Fernanda Almeida descobriu gestação na 24ª semana e precisou seguir com sessões de quimioterapia e hemodiálise. Rhadassa nasceu na véspera do aniversário da mãe.
Paciente com câncer, problemas renais e trombose, Fernanda Almeida deu à luz a filha, Rhadassa, no Hospital das Clínicas de Pernambuco, no Recife — Foto: Acervo pessoal |
"Um milagre". É assim que a comerciante Fernanda Silva de Almeida define o nascimento da filha, Rhadassa, no último dia 20 de agosto, na véspera de seu aniversário de 33 anos. O inesperado se deu menos pela coincidência de datas e mais pelos riscos da gestação até o parto. Com histórico de trombose, a mãe é paciente de câncer e faz hemodiálise por causa de problemas renais que desenvolveu após a doença.
Contrariando todos os prognósticos, Fernanda deu à luz, sem grandes percalços, em meio às sessões de quimioterapia, que começaram no último mês de gestação e que ela continua fazendo até hoje, a cada 15 dias.
"Realizei meu sonho. Digo a todo mundo: 'É meu sonho realizado, [a menina] está comigo e agora é lutar por ela'. Não só por mim, é por ela também", disse Fernanda ao g1.
Rhadassa — variação do equivalente hebraico de Ester (Hadassa), que dá nome a um livro da Bíblia e significa "estrela" — nasceu saudável, com 2,440 kg e 46 centímetros, de parto natural, no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC-UFPE), localizado na Cidade Universitária, na Zona Oeste do Recife.
"O parto estava previsto para 13 de setembro, porém ela foi apressadinha e nasceu um pouquinho antes, com 37 semanas. Comecei a sentir muitas contrações de madrugada. Às 12h30 dei entrada no hospital e, às 17h05, ela nasceu. [...] Ela é muito esperta, muito sabida. E graças a Deus, ela não precisou ficar em UTI, de cuidados [específicos], nasceu bem", contou Fernanda.
De acordo com a nefrologista Rafaella Barros, que acompanha a paciente desde 2021, trata-se de um caso raro.
"A gente até tem pacientes dialíticas (que fazem hemodiálise) gestantes, mas, realmente, nunca tinha visto a associação de paciente gestante e dialítica com uma neoplasia (tumor). Também procurei na literatura e não encontrei nenhum relato. Talvez tenha, mas não encontrei essa associação", afirmou a médica.
Linfoma, problemas renais e trombose
Desde 2019, a comerciante, que mora no bairro de Maranguape 2, em Paulista, no Grande Recife, faz tratamento para um linfoma de Hodgkin, tipo de câncer do sistema linfático, conjunto de órgãos e vasos que produzem as células responsáveis pela imunidade e as conduzem pelo corpo.
Depois de alguns tratamentos com quimioterapia que não deram resultado, há três anos Fernanda começou a apresentar alterações nos rins, devido aos efeitos colaterais dos medicamentos, passando a fazer duas sessões de hemodiálise por semana.
Foi no meio desse processo que ela descobriu a gravidez, no início deste ano, poucos meses depois de iniciar o relacionamento com o namorado e pai da criança, o autônomo Rodrigo Barbosa.
"Pacientes que fazem diálise e oncológicas têm um ciclo menstrual irregular e às vezes não menstruam. Ela só conseguiu diagnosticar [a gestação] quando estava com aumento do volume abdominal. E só teve esse diagnóstico com 24 semanas, no quinto mês, quando fez uma ultrassom", explicou a nefrologista Rafaella Barros.
Como paciente renal, era grande a chance de parto prematuro. A descoberta tardia da gestação foi uma dificuldade a mais.
"A gente perdeu a oportunidade de fazer as vitaminas que necessitavam ser feitas [no início da gravidez], de trocar a medicação, porque ela usava medicações que não podem ser usadas em gestantes. E a gente só conseguiu fazer essas alterações quando teve o diagnóstico e já tinha passado da metade da gestação", disse a nefrologista.
Para a paciente, a notícia veio com um misto de surpresa e preocupação. Além de todos os riscos para si mesma e o feto, a possibilidade de engravidar era cerca de cem vezes menor por causa das doenças e dos tratamentos que ela precisava seguir.
"Foi um susto. Não esperava mesmo. Para mim, as chances eram muito poucas e tinha medo de engravidar com tantos problemas. Estava esperando minhas medicações darem uma resposta positiva para poder engravidar. Porque eu sempre quis, meu sonho era ser mãe", afirmou Fernanda.
Além do câncer e da condição renal, Fernanda desenvolveu uma trombose após colocar um catéter durante um dos tratamentos de quimioterapia que fez antes da gravidez.
