"Eu não entendia como um casal negro teve uma criança branca e loira", admite mãe de menina albina


Thais Cristina, de Carapicuíba (SP), já tinha dois filhos quando deu à luz Eloáh. Na época, ela ficou em choque ao se deparar com um bebê branco — "Eu pensava: 'Como vou explicar para a sociedade que tive uma criança branca, sendo negra e tendo um marido negro?'", lembra. Hoje, com 7 anos, a menina é modelo e a família fala com orgulho sobre a condição

Os longos cabelos cacheados e platinados de Eloáh, 7 anos, e sua pele extremamente branca chamam atenção por onde ela passa. Tanto que a pequena é uma modelo bastante requisitada pelas agências. Mas, no parto, a mãe, que é negra e tem outros dois filhos, admite que o sentimento foi de surpresa. "O meu primeiro impacto foi de não conseguir abraçá-la. Eu não entendia o que estava acontecendo — como um casal negro teve uma criança branca e loira? Eu fiquei com os olhos estatelados para o pai dela, com medo de ele me questionar porque ela era branca", lembra Thais Cristina, de Carapicuíba, São Paulo.

"A médica viu que eu estava assustada e disse: 'Mãe, calma, ela é albina'. Foi quando a abracei, mas continuava surpresa. Eu não estava relaxada — ainda não sabia o que era albinismo. Eu sentia medo e pensava: 'Como vou explicar para a sociedade que tive uma criança branca, sendo negra e tendo um marido negro?", afirma.

Eloáh tem o chamado albinismo oculocutâneo, que engloba cabelos, olhos e pele. Portanto, sua condição vai além da aparência. Os cuidados com o sol são muitos — a pequena não sai sem protetor solar, chapéu, óculos e possui baixa visão. Em depoimento exclusivo à CRESCER, a mãe contou como são os cuidados e de que forma tem contribuído para que a filha e outras crianças albinas encontrem um mundo melhor e mais informado. "Hoje, posso dizer que ando tranquilamente com ela e, quando perguntam, explico com clareza porque ela nasceu albina", afirma.

Eloáh com a mãe, Thais — Foto: @aquino_photo/@crioulinhos_ofc

"Sempre comentei com meu marido sobre o desejo de engravidar novamente e ter o acompanhamento do pai do bebê de perto — nas consultas, ultrassons, no nascimento, segurando minha mão. Eu não tive isso com meus dois primeiros filhos do primeiro relacionamento, então, decidimos tentar. Parei com o anticoncepcional, mas, cerca de um mês depois, desisti — minha caçula já estava com 8 anos e fiquei com receio de começar tudo de novo. Decidi fazer um teste de gravidez antes de voltar a tomar anticoncepcional e estava lá: o 'positivo'. Então, costumo dizer que Eloáh foi planejada, desisti no meio do processo, mas Deus já tinha abençoado.

Minha gestação foi muito tranquila — trabalhei até o fim e não tive nenhuma alteração, nada de diferente. Na época, eu frequentava a igreja e lembro de o pastor colocar a mãe na minha barriga e dizer: 'Essa é uma promessa de Deus na sua vida. Ela vai ser diferente de tudo o que você já viu. É para você cuidar e honrar o anjo dele'. Eloáh nasceu de parto normal e, quando a vi pela primeira vez, era uma criança muito branquinha, muito gordinha (4,5 kg) e grande (56 cm). O meu primeiro impacto foi de não conseguir abraçá-la. Eu não entendia o que estava acontecendo — como um casal negro teve uma criança branca e loira? Eu fiquei com os olhos estatelados para o pai dela, com medo de ele me questionar porque ela era branca. E ele lá, chorando, emocionado. Me ajudou, deu força e cuidou de mim.

A médica, vendo que eu estava assustada, disse: 'Mãe, calma, ela é albina'. Foi quando a abracei, mas continuava muito surpresa. Eu não estava relaxada — ainda não sabia o que era albinismo. Eu sentia medo e pensava: 'Como vou explicar para a sociedade que tive uma criança branca, sendo negra e tendo um marido negro? Como vou andar na rua?'. Eu sabia que ela era minha filha, mas achava que as pessoas iriam me julgar e apontar o dedo. Não sabia como seria minha reação aos olhares das pessoas para mim.

Eloáh, bebezinha, com a mãe e os irmãos maternos — Foto: Reprodução/Instagram

Antes da alta, um oftalmologista foi chamado para confirmar se ela tinha albinismo ocular também. Eloáh tem o chamado albinismo oculocutâneo, que engloba cabelos, olhos e pele. Não conheço ninguém da nossa família que tem a condição. Lembro que, no pós-parto, a primeira coisa que fiz foi pesquisar o que era albinismo — eu queria me acalmar, estava muito tensa. Então, fui no Google e busquei mais informações. Soube que pessoas negras também poderiam nascer albinas e isso foi me tranquilizando. Eu recém havia parido e estava preocupada em como explicar para as pessoas o motivo de a minha filha ser branca. E, com a graça de Deus, encontrei um médico que, com muita empatia, esclareceu porque ela era albina e falou sobre todos os cuidados que precisávamos ter — sai de lá mais leve.

