelhantes que visavam veículos modernos em estacionamentos isolados.

Após o roubo ser relatado, a seguradora AIG pagou o valor do seguro de US$ 23 milhões sobre o veículo e passou a ser dona do veículo, ainda que este estivesse perdido. Então, em dezembro, após meses de esforços concentrados, uma equipe de agentes do FBI e de investigadores de seguradoras encontrou o 8C desaparecido em um armazém na Carolina do Norte.

Na época, o condado de Dillon ofereceu recompensa de US$ 50 mil para quem tivesse informações sobre o caso. Procurados, nem o xerife do condado nem a AIG quiseram se pronunciar.

Identidade do primeiro dono é mistério

O carro já foi documentado em diversas oficinas de reparo. Dados oficiais mostram que teve entre seus proprietários o Major Raymond Flower, do Cairo, Egito (que o comprou em 1945); Max Mühlethaler, de Berna, Suíça (1953); e Ben Paul Moser, de Santa Bárbara, Califórnia (final dos anos 1970). A identidade de seu primeiro proprietário, no entanto, está perdida na história.

David Gooding, presidente e cofundador da Gooding & Co., tradicional casa de leilões de carros clássicos, disse em um e-mail que havia um registro romano original para o carro, mas ele não está armazenado nos arquivos italianos disponíveis para o público.

"O proprietário original do carro pode ter sido um embaixador no Egito na época, e isso certamente explicaria por que o carro acabou no Cairo e por que seu registro supostamente existe com outros registros relacionados a diplomatas nos arquivos italianos", disse ele. "Essa hipótese é apoiada pelo primeiro proprietário conhecido do carro, o Major Raymond Flower, que lembra de pegar o Alfa Romeo em um escritório diplomático após sua compra em 1945."

Em 1998, após uma restauração completa que levou a pintura até o metal cru, o 8C juntou-se à coleção Oscar Davis em Nova Jersey e ganhou o primeiro lugar na Classe no Pebble Beach Concours d’Elegance de 2000. Em seguida, Richard Workman, o colecionador da Flórida, o comprou.

Restauração a cada centímetro quadrado

O carro está pintado de azul escuro — como em seu esquema de cores mais antigo conhecido — mas seu interior, anteriormente vermelho, agora é bege claro.

— Meu trabalho era reparar e refinar, e fazer o reparo de uma forma que realmente não se destaque no carro, que tudo se integre ao que o carro era — diz Regalia. —Além disso, passei por cada centímetro quadrado daquele carro com polidores e trouxe o brilho de volta, e ele voltou incrivelmente.

Embora a extensão da restauração programada antes do roubo permaneça incerta, o carro sofreu apenas danos cosméticos durante o incidente, de acordo com os que estão próximos ao assunto.

—Se alguém ia restaurar o carro, estava fazendo isso porque escolheu fazê-lo, não porque era necessário. O resto do carro estava realmente bom, e ele funciona fantasticamente — disse Regalia.

— O dano menor não tem efeito sobre o valor deste carro — concluiu Gooding.

A venda do ano

Especialistas envolvidos em carros de colecionador de altíssimo nível dizem que a estimativa atual para o carro — US$ 3 milhões a menos do que ele estava segurado na época do roubo — reflete o mercado de veículos vintage atual, que enfraqueceu desde que atingiu recordes em 2022.

— O mercado mostrou nos últimos grandes leilões de Alfas que os preços foram corrigidos para baixo — diz Stephen Serio, um corretor de vendas de automóveis proeminente que lida com carros de alto nível.

É raro que qualquer um dos Alfa Romeos pré-guerra significativos seja vendido em leilões, então é difícil estimar o valor do negócio, mesmo que modelos semelhantes atinjam somas de mais de US$ 20 milhões em negociações privadas.

No ano passado, em Monterey, um Alfa Romeo 8C 2300 Cabriolet , de 1933, da Figoni, com uma estimativa baixa de US$ 3 milhões não foi vendido na RM Sotheby’s, mesmo após uma redução de preço de US$ 1 milhão depois de não ser vendido em 2022.

Mas Gooding tem uma perspectiva otimista. Ele conseguiu vender um Alfa Romeo 8C 2300 Cabriolet, de 1933, no ano passado, na mesma Monterey Car Week. Trata-se de um veículo de versão anterior, com um motor menor, arrematado por US$ 4,5 milhões, bem dentro de seu valor estimado, que era entre US$ 4 milhões e US$ 5 milhões.

O carro é um exemplar excepcional com atributos que podem resultar em um valor mais alto no leilão do que outros modelos que chegaram ao mercado recentemente, diz ele. Isso sem contar a fantástica história do roubo, que aumenta a mística com o veículo.

— Nós o precificamos de maneira atraente e conservadora.

Fonte: O Globo


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