O amor e a paixão podem voltar depois dos 40? Quero borboletas no estômago


Por que insistimos em achar que amor e paixão são como colágeno e massa magra, componentes que definham com o tempo?

Abaixo o etarismo no amor! Por que insistimos em achar que amor e paixão são como colágeno e massa magra, componentes que definham com o tempo? Como se, após certa idade, estivéssemos todos ou traumatizados ou desesperados ou desencantados —ou ainda as três coisas juntas— condenados, assim a relações mornas ou à solidão. A sensação é de que o amor vira um prêmio de consolação —seguro, porém sem graça.

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Não poderíamos estar mais equivocados. Não só o amor e a paixão são possíveis depois dos 40, como as chances de você ter um relacionamento feliz, saudável, intenso e duradouro são muito maiores. Isso não é opinião, é estatística. Helen Fisher, antropóloga com décadas de pesquisa sobre o amor descobriu que casais que vivem o "slow love" —relações que florescem após muitos anos de vida adulta sem o tal par— tendem a ser mais felizes e longevos. Esses vínculos trazem a maturidade de quem já se conhece e afina seus desejos. Um amor mais pautado nas ações do que nas projeções, que troca palavras vazias por momentos de entrega e presença. Descobrimos o prazer de preferir gente interessada a interessante, quebrando padrões tóxicos onde nos diminuíamos para caber na vida do outro alguém

Nesses amores, ao invés de seguir esperando que o amor das primeiras paixões aconteça como mágica, abre-se espaço para desconstruir ilusões e escolher, com mais clareza, um amor que faça sentido. Surge aqui um dos desafios desse amor 40+: compreender que o amor pode ser fantástico sem fantasias absolutamente idealizadas. Afinar o nosso querer não é abrir mão da mágica, pelo contrário, é jogar a favor e criar atmosferas.

Esse jogo só funciona se abraçarmos nossa bagagem. Em tempos de Ozempic e hipermagreza, "pesar" voltou a ser nocivo, mas nossas vivências pesam porque carregam histórias, não avarias. É hora de parar de tratar a bagagem como peso ou escudo e reconhecer que ela não nos danifica —nos forma.

Para evitar o descarte, descartamos primeiro. Queremos nos surpreender com o amor, mas tememos a mesma surpresa. Usamos traumas como gabaritos, achando que estamos no controle, mas nos tornamos crianças iludidas. O ser humano faz do acaso uma repetição. No fim, buscamos mais razão e proteção do que felicidade. Quanto mais nos defendemos, mais nos isolamos —esperando, sozinhos, pela volta do amor e das borboletas.

Poder não depender de um par romântico é uma das delícias do amor 40+. Você já paga suas contas, talvez tenha filhos, uma casa e nem queira mais dividi-la com ninguém. Mas, se essa independência se transformar em intransigência, não há relação possível. Dizemos que estamos mais seletivos, sem notar que, muitas vezes, cruzamos a linha para a inflexibilidade.

"Cuide do seu jardim e as borboletas aparecerão", diz o ditado. Mas, muitas vezes, o que chamamos de amor próprio é só medo de baixar a guarda e se abrir para alguém. É preciso se colocar no risco, sair da zona de conforto. Com o tempo, nos acomodamos nas nossas rotinas —amigos, pets, yoga e corridas no parque. Mas sinto dizer: o novo amor não vai chegar como brinde no seu iFood.

O amor e a paixão podem reaparecer se você abrir espaço físico e emocional pra isso. Se você se arriscar a deixar sua bagagem e seu entendimento afetivos de lado e se permitir viver outros papéis e outras narrativas —ao invés de performar a pessoa que é sempre largada ou que escolhe mal. As borboletas voltam quando nos permitimos ser mais crianças, entrando pros novos encontros sentindo mais e entendendo menos. E, ao mesmo tempo, mais adultos, abrindo mão da fantasia de que esse outro será tudo pra mim. (E que alívio não precisar ser tudo pro outro, não acha?)

A leveza do voo da paixão e do encantamento nos reencontram quando percebemos como é leve e intenso poder estar com alguém e ao mesmo tempo faltar. E também quando nos damos a chance de dividir as dores vividas e os sonhos não vividos com esse novo alguém; quando nos permitimos mostrar onde dói confiando que o outro não pisará nesses nossos calos.

O slow love nos ensina que o prazer vem do ritmo tranquilo, mais próximo do tantra, que prolonga a experiência, do que da monotonia de um amor morninho. Amar devagar é honrar tanto o tempo vivido quanto o momento presente. Significa entender que não precisamos do outro, mas que podemos desejar, e ter coragem de compartilhar nossos desejos com um novo parceiro. É entender o amor como escolha, não como salvação. Como sobremesa e não como refeição. E, como sobremesa, é poder convidar-se a degustá-lo com prazer.

Uma nova paixão pode ser intensa sem ser imediata. Pode ser descoberta a medida que se degusta; que se dá tempo para sentir e conhecer o outro e, assim, sentir-se com o outro.

É preciso voltar a acreditar no amor e na capacidade de recomeçar, diferente, sem entender nada. Permita-se ser mais como Fernando Pessoa, entendendo que você "está" mais do que "é". Quando quiser se definir demais, perceba que isso fala mais sobre sua compulsão à repetição do que sobre a realidade e convide-se a "não ser nada, e ainda assim, ter em si todos os sonhos do mundo". Convide o outro a sonhar com você. É delicioso!


Fonte: Folha Vitória




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