Aos 79 anos, morre por eutanásia o poeta e acadêmico Antonio Cicero


O filósofo e poeta Antonio Cicero — Foto: Léo Martins/Agência O Globo

Aos 79 anos, morreu hoje Antonio Cicero, imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL). Poeta, compositor, escritor e filósofo, ele foi submetido a um procedimento de eutanásia em uma clínica na Suíça, para onde viajou na semana passada.

Antonio Cicero foi acompanhado do marido Marcelo Pies. Em comunicado a pessoas próximas, Pies relata que o poeta vinha planejando a morte assistida há um tempo e mandando documentos, mas "insistiu muito que ninguém soubesse". Ele já havia sido diagnosticado com Alzheimer.

Dias antes, Cicero visitou Paris por uns dias para se despedir da cidade que tanto admirava. O imortal da ABL fez questão de ser cremado, e suas cinzas serão trazidas por seu marido ao Brasil. Pies desembarca nesta quinta-feira.

Sua última aparição pública no Rio de Janeiro foi em 30 de setembro, quando prestigiou o lançamento do novo livro de Silviano Santiago, numa livraria em Ipanema.

Antonio Cicero deixou uma carta de despedida (leia a íntegra ao final), na qual afirma que "não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia" e diz aos amigos que, "hoje, do jeito em que me encontro, fico até com vergonha de reencontrá-los", em alusão à doença que o acomete.

Antonio Cicero tornou-se conhecido no fim dos anos 1970 como o letrista das canções de sua irmã, Marina Lima.

Ele é autor do ensaio "O mundo desde o fim" (1995) e de duas coletâneas poéticas: "Guardar" (1997, Prêmio Nestlé de Literatura Brasileira) e "A cidade e os livros" (2002). Produziu ainda várias letras de canções como "Fullgás", "Pra começar" e "À francesa" – as duas primeiras em parceria com sua irmã, e a última com Cláudio Zoli.


Veja a carta deixada pelo poeta:


Queridos amigos,

Encontro-me na Suíça, prestes a praticar eutanásia.

O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de

Alzheimer.

Assim, não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não apenas

no passado remoto, mas mesmo de coisas que ocorreram ontem.

Exceto os amigos mais íntimos, como vocês, não mais reconheço muitas

pessoas que encontro na rua e com as quais já convivi.

Não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia.

Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu

mais gostava no mundo.

Apesar de tudo isso, ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha

terrível situação.

A convivência com vocês, meus amigos, era uma das coisas – senão a coisa

– mais importante da minha vida. Hoje, do jeito em que me encontro, fico

até com vergonha de reencontrá-los.

Pois bem, como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que

quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu mesmo.

Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade.

Eu os amo muito e lhes envio muitos beijos e abraços!

Fonte: O Globo




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