Aumento de temperatura está mais relacionado ao ganho de peso em mulheres e crianças — Foto: Freepik
Num mundo em aquecimento, o calor se tornou uma das maiores ameaças à saúde. Se não bastasse causar mal-estar e aumentar o risco de infarto, acidente vascular cerebral, diabetes, doenças renais, mentais e neurológicas, o calor também engorda. Uma pesquisa publicada na revista Global Food Security indicou que um aumento de 1°C nas temperaturas médias está associado a um aumento de 4% e 2% no índice de massa corporal (IMC) de crianças e mulheres, respectivamente.
O estudo analisou a relação entre temperatura e ganho de peso em 134 países, o Brasil dentre eles, ao longo de 39 anos. Os resultados se mantiveram mesmo após o controle de variáveis como PIB per capita, taxas de fertilidade e produtividade agrícola. A pesquisa foi destacada este mês pela Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins, nos EUA.
Liderado por Maria Teresa Trentinaglia, do Departamento de Ciências Ambientais da Universidade de Milão, na Itália, o trabalho mostra que a temperatura média do ar tem efeito direto e independente sobre o IMC.
Uma complexa interação de fatores genéticos, comportamentais e sociais leva à obesidade, mas o papel das mudanças climáticas ainda é amplamente negligenciado, disseram os cientistas.
“O aumento das temperaturas afeta a obesidade ao impactar o comportamento”, afirma Trentinaglia.
A principal causa de o calor aumentar o risco de alguém engordar é que, sob temperaturas elevadas, as pessoas se exercitam menos e tendem a ficar confinadas em ambientes mais frescos. Nos dias muito quentes, como esses da onda de calor que castiga esta semana o Centro-Oeste e o Sudeste do Brasil, crianças não brincam ao ar livre e as pessoas de forma geral andam bem menos.
O motivo da diferença entre homens e mulheres não foi investigado, mas se sabe que as mulheres, por motivos fisiológicos, são mais suscetíveis aos efeitos nocivos das temperaturas elevadas. O calor não teve efeito significativo sobre o IMC masculino pela análise.
Os cientistas observaram que o impacto da temperatura na obesidade ocorre a longo prazo. Além de fazer com que as pessoas fiquem em casa e reduzam a atividade física, o calor extremo afeta os preços e a disponibilidade de alimentos. Muitas pessoas, principalmente as de menor renda, acabam por substituir alimentos mais leves e nutritivos por ultraprocessados, mais baratos, mais calóricos e menos nutritivos.
Círculo vicioso
O calor é uma usina de doença e sofrimento. A tolerância à alta temperatura varia de uma pessoa para outra, mas é reduzida por fatores como idade, obesidade, doenças cardíacas, respiratórias, metabólicas e renais.
Por isso, o calor pode aprisionar pessoas com obesidade num círculo vicioso. Elas são suscetíveis a sofrer mais com o calor e, logo, a ficar mais inativas porque são obesas e, porque ficam inativas, correm o risco de engordar ainda mais.
Porém, o risco, independentemente do peso, da idade e da boa saúde, começa quando a temperatura do ar supera a do corpo humano, de 36,5C, costuma destacar Fábio Gonçalves, professor de biometeorologia da Universidade de São Paulo (USP), e um dos maiores especialistas do país em conforto térmico.
Isso acontece porque o corpo precisa trabalhar mais para se manter em equilíbrio. Com a temperatura igual ou superior a 37C com mais de 70% de umidade do ar qualquer pessoa pode começar a ter problemas.
E nem é preciso chegar a 40C para alguém literalmente morrer de calor. Estudos coordenados por Paulo Saldiva, professor titular do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), revelaram que, quando passa de 29C na cidade de São Paulo, o número de mortes por causas naturais aumenta 50%.
Num artigo publicado esta semana na revista Nature, Dann Mitchell, pesquisador da Universidade de Bristol e coordenador do programa Avaliação de Risco Climático para a Saúde e o Bem-Estar do Reino Unido, conclamou a comunidade científica a investigar os efeitos do calor na saúde e destacou a falta de pesquisas.
“Com 2024 marcando o ano mais quente já registrado, e o planeta ultrapassando pela primeira vez 1,5°C de aquecimento em relação às temperaturas pré-industriais, é urgente considerar como as mudanças climáticas afetarão a saúde humana a longo prazo. As consequências para nossos corpos da exposição repetida ao calor, à seca e à fumaça de incêndios florestais aumentarão. Mas as avaliações climáticas ainda não levam isso em conta”, disse Mitchell.
Ele salienta que, se as mortes e casos de doença e internação por calor ainda são mal computados mundialmente, os efeitos a longo prazo são ainda menos ainda conhecidos. A obesidade se enquadra nesse último caso.
Mitchell observa que é possível rastrear mortes por insolação, como as mais de mil fatalidades que ocorreram durante a peregrinação a Meca na Arábia Saudita em junho passado. Também é relativamente simples medir o impacto em idosos e bebês nas semanas após uma onda de calor.
“Mas há um custo cumulativo a longo prazo, e isso precisa ser mais estudado”, frisou.
Por exemplo, anos de exposição regular a ondas de calor e secas podem levar a doenças renais através de episódios sucessivos de desidratação e desequilíbrios eletrolíticos. O sono de má qualidade, comum nas noites quentes, está ligado à diminuição da saúde física e mental, declínio cognitivo e comprometimento da função imunológica, tudo o que pode se acumular ao longo do tempo.
O cientista citou ainda que o desenvolvimento dos fetos é influenciado pelas condições às quais eles e suas mães estão expostos, com impacto em sua saúde futura.
Se não bastasse, o funcionamento dos genes pode ser alterado por estresse ambiental, como o calor intenso e prolongado. Por exemplo, estudos mostram que indivíduos que foram expostos a períodos de clima quente e seco durante a gestação têm maior probabilidade de desenvolver pressão alta na idade adulta, décadas depois.
Futuras pesquisas
Segundo ele, há muitas consequências de um clima global mais quente que os pesquisadores ainda não compreendem, e outras que nem sequer conhecemos. Pode ser extremamente difícil quantificar os impactos à saúde que não seguem imediatamente as exposições, mesmo sabendo que eles existem. Eles são obscurecidos por dados de saúde fragmentados e variações na exposição das pessoas.
Mitchell acredita que a ciência avançará à medida que os pesquisadores estabelecerem melhores técnicas e registros de dados mais longos. E isso é urgente, frisou. “A carga para a saúde das mudanças climáticas é muito maior do que percebemos e afeta a todos”, escreveu na Nature.
Fonte: O Globo