Brasileiros vítimas de tráfico humano em Mianmar são resgatados


Luckas Viana dos Santos e Phelipe Ferreira foram atraídos por uma vaga de emprego na Tailândia, mas foram capturados e perderam contato com familiares

Phelipe Ferreira e Luckas Viana se tornaram vítimas de rede de tráfico humano em Mianmar após falsas propostas de emprego — Foto: Divulgação

Os brasileiros Luckas Viana dos Santos e Phelipe Ferreira, vítimas de uma rede de tráfico humano no Sudeste Asiático, foram resgatados com ajuda de uma ONG internacional especializada em casos do tipo. Os paulistanos foram atraídos por supostas vagas de emprego na Tailândia e perderam contato com os familiares. Eles permaneceram no mesmo complexo de Mianmar em condições precárias. O resgate foi confirmado ao GLOBO por Antônio Ferreira, pai de Phelipe.


Procurado, o Itamaraty ainda não comentou sobre o caso.


Proposta de emprego

Conforme noticiado pelo GLOBO em dezembro do ano passado, Phelipe foi atraído por uma vaga de emprego na Tailândia cerca de um mês após o paulistano Luckas Viana dos Santos, de 31 anos, cair na rede de tráfico humano.

— Ele já tinha trabalhado na Tailândia em um cassino no ano passado. De lá, ele foi para Dubai e ficou três meses também em um cassino, e, depois, seguiu para as Filipinas. Em agosto, ele voltou ao Brasil e conseguiu um emprego no Uruguai, mas logo em seguida chegou essa proposta pelo Telegram — relata Antônio Ferreira, pai de Phelipe.

A oferta feita pela rede social dava conta de uma vaga emprego em um call center de Bangcoc, com salário de US$ 2 mil mais comissões e um cargo de líder em uma equipe. Com as passagens pagas pela suposta empresa, o brasileiro embarcou rumo à Tailândia, onde chegou no fim de novembro e ficou hospedado em um hotel.

— A um amigo, ele falou (por telefone) que ia chegar o motorista que iria levá-lo à empresa. Ele entrou nesse carro e, passadas duas horas, percebeu que algo de errado acontecia. Ele não falou mais nada e sumiu — conta Antônio.

A partir do dia 22 daquele mês, os familiares perderam o contato com o rapaz. A última localização do telefone do brasileiro indica que ele estava em uma estrada próximo a uma área de mata em Mianmar.


Luckas iria trabalhar em um cassino

O relato feito por Antônio Ferreira foi similar ao de Cleide, mãe de Luckas Viana. Ela contou que o filho também tinha experiência trabalhando em cassinos no Sudeste Asiático, onde atuava no atendimento a clientes brasileiros. Ele se mudou para a Tailândia no mês de setembro em busca de novas oportunidades de emprego.

— A ideia era trabalhar em um cassino — diz a mãe do brasileiro, que, segundo ela, chegou a trabalhar em um hostel nos primeiros dias no novo país. — Foi aí que apareceu a vaga pelo Telegram. Ele iria trabalhar como intérprete de brasileiros. Ofereceram moradia, um salário equivalente a R$ 8 mil e um contrato de seis meses.

O local do emprego seria a cidade tailandesa de Mae Sot, que faz fronteira com Mianmar e está a seis horas de carro de Bangcoc. Assim como ocorreu com Phelipe, um motorista da suposta empresa foi buscar Luckas Viana na madrugada. No trajeto, aconteceram trocas de carro, e o brasileiro chegou a realizar trechos da viagem de barco, ultrapassando a fronteira.

— Ele entrou no carro e ficamos conversando. Eu comecei a achar estranho, porque tinha hora que ele falava que ia desligar — lembra Cleide.

Phelipe Ferreira e Luckas Viana ficaram mantidos no mesmo complexo de Mianmar em condições precárias, segundo fontes ouvidas pelo GLOBO. Assim como outras vítimas de tráfico humano na região, eles foram obrigados a aplicar golpes virtuais em pessoas do mundo todo. Nesses locais, os estrangeiros são vítimas de torturas, envolvendo choques e agressões físicas. Ameaças de morte também são constantes.


Gangues e milícias movimentam US$ 3 trilhões ao ano

Mianmar representa um desafio para nações que tentam resgatar e proteger seus cidadãos de esquemas como esses. Nos últimos anos, o país, assim como o restante da região, que inclui Laos, Camboja e Tailândia, se tornou base para grupos criminosos, muitos de origem chinesa, que se aproveitam das vulnerabilidades locais para montarem imensas operações clandestinas.

No poder desde um golpe em 2021, a Junta Militar à frente do país não comanda boa parte do território e se vê envolvida em conflitos armados com diferentes facções de bases étnicas. Grupos criminosos associam-se às diferentes milícias atuantes em Mianmar para garantirem a continuidade dos negócios clandestinos. Em março deste ano, o secretário-geral da Interpol, Jurgen Stock, declarou que o dinheiro movimentado por esses grupos pode chegar a US$ 3 trilhões.

"Impulsionados pelo anonimato online, inspirados por novos modelos de negócios e acelerados pela Covid, esses grupos do crime organizado estão agora trabalhando em uma escala que era inimaginável há uma década", declarou Stock, em uma coletiva de imprensa. “O que começou como uma ameaça criminal regional no Sudeste Asiático tornou-se uma crise global de tráfico humano, com milhões de vítimas, tanto nos centros de fraude cibernética como nos alvos".

As vítimas levadas para atuar nesses golpes virtuais ficam mantidas em complexos que funcionam como prisões. É o caso do KK Park, na fronteira entre a Tailândia e Mianmar. Identificado como Lucas, uma das vítimas desse esquema descreveu o local à emissora alemã Deustche Walle em uma reportagem publicada em janeiro deste ano.

"Trabalhamos 17 horas por dia, sem queixas, sem férias, sem descanso. E se dissermos que queremos ir embora, eles nos dizem que nos venderão ou nos matarão”, disse Lucas, que é nascido na África Ocidental.


Alertas de embaixadas brasileiras

A Embaixada do Brasil em Yangon, capital de Mianmar, informou que desde setembro de 2022 recebe notificações de aliciamentos de brasileiros para trabalhos análogos a escravidão. Em geral, os alvos são seduzidos por vagas de emprego supostamente no setor financeiro da Tailândia, com salários competitivos, comissões e passagens aéreas.

Os brasileiros são levados a assinar cláusulas de confidencialidade antes de serem transportados até Mianmar. Eles, então, têm os passaportes retidos e são submetidos a longas jornadas de trabalho, privação parcial da liberdade de movimento e possíveis abusos físicos.

A Tailândia também é alvo de alertas do gênero pelo governo brasileiro. Em hostels, vagas de emprego nos arredores de Bangkok são oferecidas à brasileiros. No entanto, após aceitarem o trabalho, as vítimas são levadas por grupos armados até Mianmar, onde atuam para empresas fraudulentas e em condições precárias.

Fonte: O Globo





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