"[...] A trombose é um risco maior para ter pré-eclâmpsia, que é qualquer tipo de hipertensão na gestação, e óbito fetal. Era uma gestação de alto risco, primeiro pelo contexto do linfoma, pela trombose aumentada, pela doença renal crônica", disse o obstetra Thiago Saraiva, que acompanhou a gravidez e atendeu a paciente durante o parto.
Rhadassa nasceu com 2,440 kg e 46 centímetros de parto natural no Hospital das Clínicas, no Recife — Foto: Acervo pessoal |
Descoberta do câncer e remédio garantido na Justiça
Fernanda contou que descobriu o câncer há cinco anos, quando procurou uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) para investigar uma tosse persistente dois meses depois de contrair uma gripe.
"Lá na UPA fizeram um raio-X e disseram que eu estava com pneumonia. Me passaram remédio e fiquei boa durante o tratamento. Mas, quando o remédio acabou, voltou tudo de novo. Voltei à UPA e, quando cheguei lá, fiz um novo raio-X e falaram para me consultar num posto de saúde próximo à minha casa. Porém, o posto estava em recesso e resolvi procurar um pneumologista, que pediu para fazer uma ressonância", disse.
De acordo com a comerciante, o exame confirmava que estava com o linfoma. E uma prima dela, que trabalhava no Hospital das Clínicas, levou o resultado para uma médica da unidade olhar. "No mesmo dia, ela pediu para me internar. Passei um mês internada para eles investigarem qual o tipo do câncer que tinha. Depois que descobri, comecei os tratamentos", relembrou Fernanda.
Segundo o obstetra Thiago Saraiva, o desafio foi garantir o tratamento contra o câncer em meio aos cuidados com a gestação. Como Fernanda tinha passado por diversas quimioterapias sem sucesso, foi necessário recomeçar com um medicamento novo e pouco testado em mulheres grávidas.
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No entanto, o remédio é muito caro e específico, e Fernanda precisou entrar com uma ação na Justiça para conseguir a medicação, que só chegou no meio da gravidez.
"Eu não podia tomar porque estava com cinco meses de gestação, o feto ainda estava se formando. Só que essa droga é nova então não tinha estudos sobre os efeitos que ela pode ocasionar no bebê. [...] Os médicos me liberaram para tomar quando estava nos oito meses e o feto estava formado", explicou a comerciante.
As sessões com o novo remédio seguiram junto com a hemodiálise e o avanço da gravidez até o parto. Fernanda disse que, ao contrário das quimioterapias anteriores, reagiu bem ao tratamento. Após o nascimento de Rhadassa, a única restrição que ficou foi a indicação para não amamentar.
"Essa droga não deixa efeito colateral nenhum. Você não sente cansaço, nada mesmo. As outras, não. Ficava debilitada. Quando tomava, ia imediatamente para a cama. Não tenho nada, graças a Deus, porque, assim, posso cuidar da minha filha. [...] Amamentei ela dois dias depois que ela nasceu, mas a médica aconselhou a não amamentar mais porque essa droga é nova e não se sabe se pode afetar a criança", disse Fernanda.
O sucesso da experiência motivou a equipe médica a preparar um relato sobre o caso de Fernanda para apresentar no próximo Congresso Pernambucano de Ginecologia e Obstetrícia, em abril de 2025.
"O caso dela foi muito intrigante para a gente porque é uma paciente que tem linfoma de Hodgkin de difícil tratamento. Ela já tinha feito múltiplos tratamentos sem sucesso, inclusive um deles fez com que ela tivesse que ficar em hemodiálise. E chegou para mim, grávida, [...] precisa fazer o tratamento para a doença de base, que é o linfoma, porque, se não tratasse, ela ia morrer. Isso mexeu muito comigo", declarou o obstetra Thiago Saraiva.
Para a nefrologista Rafaella Barros, o envolvimento dos profissionais de diferentes especialidades e a colaboração da paciente foram fundamentais para que tudo corresse bem.
"A gente vê a importância desse atendimento multidisciplinar. A gente teve o apoio muito importante de todas as especialidades. A paciente é muito aderente, muito responsável com o tratamento dela. Tudo que precisava, tudo que era dito, ela corria atrás. Não temos controle sobre tudo, mas, quando tem esse empenho, pode ter resultados muito felizes", comentou a nefrologista Rafaella Barros.
Fernanda Almeida, que é paciente de câncer e faz hemodiálise, com a filha, Rhadassa, nos braços — Foto: Acervo pessoal |
Fonte: G1