Grupos como Cosan, Braskem e CSN podem mudar planos para o próximo ano com a Selic em alta
Desvalorização do real frente ao dólar também prejudica empresas endividadas Foto: Fábio Motta/Estadão
As empresas brasileiras vêm se movimentando diante da inesperada reversão do cenário macroeconômico, com a taxa básica de juros podendo alcançar 15% ao ano e o dólar no patamar de R$ 6, conforme expectativas do mercado. Nos últimos meses, grandes companhias vêm fazendo anúncios envolvendo a redução de investimentos, desalavancagem (redução do endividamento) e a venda de ativos.
A mudança de planos marca principalmente a virada nas expectativas para a taxa de juros ao longo de 2024, com uma piora do cenário no Brasil e no exterior. Em janeiro, a previsão do mercado indicava a Selic em 9% ao final do ano. A decisão da semana passada do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central elevou a taxa básica para 12,25% e indicou outras duas novas altas, de 1 ponto cada.
“Não vamos fazer investimento novo”, afirmou o empresário Rubens Ometto, presidente do conselho de administração da Cosan, um dos maiores conglomerados brasileiros. “Com juro de 12% a 13% nada dá para ter retorno”, acrescentou. A declaração foi dada no final de outubro, quando o mercado começava a questionar a capacidade do governo de conduzir um ajuste fiscal mais amplo.
Para enfrentar o novo ano e reduzir sua alavancagem, a Cosan estuda desinvestimentos na Raízen, o braço de energia renovável do grupo, e venda de uma fatia da Compass, que atua no mercado de gás e energia, e na de lubrificantes Moove.
A Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) informou também na semana passada uma redução da ordem de R$ 1 bilhão em seus investimentos entre os anos de 2025 a 2028. Em evento com investidores, o CEO da companhia, Benjamin Steinbruch, afirmou que, apesar de acreditar no negócio da companhia, não é momento de vender “facilidades”. “Achamos que trabalhar com juros em patamar de 12%, 13% ou até 15% é inexequível”, afirmou.
Há impacto também em empresas administradoras de shoppings. O Grupo Sá Cavalcante, dono de seis empreendimentos no País sentiu na pele o encarecimento do custo de capital e teve de adiar um empreendimento que estava previsto para este ano.
“Era para lançarmos em 2024, mas ao longo do ano teve uma piora significativa para o funding (capitalização) devido aos juros. Isso impacta muito o mercado produtivo”, contou o diretor de Operações, Marcelo Rennó. “Estamos batalhando bastante para fazer acontecer. Se tiver alguma melhora no cenário de juros futuro, talvez a gente consiga lançar em 2025 ou 2026 - este último agora parece mais provável.”
“A inversão de expectativas gera preocupação de forma geral para os entes econômicos, investidores e grandes empresas”, diz o diretor-executivo da área de Financial Advisory & Special Situations da Alvarez & Marsal, João Pedro Viola.
Viola prevê que, com o custo do dinheiro subindo, as empresas revisitem estratégias e que projetos com retornos impactados pelo juro mais alto sejam reavaliados ou deixados de lado. Além disso, Viola cita a possibilidade de as empresas reterem lucro e dividendos, além de anunciarem mais vendas de ativos.
O executivo não descarta que algumas companhias já listadas tentem acessar recursos via bolsa, por meio de oferta subsequente (follow on) apesar de, até aqui, esta não parecer a melhor opção, já que as ações estão subvalorizadas. “A capitalização talvez seja a única alternativa para as empresas evitarem uma reestruturação de seus passivos financeiros”, afirma.
O professor coordenador do Cefeb FIPE, Carlos Antonio Rocca, afirma que todas as companhias vão enfrentar impacto em seu fluxo de caixa, por causa do aumento no custo de financiamento e despesas financeiras. Esse efeito tende a ser menor, segundo ele, para as geradoras de receita em dólar, o que tende a equilibrar a prevista desvalorização do real, e entre as grandes companhias que têm maior acesso ao mercado de capitais.
“As empresas maiores, que tiveram pleno acesso ao mercado de capitais ao longo dos últimos anos, estão mais preparadas para enfrentar essa inversão de cenário”, diz. Rocca afirma que, no agregado, os balanços do terceiro trimestre das companhias abertas, de modo geral, mostraram resultados melhores do que os períodos anteriores, sinalizando potencial resiliência as adversidades macroeconômicas previstas.
Viola, da A&M, nota que um termômetro importante sobre o impacto da alta no juro será o apetite das empresas nos próximos leilões de infraestrutura, nos quais os investimentos dependem em grande parte do financiamento via mercado. “Será importante monitorar a quantidade de empresas interessadas e as ofertas apresentadas, que podem trazer um prêmio maior ou menor a depender da expectativa que enxergam de retorno", diz.
Pesquisa da Grant Thornton Brasil, empresa de consultoria e auditoria, feita pela primeira vez com diretores financeiros de empresas privadas no País, mostra que 63% dos entrevistados apontam o alto custo de financiamento como um dos principais obstáculos para seus negócios, em meio a um ambiente de juros em alta. Os setores mais impactados por essa situação são o varejo, com 90%, manufatura, 85%, e construção civil, 75%.
A pesquisa revela ainda que 38% dos diretores financeiros estão pessimistas com a economia brasileira para a primeira metade de 2025. Mais da metade dos entrevistados tem expectativa de retração de receitas e lucros para os próximos 12 meses, e um crescimento de despesas, segundo a Grant Thomton.
Fonte: Estadão