O diplomata que cometeu assédio sexual e virou chefe


Rubem Mendes de Oliveira, 60 anos, confessou ter beijado a boca de funcionária egípcia que trabalhava em embaixada brasileira

Arte/ Metrópoles

Era o último dia do diplomata brasileiro Rubem Mendes de Oliveira, então com 58 anos, na Embaixada do Brasil em Cairo, no Egito.

Rubem foi à embaixada naquela segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022, para acertar os últimos detalhes de sua nova missão. Ele estava de mudança para Porto Príncipe, no Haiti, onde assumiria o cargo de conselheiro da embaixada brasileira no país caribenho.

O diplomata assinou a passagem do cargo, pegou os bilhetes da viagem e almoçou com os funcionários como forma de despedida.

No fim daquele mesmo dia, por volta de 16h45, horário local, ele fez algo que mudaria a vida de uma funcionária estrangeira e daria início a um escândalo sexual que foi relativizado pelo Itamaraty.

Jamile* encerrava seu expediente 15 minutos mais cedo quando entrou no escritório de Rubem para se despedir pela última vez. Ela é uma jovem egípcia – na época tinha 23 anos – e trabalhava há seis meses na embaixada como assistente técnica. Ele, um homem de cabelos grisalhos e cavanhaque, tido como “gentil” pelos colegas. Era o número 2 da embaixada.


O diplomata disse à jovem que estava triste por ir embora, afirmou que a considerava como uma filha e a desejou o melhor. Em seguida, perguntou se poderia dar um beijo de despedida. Os dois estavam a sós.

Interações físicas entre homens e mulheres são raríssimas no Egito. Normalmente ocorrem entre casais e familiares. Mas Jamile sabia que no Brasil é comum que as pessoas se despeçam com abraços e beijos no rosto, então assentiu com o pedido de Rubem.

Surpreendentemente, o diplomata lhe deu um beijo na boca!

“Isso me deixou em choque total”, relembra Jamile, em depoimento obtido pela coluna. “Eu não consegui abrir a boca para dizer uma palavra, minha mente congelou. Não conseguia imaginar o que acabara de acontecer.”

Constrangida, a jovem virou as costas e se dirigiu à porta do escritório do diplomata, enquanto o ouviu dizendo: “Desse jeito, eu nunca vou te esquecer” (na versão de Rubem, ele disse que “lembraria sempre do seu belo sorriso”).

Jamile “desinfetou” a boca pois sentia-se enojada e saiu da embaixada imediatamente. Entrou no carro, tremendo, e desabou a chorar. Ela não conseguia dirigir. Ligou para uma amiga e contou tudo. Por fim, cancelou o compromisso que teria naquela noite e foi para casa.

No dia seguinte, 1º de março, Rubem enviou uma mensagem à funcionária dizendo esperar que ninguém da embaixada tivesse visto a cena.

A jovem, então, o repreendeu, se disse chocada e afirmou que nunca aceitaria tal situação. O diplomata pediu desculpas, se disse envergonhado e reconheceu ter destruído o que chamou de “amizade gentil”.

“Sinto muito. Tchau!”, despediu-se Rubem, por WhatsApp.



Jovem se sentiu perdida e diplomata virou chefe em embaixadas

Jamile ficou abalada. Ela conta que passou duas semanas triste, com raiva, chorando. Sem conseguir se concentrar no trabalho. “Me senti perdida, não sabia o que fazer e não sabia o que iria acontecer”.

A jovem tinha medo de denunciar o diplomata pois temia que o pai dela, se soubesse do caso de assédio, a proibiria de trabalhar. Mesmo assim, ela fez a denúncia, quase um mês depois. O Itamaraty, então, abriu um Processo Administrativo Disciplinar (PAD).

A vida de Rubem, porém, seguiu normalmente, pelo menos do ponto de vista profissional.

O diplomata seguiu viagem para Porto Príncipe, onde atuou como conselheiro da embaixada brasileira. Em agosto de 2022, seis meses depois do assédio sexual, ganhou um cargo de chefia no Setor de Promoção Comercial na missão diplomática no Haiti.

Rubem ficou em Porto Príncipe até meados de junho deste ano, quando foi designado para trabalhar na Embaixada de Berna, na Suíça.

Em território europeu, também foi nomeado em cargos de chefia. Ele é o atual secretário de Promoção Comercial, Ciência, Tecnologia, Inovação e Cultura da embaixada brasileira de Berna. Trata-se de um cargo de confiança e, por isso, recebe uma verba extra em seu contracheque.

Seu último salário disponível no Portal da Transparência é de dezembro de 2023. Ele recebeu uma remuneração de US$ 10.804,14, o equivalente a R$ 61.075,81 na cotação atual. Ele ganha mais US$ 5.758,72 (R$ 32.554,05) todo mês em verbas de indenização. No total, quase R$ 100 mil por mês.


Itamaraty não viu assédio sexual como “conduta escandalosa”

Nesse meio tempo, Rubem respondeu ao PAD. Ele confessou ter beijado a jovem na boca, mas relativizou dizendo que teria sido somente um “selinho”, e não um beijo de língua.

Inicialmente, o Itamaraty entendeu que houve assédio sexual.

“O beijo não consentido dentro da repartição configura assédio sexual em ambiente de trabalho”, diz o Termo de Indiciamento do órgão obtido pela coluna. “Essa conduta não é aceitável em nenhum ambiente de trabalho do mundo, e não apenas do Egito ou do Brasil"


Arte/ Metrópoles

Trecho de relatório do Itamaraty confirma assédio sexual praticado por diplomata brasileiro

O relatório final do PAD, porém, não classificou o episódio como assédio sexual ao concluir que Rubem não teve “dolo”.

A lei 8.112/1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos, prevê a demissão de funcionários em casos de “conduta escandalosa”.

Mas o Itamaraty não entendeu que houve conduta escandalosa por parte de Rubem. O Ministério avaliou que o diplomata apresentou “conduta incompatível com a moralidade administrativa” e não observou as “normas legais e regulamentares”. Nesses casos, a pena é mais branda.

No dia 21 de dezembro de 2022 foi publicada a pena do diplomata no Diário Oficial da União (DOU): 40 dias de suspensão.

A punição, no entanto, foi convertida em multa. Naquele período, Rubem estava na embaixada de Porto Príncipe e a sua ausência, segundo o Itamaraty, poderia afetar o trabalho da missão diplomática. O decisão é assinada pelo então ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto Franco França.


O que diz o Itamaraty

Procurado, o Itamaraty afirmou que a ocupação dos cargos de chefia pelo diplomata não se relaciona a promoção. “As funções que ocupou e que ocupa atualmente são funções compatíveis com o seu nível hierárquico. O referido servidor é conselheiro da carreira de diplomata desde 2014, não tendo recebido nenhuma promoção no âmbito da carreira desde então”, esclareceu.

O ministério explicou ainda que a chefia de setores é “fato corriqueiro para diplomatas no exterior, não sendo incomum, em postos pequenos e médios, que um diplomata chefie um ou mais setores, tendo em vista a necessidade de distribuir as tarefas entre um número relativamente restrito de diplomatas”.

“O servidor foi responsabilizado e devidamente penalizado por suas condutas, e os objetivos da atividade disciplinar parecem ter sido alcançados”, acrescentou.

Rubem foi procurado por e-mail, mas não retornou. O advogado dele disse que não iria se manifestar.

*O nome verdadeiro da vítima foi omitido para protegê-la

Fonte: Metrópoles




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