Prefeito de Afonso Cláudio relatou à polícia ter sofrido uma suposta tentativa de assassinato, mas investigações levaram ao arquivamento do caso; Luciano Pimentel alega que falou a verdade
Marcas de tiro no vidro traseiro do carro dirigido pelo prefeito Luciano Roncetti Pimenta (destaque). (Reprodução)
Investigações que apuram a denúncia de tentativa de homicídio contra o prefeito de Afonso Cláudio, Luciano Roncetti Pimenta (PP), apontam uma série de contradições no depoimento do político e concluem pela "inexistência do crime", que teria acontecido em 22 de outubro de 2024. As informações constam no pedido de arquivamento do caso pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES) e no inquérito policial encerrado em dezembro, a que A Gazeta teve acesso com exclusividade. O prefeito diz que falou a verdade e que o caso foi distorcido para fins político.
A perícia revela que os tiros que atingiram o veículo do chefe do Executivo municipal foram disparados somente de dentro para fora. No suposto local do atentado, os peritos encontraram teias de aranha em uma das cápsulas. Câmeras de vigilância também não identificaram movimentações que revelassem a dinâmica do crime.
Em função dos resultados das investigações, o promotor de Justiça Carlos Furtado de Melo Filho, além de arquivar o caso, encaminhou o inquérito policial à Procuradoria-Geral de Justiça (PGJ) para análise de possível crime cometido pelo prefeito de Afonso Cláudio, cidade da Região Serrana do Espírito Santo. A Polícia Civil confirmou a conclusão do inquérito e disse que caberá ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) apurar se houve falsa comunicação de crime e disparo ilegal de arma de fogo.
Procurado pela reportagem de A Gazeta, o prefeito Luciano Pimenta enviou uma nota em que disse que até aquele momento não havia sido recebido a manifestação do Ministério Público sobre o caso; que falou a verdade no depoimento à polícia; e que o caso foi distorcido para fins políticos (leia a nota na íntegra no final da reportagem).
No documento, que tramita em segredo de Justiça, o promotor do caso sustenta que, durante as investigações e perícias, foram identificados pontos de desencontro entre o que havia sido relatado por Luciano Pimenta e as investigações conduzidas pela Polícia Civil.
"No caso dos autos, vejo que não preenchem os requisitos mínimos para dar prosseguimento ao feito, eis que os elementos colhidos durante as investigações apontam para a inexistência do crime narrado
Pedido de arquivamento do inquérito•Documento enviado à Justiça pelo MPES"
Exemplo disso, segundo o MPES, é que o prefeito afirmou à autoridade policial, em depoimento prestado em 23 de outubro, um dia após o suposto atentado, que estava trafegando com seu veículo, um Fiat Uno branco, por uma estrada que dava acesso à casa dele, quando teria notado a presença de uma motocicleta parada, com dois homens a bordo dela.
Ainda de acordo com o prefeito, o passageiro da motocicleta teria começado a atirar contra ele. O mandatário ainda afirmou aos policiais que, no momento do ataque dos supostos criminosos, também estava armado e terminou revidando a investida dos suspeitos.
Luciano Pimenta disse ter usado uma pistola 9 milímetros para efetuar cerca de dez disparos contra os supostos criminosos, que teriam fugido rumo a uma estrada que dá para um local chamado "Mata da Gameleira". O prefeito relatou que, mesmo durante a fuga, o homem que ia na garupa da moto continuou a efetuar disparos em sua direção. Os tiros, segundo ele, atingiram o vidro traseiro do carro em que estava.
Na parte final do depoimento à polícia, o prefeito disse que, após o suposto atentado, foi para casa e, em seguida, acionou a Polícia Militar, por volta das 21h57 do dia 22 de outubro. O fato teria ocorrido, segundo ele, às 21h.
Contradições
A primeira contradição apontada no documento do MPES tem a ver com a origem dos supostos disparos contra o prefeito. Em depoimento, Luciano Pimenta disse que os tiros que atingiram o vidro traseiro do automóvel onde estava foram feitos pelo suposto atirador. Porém, conforme a perícia realizada, os tiros que perfuraram o vidro partiram de dentro do próprio veículo, ou seja, teriam sido dados pela própria vítima.
