Aprendendo a dizer ‘não’: Como decepcionar as pessoas e não se importar com isso


Estabelecer limites geralmente significa decepcionar os outros; veja conselhos de terapeutas sobre como fazer isso – sem gerar culpa

Nos últimos anos, várias celebridades ganharam os holofotes ao dar um passo atrás para priorizar a saúde mental.

Primeiro, foi Simone Biles que se retirou mais cedo das Olimpíadas de 2020. Depois, Naomi Osaka evitou falar com a imprensa no Aberto da França de 2021. E o cantor Shawn Mendes cancelou uma turnê em 2022. Mais recentemente, a estrela pop Chappell Roan desistiu de duas apresentações em festivais de música.

Esses atos de autopreservação de figuras famosas destacam uma verdade incômoda: embora o autocuidado seja importante, colocar as próprias necessidades em primeiro lugar muitas vezes significa decepcionar os outros. Quando você estabelece limites, há uma boa chance de que “algumas pessoas sintam mágoa, raiva e decepção”, diz Juliane Taylor Shore, terapeuta licenciada e autora de Setting Boundaries That Stick.

A perspectiva de desapontar alguém pode fazer com que você deixe de lado suas próprias necessidades, avisa Juliane, mas é possível melhorar a capacidade de dizer “não” sem se martirizar.

Pedimos a ela e a outros especialistas em saúde mental que compartilhassem algumas estratégias.
Embora seja difícil, estabelecer limites é importante para preservação da saúde mental. Foto: Sonia Pulido/The New York Times


Entenda por que dizer “não” é desconfortável

Amy Wilson, 54 anos, diz que é alguém que sempre agradou às pessoas. Mas, no início da pandemia, ela se viu sobrecarregada por cuidar de uma criança com um problema de saúde crônico. Pela primeira vez, ela teve de aprender a se sentir à vontade para dizer “não”.

Quando anunciou a difícil decisão de deixar o cargo de presidente do conselho de uma organização onde era voluntária, ela disse que tudo o que ouviu foi um “silêncio estranho”.

“A parte difícil, se você gosta de agradar, é não preencher esse silêncio. Não dizer: ‘Ah, mas tudo bem, pode deixar que vou dar um jeito’”, comenta Amy, autora de Happy to Help, uma coletânea de ensaios sobre o assunto que será lançada em janeiro.

Estabelecer limites pode ser um desafio porque somos criaturas inerentemente sociais, diz Kathleen Smith, terapeuta e autora de True to You.

É “automático” para o cérebro humano se preocupar com o que os outros pensam, afirma Kathleen, “e por uma boa razão! Fomos projetados para cooperar e manter as pessoas calmas e felizes”.

Compreender isso pode lhe dar coragem para estabelecer limites, sejam eles grandes – como dizer não em um local de trabalho que impõe mais trabalho do que você consegue suportar, exemplifica Kathleen – ou relativamente pequenos, como não atender ao telefonema da sua mãe quando você tem um monte de coisas para fazer, mesmo que isso a deixe um pouco ansiosa, acrescenta.


Ofereça contexto, mas não muito

“‘Não’ é uma frase com começo, meio e fim”.

Gregory Scott Brown, psiquiatra e autor de The Self-Healing Mind, ouve muito essa frase. “Soa bonito”, comenta. “Mas acho que, na vida real, é muito difícil simplesmente dizer ‘não’ a todo mundo”.

É claro que você não deve a ninguém detalhes específicos sobre sua saúde ou bem-estar, ressalta Brown. Mas compartilhar um pouco do contexto pode ajudar a promover a compreensão.

Sinta-se à vontade para simplificar as coisas, dizendo algo como: “Não, não posso fazer isso porque preciso me concentrar um pouco mais na minha saúde mental”, orienta. E não se deixe levar pela conversa.

Ele aconselha os clientes a ter em mente que “estabelecer limites não é o mesmo que queimar pontes”. Você sempre pode mudar de ideia ou estabelecer outros limites depois. “O ‘não’ não precisa ser algo definitivo”, disse ele.


Pegue leve

Autocompaixão significa encontrar um ponto ideal entre nossas necessidades e as necessidades dos outros, informa Kristin Neff, professora associada de psicologia educacional da Universidade do Texas em Austin, que escreveu vários livros sobre o assunto.

Se você decepcionar alguém, Kristin recomenda que você respire fundo algumas vezes e feche os olhos. Pense na pessoa que você decepcionou e no que gerou essa situação. Passe alguns momentos com qualquer sentimento de dor ou culpa que possa surgir.

Em seguida, lembre-se de que você é um ser humano e tente aceitar quem você é. Se quiser, às vezes ajuda muito colocar a mão no coração ou em outra parte do corpo e imaginar a compaixão fluindo da mão para dentro de você, aconselha Kristin.

E tente não ver a reação das outras pessoas às suas notícias como um reflexo de você. Juliane enfatiza que você não é responsável pelos sentimentos de ninguém, que podem ser moldados pelo histórico da pessoa ou pelo dia que ela está enfrentando.


Pense como um pai impassível

Muitos pais e mães se tornam hábeis em tolerar a angústia dos filhos sem deixar de estabelecer limites, lembra Kathleen. E há pesquisas que demonstram que esse tipo de “parentalidade autoritária” é bom para as crianças.

“Acho que não conseguimos muito fazer isso em relação aos outros adultos”, avalia Kathleen. Os mesmos pais e mães que são seguros e confiantes em casa podem ter dificuldades para dizer “não” ao chefe ou a um amigo exigente, diz.

Então vale a pena adotar uma mentalidade impositiva, aconselha. Lembre-se de que a angústia da outra pessoa não vai matar você e que a preservação de seu bem-estar acabará fortalecendo seus relacionamentos.

“É assim que ajudamos as crianças a crescer”, resume Kathleen sobre o estabelecimento de limites, “e é assim que ajudamos uns aos outros a crescer também’.


Fonte: Estadão




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