O norovírus não é extremamente preocupante para saúde pública. Mas causa desconforto tem impacto econômico
Reprodução do norovírus. — Foto: NIAID / CDC
Na passagem do ano, o litoral paulista registrou uma explosão de casos de vômitos, náuseas, cólicas e diarreia. Em Guarujá, foram mais de dois mil, comparados com mil e quinhentos do ano passado, um aumento inesperado. Cidades próximas, como Praia Grande e Santos, também assistem a aumento preocupante. Análises do Instituto Adolfo Lutz de São Paulo indicam que o culpado é um vírus conhecido: o norovírus. Talvez o nome não seja tão conhecido como o rotavírus ou algumas bactérias intestinais, mas o norovírus não é novidade para cientistas e epidemiologistas. Então, o que há de diferente agora?
O surto no Guarujá e arredores não ocorre num vácuo. Cientistas têm observado aumento de gastroenterites causadas por norovírus nos EUA e na Europa. Dados do CDC (Centro de Controle de Doenças Infecciosas dos EUA) mostram que só entre agosto a dezembro de 2024 houve 91 surtos no país. Isto é mais que o dobro de anos anteriores No Brasil, segundo apurado por O Globo, houve alta de casos de norovírus em Salvador, no primeiro semestre do ano passado, e também em 2022. Em 2024 em Goiás, 186 cidades apresentaram aumento de de diarreia aguda, com mais de 50 mil casos, grande parte causada por norovírus. Em 2023 em Florianópolis, um surto causou sintomas em mais de cinco mil pessoas.
O norovírus é altamente contagioso e costuma proliferar em ambientes com grande concentração humana. Sobrevive por vários dias em superfícies, e não é muito sensível à limpeza com álcool: resiste bem a diversos produtos de limpeza. Água e sabão funcionam melhor. Apesar de ser conhecido como um vírus de inverno, suporta altas temperaturas, e sobrevive em alimentos mal cozidos. É comum encontrar norovírus em frutas e verduras mal lavadas e em frutos do mar, principalmente filtradores, como ostras e mexilhões. Em dezembro do ano passado, mais de oitenta pessoas ficaram doentes após consumir ostras em um restaurante em Los Angeles.
Frutas vermelhas, inclusive as congeladas, também já foram fontes de contaminação em surtos anteriores. Outra característica do vírus que complica a contenção é que, mesmo após o fim dos sintomas, as pessoas continuam liberando partículas virais, e podem facilmente contaminar familiares e pessoas próximas, objetos, roupas, etc. O norovírus é bastante conhecido por causar surtos de gastroenterite em navios de cruzeiro.
A doença costuma passar sozinha, sem grandes complicações. Claro que para crianças e idosos é preciso redobrar o cuidado com a desidratação. Os sintomas podem ser severos para pacientes imunocomprometidos, mas em geral é uma doença autolimitante: a grande maioria dos casos passa despercebida, porque as pessoas nem precisam de hospitalização. Chama atenção, portanto, quando muita gente de uma vez precisa de assistência ambulatorial ou hospitalar por causa de norovírus.
Cientistas dos EUA acreditam que uma explicação possível para estes casos recentes mais graves é que a linhagem identificada pelo CDC, GII.17, não circula há muito tempo, e pode ter encontrado populações sem imunidade prévia. A pandemia de Covid-19 também pode ter contribuído, ao reduzir a circulação de pessoas (e do vírus), reduzindo a oportunidade para o público desenvolver imunidade.
O norovírus não é extremamente preocupante para saúde pública em termos de gravidade. Mas causa bastante desconforto no paciente e tem impacto econômico, quando causa grandes surtos. Por causa do contágio fácil, costuma proliferar em casas de repouso e escolas, atingindo justamente as populações mais vulneráveis a doenças gastrointestinais. Investir em melhorar a vigilância epidemiológica e diagnóstico pode ajudar a mapear as linhagens em circulação e evitar maiores impactos na saúde, turismo e educação.
Fonte: O Globo