Eloáh com os pais — Foto: Reprodução/Instagram

No início, eu entendia o que era albinismo, mas não sabia explicar em palavras. E, realmente, muitas pessoas me perguntavam na rua — algumas de uma forma até sarcástica. Teve quem achasse que eu era babá dela. Quando ela me chamava — 'mamãe' —, as pessoas logo olhavam com estranheza. Depois, percebi que nossa missão era educar e informar sempre com educação. Quanto maior o número de pessoas sabendo sobre a condição, mais contribuiríamos para um mundo melhor para ela e para as outras crianças albinas.

Eloáh também sabe sobre sua condição. Quando ela passou a entender melhor, comecei a explicar para que ela conseguisse explicar para os amiguinhos. Eu tenho mais dois filhos do primeiro relacionamento — uma menina e um menino — e o pai dela tem três. Então, ela tem bastante irmãos. No início, alguns tiveram ciúmes não apenas por ela ser bebê, mas também pelo albinismo, já que virou o centro das atenções. Chegavam a falar que ela parecia um bebê reborn. Hoje, felizmente, todos convivem em paz.

Thais e Eloáh — Foto: @aquino_photo/@crioulinhos_ofc

Seus amigos já se acostumaram e sempre que alguém pergunta, ela responde: 'Eu sou albina, eu sou linda'. Mas sua condição vai além da aparência. Como ela tem zero melanina, requer muitos cuidados — precisa de muita proteção solar, pois qualquer exposição pode resultar em queimaduras, além do risco de câncer de pele. Ela toma sol por pouco tempo e somente pela manhã ou finalzinho do dia. Usamos um protetor indicado pelo dermatologista e repassamos, pelo menos, a cada uma hora. Ela tem baixa visão, não tem melanina na retina, então, também precisa de proteção nos olhos. Ela sente muita sensibilidade sem os óculos escuros e, a cada seis meses, faz exame para verificar a vitamina D no sangue.

Enquanto eu não conseguia explicar claramente para as pessoas o que era o albinismo, não saia de dentro de casa. No início, isso mexeu muito comigo. Depois, com 1 ano e três meses, fizemos um book e as agências começaram a nos procurar. Por ter um perfil diferente, ela é muito requisitada. Eloáh realmente chama atenção por onde passa, é uma criança carismática e conversadeira. Hoje, posso dizer que ando tranquilamente com ela pelas ruas e, quando perguntam, explico com clareza porque ela nasceu albina."

Mãe e filha — Foto: @aquino_photo/@crioulinhos_ofc


Sobre o albinismo

O albinismo é uma alteração genética. Seu aparecimento está condicionado a um gene autossômico recessivo ou ligado a cromossoma X, que não aparece em todas as gerações. Conforme Wladimir Taborda, ginecologista e obstetra, quando um dos pais possui o gene recessivo do albinismo existe a probabilidade de transmissão de 25% em cada gravidez. "Além disso, no caso do nascimento de um filho sem a condição existem 50% de possibilidade de ele ser portador do gene e também poder gerar filhos com albinismo", explica.

"A coloração da pele, dos olhos e do cabelo também varia com o tipo de mutação. Existem cerca de sete tipos de genes envolvidos no albinismo. Por exemplo, a cor da pele pode ser bem branca ou até mais amarronzada. Os cabelos podem ser totalmente brancos ou mais avermelhados. O mesmo acontece com os olhos", exemplificou a pediatra e geneticista Patricia Salmona, da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP).

Mas ela explica que a condição vai além das características físicas. "O albinismo também pode levar à algumas complicações e são elas que devemos tentar prevenir", alertou, referindo-se principalmente a pele e olhos. Segundo a especialista, sem a melanina, essas pessoas ficam expostas totalmente à ação da radiação ultravioleta e, portanto, altamente suscetíveis aos danos causados pelo sol. "Um risco é o envelhecimento precoce ou o aparecimento de câncer de pele ainda na juventude. Em regiões sem muito acesso a essas proteções, encontramos pacientes com câncer de pele já a partir de 20 anos e em estágios bastante avançados", pontuou.

"Além da pele mais sensível, também é muito comum alterações oftalmológicas, como estrabismo, catarata e visão subnormal", completou. E o albinismo, por ser raro — estima-se que uma a cada 20 mil pessoas nasçam com a condição —, sempre chama atenção.


Fonte: Revista Crescer



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