Marcas de tiro no vidro dianteiro do carro onde prefeito Luciano Pimenta estava. (Reprodução)
Já a segunda contradição citada pelo órgão ministerial se refere aos cartuchos encontrados no local do suposto crime. Segundo o laudo pericial, as sete cápsulas .40 de munição apreendidas no ponto em que o prefeito disse ter sido abordado estavam muito próximas umas das outras, contradizendo, dessa forma, a versão dada por Luciano Pimenta de que o garupa da moto teria saído efetuando disparos durante a fuga.
A perícia ainda acrescenta que as cápsulas apreendidas pertenciam a quatro armas de fogo distintas. "O que é incoerente com o relato do prefeito, que afirmou que os disparos foram realizados apenas pelo indivíduo que estava na garupa da motocicleta", diz o inquérito. Na mesma análise pericial, foi constatada a presença de “teias de aranha” no interior de uma das cápsulas, mostrando que ela não havia sido utilizada na ocasião relatada pelo prefeito.
Ausência de perseguição e diferença de horário
Encerram o rol de contradições destacadas no laudo pericial citado na decisão do MPES, a suposta perseguição citada pelo prefeito em seu depoimento à polícia e o horário de acionamento da PM para atender a ocorrência.
O MPES frisa que os investigadores obtiveram imagens do posto de gasolina, onde, segundo o prefeito, "o veículo que supostamente o perseguiu dentro da cidade de Afonso Cláudio teria adentrado". Entretanto, nas imagens analisadas, foi possível identificar apenas o veículo em que Luciano Pimenta estava.
"Não se verificou qualquer outro veículo adentrando no posto nos minutos subsequentes, nem que tenha seguido o automóvel da vítima; a vítima declarou que os fatos ocorreram por volta das 21h, que a Polícia Militar chegou à sua residência aproximadamente dez minutos depois. Contudo, o acionamento da Polícia Militar, via Ciodes, ocorreu apenas às 21h57, ou seja, quase uma hora após o suposto evento", afirma o laudo pericial.
"Essas contradições, devidamente documentadas em relatórios e laudos periciais, levantam dúvidas sobre a veracidade dos fatos apresentados pela vítima, prefeito do município de Afonso Cláudio/ES. Diante dos fatos, verifica-se que não há elementos de informação consistentes acerca da materialidade e da autoria do crime de tentativa de homicídio. Não há testemunha do fato, nem provas de que alguém tenha atentado contra a vida da vítima", diz o documento.
Prefeito poderá ser punido?
O MPES foi procurado para mais informações sobre o resultado das investigações que apontaram não ter havido tentativa de homicídio contra o prefeito de Afonso Cláudio e se punições deverão ser aplicadas a ele. Até a publicação deste texto, os questionamentos da reportagem ainda não haviam sido respondidos.
No entanto, foi possível apurar que, por ter foro privilegiado, o prefeito terá sua situação apreciada diretamente pelo procurador-geral de Justiça, Francisco Berdeal. Se a PGJ decidir por investigar a conduta do prefeito e se o caso virar processo criminal, a análise caberá ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES).
O que diz o prefeito
"Até o presente momento, o Prefeito, ora vítima ainda não foi notificado de nenhuma decisão ou manifestação do Ministério Público sobre o caso. Todo o depoimento prestado na esfera policial contém a verdade. Após formal notificação do andamento do processo, providências serão tomadas. O Prefeito lamenta e repudia tentativas de distorção do ocorrido para fins políticos."
Íntegra
Luciano Pimenta, prefeito de Afonso Cláudio
O que diz a Polícia Civil
A Polícia Civil informa que o inquérito policial presidido pela Delegacia de Polícia (DP) de Afonso Cláudio foi concluído, restando pelo pedido de arquivamento, visto não haver indícios suficientes do crime de tentativa de homicídio. No relatório final, foi sugerido ao Ministério Público do Espírito Santo (MPES) que, caso o órgão tivesse um entendimento de que havia sido cometido algum tipo de crime por parte do prefeito, que fizesse um pedido de autorização ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES) para que fosse instaurado um procedimento para apurar falsa comunicação de crime e disparo ilegal de arma de fogo. Demais informações devem ser solicitadas ao referido órgão.
Íntegra
Polícia Civil do Espírito Santo
Fonte: A Gazeta